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Da reforma da língua portuguesa na Justiça do Trabalho

Falo da Justiça do Trabalho porque é a que mais conheço. Se é que hoje em dia por mais que conheçamos algo, ainda deixamos muito a desejar. Estou pregando uma reforma que atingiria alguns termos utilizados, para adaptá-los ao uso do público dessa Justiça Especializada, que são os trabalhadores brasileiros, embora também sejam as empresas (na definição trabalhista), logicamente que muito contra a sua vontade.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Atualizado em 24 de outubro de 2007 12:00


Da reforma da língua portuguesa na Justiça do Trabalho

Mauro Tavares Cerdeira*

Falo da Justiça do Trabalho porque é a que mais conheço. Se é que hoje em dia por mais que conheçamos algo, ainda deixamos muito a desejar. Estou pregando uma reforma que atingiria alguns termos utilizados, para adaptá-los ao uso do público dessa Justiça Especializada, que são os trabalhadores brasileiros, embora também sejam as empresas (na definição trabalhista), logicamente que muito contra a sua vontade.

A Justiça do Trabalho talvez seja a mais popular das justiças, e também a mais social. Entendo que o trabalho, embora talvez não devesse ser, é a coisa mais importante para a maioria dos cidadãos. É, sem dúvida, onde passam a maior parte de seu tempo útil - para os que não consideram útil o tempo gasto no sono, o que não vale para mim -, onde mais se relacionam, onde se desenvolvem, onde tomam decisões, onde resolvem estudar e "crescer na vida", onde muitas vezes conhecem a mulher ou o homem de sua vida. O trabalho indo bem, em geral, as coisas (todas as outras) vão bem.

O trabalho, por mais que se desenvolvam as tecnologias todas, é e sempre será uma relação tipicamente humana e social. Daí, o maior pré-requisito para trabalhar em nosso escritório, que se ativa preponderantemente nas áreas sindical e trabalhista, é o gosto pelos relacionamentos sociais e humanos, pelos intrincados acordos e ajustes feitos dia a dia e minuto a minuto, para possibilitar o convívio, e dentro deste, a geração de idéias criativas, o desenvolvimento da empresa, o ganho mútuo e o desenvolvimento econômico e social.

Somente que nossa realidade atual, no interior das empresas e no ambiente preponderante nas ruas, é feito de profissionais diversos, que são porteiros, enfermeiros, motoristas e moto-boys, mecânicos, metalúrgicos, protéticos e padeiros, que se utilizam de linguagem popular e informal, muitas vezes incompatível com os termos processuais e acadêmicos da Justiça, que, no final das contas, é feita para atendê-los, para levar até eles o poder jurisdicional do Estado, ou como querem os mais românticos, a esperada Justiça.

Estou, portanto, na moda, ou na onda da aproximação do Judiciário do Jurisdicionado. Acho realmente que vale a pena. A imagem melhora, o entendimento melhora, a noção de "justiça" melhora. O Poder Judiciário, logicamente, não é a casa da mãe Joana, mas é onde a mãe Joana vai quando lamentavelmente entra em litígio. E todos merecem respeito. Veja-se, por exemplo, casos recentes em que trabalhadores foram impedidos de freqüentar a sala de audiências trabalhistas em vista de sua vestimenta, e a repercussão gerada.

Para que não continue havendo uma discrepância de linguagem, um mal entendido de significados, é que prego insistentemente, o uso de uma linguagem e propriamente de palavras simples, de entendimento geral, o que por vezes é uma tortura para nós, advogados. Proponho também uma revisão dos termos processuais utilizados, e a seguir passo a dar algumas sugestões, incentivando o leitor que gostar da idéia, a engordar a lista.

Acórdão: Sugiro que mude para "decisão de grau superior" ou "sentença superior" ou até mesmo "sentenção", pois com o termo sentença o homem do povo já se familiarizou. Explicação: Chega a nós advogados estarmos inclusos nesta classe de profissionais desgastada e exaurida pela opinião pública, ainda, quase que mensalmente, temos que receber no nosso Escritório um cliente bravo, para não dizer "puto", reclamando que viu na internet que um dos nossos advogados fez um ACORDÃO no processo dele, e deve ter recebido uma "grana", já que não foi qualquer acordo, mas um "acórdão", e nem sequer o avisou. Daí, para explicar o que é acórdão, é uma novela de diversos capítulos.

SDI - Seção de Dissídios Individuais: A idéia é mudar também SDC e algumas outras siglas, mas SDI é a mais complicada de todas. Sugiro talvez Setor de Ações das Pessoas, sem siglas, mas aceito sugestões. Explicação: Quando, depois de oito anos, um cliente meu ligou no Escritório para saber do processo e eu lhe disse que a Empresa havia recorrido com Embargos à SDI do TST, ele, quase chorando, lamentou: "é, Mauro, nesta vida é só pobre que paga o pato; acho que vai acontecer comigo igualzinho o que houve com o caseiro Francenildo". Daí fiquei tentando explicar que não era CPI, mas é tão confuso que às vezes me atrapalho nas explicações.

Dissídio: Na explicação acima, tentei contar para o meu cliente que SDI se tratava de uma câmara especializada no julgamento de recursos de natureza extraordinária em caso de dissídios individuais. E foi aí que quase fui demitido do processo, já que fui contratado para entrar com uma ação trabalhista e acabei entrando com esse tal de "dissídio". O cliente perdeu a confiança - onde já se viu? - advogado que ganha para uma coisa e faz outra, e só vai avisar no fim (espera-se), depois de oito anos. A sugestão é que se dissesse "ação" mesmo.

Recurso de Revista: Eu sei que é difícil dar nome a recursos, pois que existem tantos que acaba faltando nomes, mais esse de Revista é também complicado de explicar. Primeiro porque quando acontece, e olha que é antes dos embargos à SDI, o cliente já está bem mais velho, criou barriga, sofre de hemorróidas e não acredita mais que o processo vá vingar. Uma vez, depois de sete anos, eu disse para o meu cliente que o processo tinha sido ganho, mas que a empresa tinha entrado com "revista". Ele ficou até animado e perguntou o nome da revista, porque iria comprar para mostrar pra "patroa" e ainda perguntou se tinham publicado a foto dele. A solução, acho, é acabar com este tanto de recursos, ou limitá-los aos casos mais relevantes ou de matéria mais nobre, como inclusive todas as reformas tem prometido. Pelo menos meus clientes gastariam menos nas bancas de jornais, procurando as revistas com suas fotos.

Processo: Esse, que é forma ideal e abstrata de solução de litígios, que se consubstancia nos autos, só sugiro que mude para adaptar ao gosto popular. O ideal seria que chamasse "pau". A maioria dos autores de ações chegam ao Escritório dizendo que querem "colocar a empresa (firma) no pau". A psicologia explica: "dá prazer usar a expressão", disse uma amiga psicoterapeuta, das mais conceituadas; "dá a entender que vão "ferrar" a empresa, que na sua visão, "os ferrou"". Agora, se a justiça continuar tão morosa, e com tantas formalidades e recursos, as demandas vão acabar se resolvendo é "na paulada".

Bom, teria outras contribuições, mas também tenho um recurso de revista, sem fotos, e dois embargos à SDI para fazer. Caso alguém se habilite a ajudar nas sugestões de nova nomenclatura, ou nos recursos, ficarei satisfeito.

O que gostaria de dizer, na verdade, é que a Justiça do Trabalho, do jeito que está hoje, com excesso de exigências processuais e rigor formal demasiado, a meu ver, vem impedindo o acesso ao poder jurisdicional.

São súmulas e orientações diversas, de natureza puramente processual, que visam, na maioria dos casos, barrar demandas e recursos e até impedir a realização de provas; por causa de um código em uma guia, da falta da mera citação de um artigo, de um centavo, de uma formalidade qualquer, e talvez amanhã, de uma vírgula ou ponto.

E isso está muito distante dos seus princípios originários. De uma Justiça, que em determinada era, se disse informal, célere, econômica, acessível a qualquer trabalhador, por mais humilde que pudesse ser.

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*Advogado do escritório Cerdeira e Associados.











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