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As funções fiscalizatórias da alíquota - ainda o caso CPMF

Em uma norma tributária, a base de cálculo e a alíquota são variáveis que se conjugam com o objetivo de compor a dívida tributária. Em geral, podemos destacar seis funções para a base de cálculo. A primeira, que decorre de sua definição estrutural, é servir para a determinação do valor da dívida tributária quando combinada com a alíquota. A segunda função da base de cálculo é fornecer o critério de mensuração para um elemento do fato jurídico tributário.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Atualizado às 09:03


As funções fiscalizatórias da alíquota - ainda o caso CPMF

Marcio Roberto Alabarce*

Em uma norma tributária, a base de cálculo e a alíquota são variáveis que se conjugam com o objetivo de compor a dívida tributária.

Em geral, podemos destacar seis funções para a base de cálculo.

A primeira, que decorre de sua definição estrutural, é servir para a determinação do valor da dívida tributária quando combinada com a alíquota. A segunda função da base de cálculo é fornecer o critério de mensuração para um elemento do fato jurídico tributário. Isso nos conduz à terceira função da base de cálculo, que é afirmar, confirmar ou infirmar a hipótese normativa. Outra função que pode ser atribuída à base de cálculo é a de servir como índice para aferir se a União, exercendo a porção residual de suas competências tributárias em matéria de tributos cuja hipótese normativa não esteja vinculada a uma atuação estatal, erigiu como hipótese normativa evento que, verdadeiramente, denote a existência de capacidade contributiva.

Ainda no campo das competências residuais da União, identificamos uma outra função para a base de cálculo, que é a de servir de índice seguro para atestar se a União respeitou as competências tributárias outorgadas pelo constituinte aos demais entes políticos. Uma última função para a qual nos parece servir a base de cálculo é ser instrumento para a realização de outros interesses do Estado que, mutilando-a parcialmente, ou seja, concedendo isenções, poderá dimensionar o ônus tributário de acordo com as diferentes políticas públicas.

Para a alíquota, por sua vez, podemos destacar quatro funções. A primeira é a de compor, ao lado da base de cálculo, o cálculo necessário à determinação da prestação pecuniária devida pelo sujeito passivo. A alíquota também se presta para a realização da progressividade dos tributos, por meio da manipulação das diferentes técnicas de fixação de alíquotas. A terceira função atribuída à alíquota é a de servir, tal como a base de cálculo, como instrumento da realização de interesses outros do Estado, que poderá graduá-la tendo em vista os objetivos de suas políticas públicas, seja mediante a concessão de isenções, seja mediante a realização do princípio da seletividade em função da essencialidade dos tributos. A quarta função atribuída à alíquota é a de servir, aliada à base de cálculo, de índice para que se apure o caráter confiscatório dos tributos e das multas.

Infelizmente, não podemos deixar de mencionar uma função que pode ser atribuída às alíquotas: servir como instrumento para atribuir à obrigação tributária a função de maximizar o controle e fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias relativas a outros tributos por parte dos contribuintes. Por meio da utilização de alíquotas reduzidas ou marginais, transforma-se o tributo em instrumento útil para a fiscalização.

Exemplo disso é encontrado no artigo 2º da Lei nº. 11.033/04 (clique aqui). Esse dispositivo atribuiu às corretoras de valores mobiliários a condição de responsáveis pela retenção e recolhimento do imposto de renda sobre as operações realizadas em bolsa de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas. A alíquota para o cálculo do valor a ser retido é de 0,005% sobre os valores das operações realizadas num mesmo dia. Notavelmente, a alíquota em questão serviu para que a União transformasse o tributo em instrumento de fiscalização.

* * *

O Governo tem alegado que a CPMF é útil e deve ser mantida porque serve como instrumento eficiente para o controle da arrecadação. Defende ainda que a oposição só combate esse tributo porque teme a continuidade de seu uso para esse fim. Somente sonegadores são contrários à CPMF, é o discurso!

É verdade que a CPMF pode ser utilizada como parâmetro para verificar a quantidade de recursos movimentados em conta bancária por pessoa física ou jurídica pela mera análise do montante retido pela instituição financeira em relação a cada CPF ou CNPJ. Afinal, se a alíquota da CPMF é 0,38% aplicada sobre o valor movimentado, sabe-se que uma mera "regra de três" permite estimar o total dos lançamentos efetuados naquela mesma conta corrente.

Com essa informação as autoridades fazendárias podem elaborar modelos estatísticos bastante complexos em relação aos contribuintes de cada setor, permitindo-as efetuar melhor seleção para a realização de auditorias fiscais. E, como a Administração Tributária trabalha com recursos relativamente escassos para o controle da arrecadação de milhares senão milhões de contribuintes, por certo a CPMF é instrumento valioso e pode significar grave prejuízo em termos de fiscalização se não for prorrogada.

Poderíamos, é claro, tecer uma crítica às autoridades fazendárias caso essas alegassem que os atuais sistemas de seleção de contribuintes para auditorias estão centrados nas informações provenientes da CPMF, pois, certamente, teria sido leviano investir em sistemas informatizados com base nas informações propiciadas por esse tributo que, imaginava-se, seria provisória. Nada disso, porém, foi alegado.

Em meio a isto, se a preocupação do Governo é manter esse utilíssimo instrumento de controle de arrecadação, a alternativa poderia ser a redução das alíquotas desse tributo a um percentual marginal, que propiciasse o tipo de informação que aquela alíquota prevista no artigo 2º da Lei nº. 11.033/04 (0,005%) fornecesse ao Fisco Federal. Afinal, a "regra de três" com base na qual é possível estimar o volume de lançamentos realizados nas contas bancárias dos contribuintes funciona tanto com a alíquota atual (0,38%) como com a alíquota marginal (0,01% ou menos), com a vantagem de que nesta não se verificam os efeitos perversos decorrentes da CPMF.

Do outro lado, caberia à oposição manifestar-se publicamente em favor da manutenção da CPMF como um instrumento em prol do controle da arrecadação, servindo sua alíquota predominantemente àquela última função a que nos referimos, sem efeitos econômicos. Com isso, os interesses daqueles que defendem o fim desse equívoco tributário que constitui verdadeira cicatriz no nosso sistema constitucional seria satisfeito ao mesmo tempo em que seriam preservados os interesses das autoridades fazendárias no controle da arrecadação dos demais tributos.

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*Advogado do escritório Machado Associados Advogados e Consultores









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