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Investigação pelo Ministério Público

Acompanho, perplexo, a movimentação de membros do Ministério Público em defesa de uma suposta atribuição, que estaria correndo o risco de lhe ser retirada, qual seja a de realizar investigações criminais, acaso acolhida a tese contrária deduzida nas razões escritas apresentadas pelo referido parlamentar naquele procedimento penal.

terça-feira, 29 de junho de 2004

Atualizado em 28 de junho de 2004 08:38

Investigação pelo Ministério Público


Diomar Bezerra Lima*


Acompanho, perplexo, a movimentação de membros do Ministério Público em defesa de uma suposta atribuição, que estaria correndo o risco de lhe ser retirada, qual seja a de realizar investigações criminais, acaso acolhida a tese contrária deduzida nas razões escritas apresentadas pelo referido parlamentar naquele procedimento penal.

Malgrado as grandes conquistas obtidas pelo Ministério Público com a Constituição Brasileira promulgada em 1988, onde são irrecusáveis o fortalecimento da instituição e o alargamento de sua competência, não lhe outorgou, porém, o Estatuto Fundamental da República poderes para proceder a investigação criminal, senão, apenas, nesse campo, a iniciativa de "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais"1.

Não colhe, data vênia, o argumento de que essa atribuição é inerente ao poder jurídico conferido ao Ministério Público de "promover, privativamente, a ação penal pública"2. Tanto não o é que, em inciso diverso, do mesmo dispositivo constitucional, tratou a Carta Magna dos procedimentos pré-processuais destinados à colheita de provas e de elementos instrutórios da "ação penal pública", estabelecendo a competência da instituição, qual precedentemente destacado, para "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais"3, num ou noutro caso, naturalmente.

No caso do Ministério Público Federal, diretamente envolvido na discussão que se trava no Supremo Tribunal Federal, a própria Lei Complementar nº 75, de 20/5/93, que dispõe "sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União", ao qual pertence, fiel ao texto constitucional, fez, também, pela natureza da matéria, a nítida distinção de atribuições investigatórias de que possa participar o órgão ministerial, ao estabelecer que ao Ministério Público Federal "incumbe, especialmente":

a) "instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos";

b) "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas"4.

A só circunstância de caber ao Ministério Público "promover, privativamente, a ação penal pública" não lhe confere legitimidade para instaurar e conduzir investigações criminais. Igualmente, o Código Penal, em vários dos seus dispositivos, tipifica crimes cuja ação penal instaura-se mediante queixa, de iniciativa, portanto, do próprio ofendido - e só dele - como todos sabemos. Nem por isso, entretanto, é o particular autorizado a desencadear as respectivas investigações. Trata-se de atividade estatal que o poder constituinte originário, por livre, consciente e soberana deliberação, houve por bem confiar, no caso dos crimes federais - como os mencionados na denúncia que capeia o INQ nº 1.968/MA - ao exclusivo desempenho da Polícia Federal.

Como se não bastasse dizer à Constituição Federal que "a polícia federal (...) destina-se a: apurar infrações penais (...) em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas..."5, afetou o mesmo Estatuto Fundamental da República à mesma instituição policial "exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União"6.

Como se pode perceber, em se tratando de "infrações penais (...) em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas", quis o legislador constituinte originário que as funções de polícia judiciária fossem exercidas, com exclusividade pela Polícia Federal, vale dizer, à exceção de qualquer outra autoridade, por mais proeminente que seja sua função no plano institucional.

Mesmo que a afetação à Polícia Federal das funções de polícia judiciária da União viesse desacompanhada da nota de exclusividade, o fato de caber-lhe, também por destinação constitucional, "apurar infrações penais (...) em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas"7, pelo caráter específico da atribuição, afastada estaria a competência dos demais órgãos públicos para a execução desse mister. Isto porque não se deve perder de vista a "circunstância de se presumirem exclusivas as funções conferidas a uma autoridade, se o legislador não prescreveu, a respeito, evidentemente o contrário: a divisão dos poderes é a regra; a sua confusão, fato excepcional"8.

Por fim, é sofística e exagerada a afirmação imputada a Procuradores da República de que "acabar com a atribuição investigatória pode significar o fim do Ministério Público". O que se discute no inquérito policial sob julgamento no Supremo Tribunal Federal não é isto, mas a legitimidade, frente à Constituição da República, do integral desempenho, pelo Ministério Público, de investigações criminais que o texto magno atribuiu, com exclusividade, a outro órgão do Estado.

O Ministério Público Federal, que ofereceu a denúncia contra o Deputado Federal Remi Abreu Trinta, com base em perícia determinada e conduzida, unipessoalmente, por seu proficiente Procurador Regional da República no Estado do Maranhão, atualmente presidindo a Associação Nacional dos Procuradores da República, Dr. Nicolau Dino de Castro e Costa, pode, sim, sponte sua, sem a necessidade de absorver as funções de polícia judiciária, acompanhar as diligências investigatórias e os inquéritos policiais, produzindo neles as provas que julgar necessárias, cuja instauração tenha requisitado, como lhe faculta o art. 38, I e II, da Lei Complementar nº 75/93.

O que não pode o Ministério Público, no Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento a "cidadania" e "a dignidade da pessoa humana"9, é olvidar, por mais relevantes e sedutores que sejam os argumentos apresentados, que o "respeito à lei e à autoridade da Constituição da República representam condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática necessária da cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica"10.
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1 art. 129, VIII.
2 art. 129, I, da CF/88.
3
art. 129, VIII, da CF/88.
4 art. 38, I e II.

5 art. 144, § 1º, I.

6 art. 144, § 1º, IV.

7 art. 144, § 1º, I.

8 CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Livraria FREITAS BASTOS S/A, 6ª edição, pág. 330, nº 333.

9 art. 1º, II e III, da CF/88.

10 ADI nº 2.213/DF, Min. Celso de Mello, D. J. de 23/4/2004, Seção 1, pág. 7.
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* Procurador de Justiça aposentado e advogado do escritório Advocacia Bettiol S/C






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