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O princípio da presunção da inocência e o registro de candidato

Fernando Montalvão

Ao abrir o site www.jeremoabohoje.com.br, no blog anexo do Dedé, encontrei a transcrição de um artigo da rubrica de Antonio Vital, apresentador do programa Expressão Nacional, publicado no congressoemfoco, sob o título: A Justiça vai legislar mais uma vez, dando conta da pretensão do TSE em barrar nas próximas eleições, o candidato que esteja respondendo a processo penal.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Atualizado às 09:42


O princípio da presunção da inocência e o registro de candidato

Fernando Montalvão*

"O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons!" (Martin Luther King).

Ao abrir o site (clique aqui) , no blog anexo do Dedé, encontrei a transcrição de um artigo da rubrica de Antonio Vital, apresentador do programa Expressão Nacional, publicado no congressoemfoco, sob o título: A Justiça vai legislar mais uma vez, dando conta da pretensão do TSE em barrar nas próximas eleições, o candidato que esteja respondendo a processo penal.

Na matéria mencionada, o articulista alinha algumas iniciativas do Poder Judiciário que impuseram regramentos novos ao processo eleitoral, como a cláusula de barreira e a verticalização nas eleições. Segundo ele, se não caísse à cláusula de barreira que seria aplicada pela primeira vez em 2006, se não tivesse sido derrubada, só sete dos 29 partidos registrados no TSE teriam sobrevivido. Segundo ele:

"A diferença é que, agora, o TSE mudou, e muito. O novo presidente do tribunal, Carlos Ayres de Britto, já admitiu publicamente, em mais de uma ocasião, que é contra a candidatura dos processados. Ele votou a favor da impugnação da candidatura de Eurico Miranda nas últimas eleições, mas acabou sendo voto vencido no TSE. De lá para cá, o tribunal trocou quatro de seus sete ministros e uma nova decisão sobre o mesmo assunto virou uma incógnita."

A teoria dos Três Poderes é o resultado do pensamento do francês Montesquieu, a partir da obra Política, do pensador grego Aristóteles, e de John Locke, que escreveu Tratado do Governo Civil. A divisão entre os poderes enterrou o pensamento absolutista e ficou cristalizada no art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, sendo encorpada pela nossa legislação constitucional, a partir da Constituição de 1881, repetida nas demais.

A nossa Carta Federal de 1988 (clique aqui) no seu art. 2º, traz o seguinte enunciado:

"São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

Já no seu art. 60, § 4º, III, veda que seja objeto de deliberação, emenda tendente a abolir a separação dos Poderes.

O mesmo texto primário da ordem jurídica nacional define a competência de cada um dos Poderes da União, Título IV - Da organização dos poderes -, reservando ao Poder Legislativo, a competência exclusiva para legislar, arts. 44, 48, 59 e 64. Mesmo a famigerada e viciosa Medida Provisória, por ato do Poder Executivo, é submetida ao crivo do Poder Legislativo, titular do processo legislativo, assim como as leis de iniciativa dos Poderes Executivo, Judiciário e popular.

Em razão da repartição entre os Poderes, surgiu o sistema de freios e contrapesos, em que um Poder controla o outro, evitando que um se sobreponha um sobre o outro, marco da sociedade democrática.

Sob que pese a divisão entre os Poderes acolhida pela nossa Carta de 1988, o Poder Judiciário, aproveitando o vazio, a omissão e o desprestígio do Congresso Nacional, passou a legislar, o que se constitui em sério risco a ordem constitucional brasileira, sob que pese a receptividade que vem tendo por segmentos da sociedade a até por parte dos pensadores nacionais na área jurídica.

Em dois artigos de minha rubrica, tive a oportunidade de citar o pensamento do Prof. Cláudio Lembo, pois, para ele, "admitir que o Poder Judiciário, sob o argumento de interpretar a lei, supra o legislador nacional, estará se proporcionando grave risco para a ordem democrática, com a possibilidade de se estabelecer a Ditadura dos tribunais". Segundo ele, "isso é apavorante, a pior ditadura é a ditadura do Judiciário. A ditadura da toga é a mais perigosa das ditaduras, porque é difícil de ser combatida."

O TSE com a chancela do STF, criou o instituto da infidelidade partidária, que consiste na perda do mandato político, daquele que depois de eleito venha trocar de partido político. Embora a prática fosse imoral, não recebia reprimenda legal, por falta de previsão constitucional, já que o art. 55 da CF, não contemplou a hipótese. Mesmo assim, foi criada norma constitucional pelo Poder Judiciário e inúmeros parlamentares tiveram seus mandatos declarados perdidos.

No pensamento de Rui Barbosa, "Na ordem da autoridade o Supremo Tribunal está acima de tudo. Mas, na ordem da justiça, acima do próprio tribunal supremo, que eu reverencio, quanto os que mais o reverenciarem, se eleva uma Corte de Apelação, a que ele mesmo há de curvar-se: a consciência do país." A consciência no Brasil contemporâneo, vem repousando na descrença das instituições e validando atos ilegítimos, resultando graves distorções na ordem constitucional e para a democracia.

Em duas oportunidades o STF ratificou criações legislativas do TSE, ao validar as novas faixas para composição das Câmaras Municipais e na criação do instituto da fidelidade. Felizmente, o Judiciário não dispõe de Divisões do Exercito. Se houvesse, a violação da ordem constitucional seria muito mais violenta.

O TRE do RJ nas eleições passadas, indeferiu o registro de candidato que tivesse respondendo a processo penal, tendo as decisões sido reformadas pelo TSE. Agora se anuncia que o TSE pretende rever a matéria.

A CF de 1988, no art. 5º, LVII, consagra o princípio da presunção da inocência, ao dizer:

"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"

A mesma CF no art. 15, III, prevê, que:

é "Vedada à cassação de direitos políticos, cuja perda só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;".

O conceito da coisa julgada, é encontrado no art. 467 do CPC (clique aqui) que enuncia:

"Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário."

Tramitando processo penal contra o pretendente a se candidatar a cargo eletivo nas próximas e futuras eleições, não poderá o pedido de registro dele ser indeferido, em razão do processo, por força do quanto prescrito nos arts. 5º, LVII, e 15, III, da CF.

A LC nº. 64 (clique aqui), que trata das Inelegibilidades, no art. 1º, I, letra e, diz ser inelegível:

"e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 anos, após o cumprimento da pena;."

O regime ditatorial militar implantado em 1964, com a LC nº. 5, de 29 de abril de 1970 (clique aqui), impedia o registro de candidatura que tivesse contra si oferecida denúncia por iniciativa do Ministério Público, a teor do art. 1º., n, como se vê:

"Art. 1º - São inelegíveis:

n) os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública e a administração pública, o patrimônio ou pelo direito previsto no art. 22 desta Lei Complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados;."

O princípio da presunção da inocência do inciso LVII do art. 5º da CF, não admite interpretação extensiva ou restritiva. Em se tratando de garantia constitucional, impede ao Juízo Eleitoral indeferir pedido de registro de candidatura de quem esteja respondendo a processo penal. A LC 64, que revogou a LC nº. 5, se traduziu como uma conquista na preservação das garantias constitucionais, não podendo agora, a Corte Eleitoral, pretender negar vigência a norma constitucional e revogar a letra e do art. 1º, I, da LC 64.

Em todos os países onde a ruptura se deu por revolução, os efeitos sobre as Cortes sempre foram devastadoras. O que se tem a lamentar, é se pretender voltar ao tempo da LC 5, filha do período sombrio da República Brasileira. É uma pena.

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*Consultor de Direito Eleitoral, titular do Escritório Montalvão e Advogados Associados





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