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Ausência de submissão à Comissão de Conciliação Prévia

Dispõe o art. 625-D da CLT que "qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria".

terça-feira, 3 de junho de 2008

Atualizado em 30 de maio de 2008 10:32


Ausência de submissão à Comissão de Conciliação Prévia: pressuposto processual, condição da ação ou mera faculdade da parte?

Soraya Saab*

Dispõe o art. 625-D da CLT (clique aqui) que "qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria".

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho se divide em relação à obrigatoriedade de submissão à Comissão de Conciliação antes da propositura da demanda na esfera judicial.

Parte entende que a submissão à Câmara de Conciliação Prévia seria obrigatória, sob dois fundamentos:

(a) por ser pressuposto processual

(b) por ser condição da ação.

A outra corrente reputa que a submissão seria mera faculdade do postulante.

Muitos são os que se filiam ao entendimento de que a submissão à Comissão de Conciliação é um pressuposto processual que viabiliza o exercício do direito de ação, e como tal, deve ser necessariamente observado e respeitado. Equivale dizer, a ausência de submissão à Comissão de Conciliação descumpre a determinação contida no art. 625-D, CLT, ensejando a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 267 do CPC (clique aqui), incisos IV ("quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo").

Sustentam que as Comissões foram instituídas com o intuito de promover a solução dos conflitos de forma deveras célere e mais adequada do que o judicial tradicional.

Admitir que o cumprimento do art. 625-D é pressuposto processual implica reconhecer que a submissão à Comissão de Conciliação é pressuposto da relação jurídica processual.

Contudo, com base nessa premissa, resta saber se, se trata de pressuposto de existência ou de pressuposto de desenvolvimento válido do processo.

Tenho para mim que é pressuposto processual de validade, por se tratar de requisito que deve estar presente na relação jurídico-processual.

Assim, partindo do entendimento de que a observância ao art. 625-D é requisito inafastável à propositura da ação judicial, na medida em que a submissão à Comissão de Conciliação é pressuposto processual de validade, concluo que a inobservância desta exigência enseja a extinção sem resolução do mérito (CPC, art. 267, IV).

Por outro lado, o Tribunal Superior do Trabalho já adotou solução diversa em reiterados casos análogos ao ora examinado. Foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento do Recurso de Revista nº. 1916/2003-029-02-00, publicado no DJ em 23/5/2008, em que o relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula deu provimento ao recurso para o fim de extinguir o processo nos termos do art. 267 do CPC, VI ("quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual"), sob o fundamento de que a ausência de submissão prévia à Comissão de Conciliação consistiria em carência de ação por falta de interesse de agir.

Neste aspecto, importante ressaltar que os pressupostos processuais não se confundem com as condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e interesse de agir).

Humberto Theodoro Júnior ensina que "(...) as condições da ação importam o cotejo do direito de ação concretamente exercido com a viabilidade abstrata da pretensão de direito material."

Quando se refere a pressupostos processuais o autor ensina que estes são as exigências legais que efetivam o estabelecimento válido da relação processual, de modo que, se não observadas impedem que a relação jurídica se estabeleça e desenvolva validamente.

Ressalte-se que tanto a corrente que considera a prévia submissão à Comissão um pressuposto processual, quanto a que a enquadra como uma condição de ação, convergem em relação ao destino processual derivado do descumprimento do disposto no art. 625-D da CLT: extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, IV ou VI do CPC).

Corrobora a obrigatoriedade de submissão à Comissão de Conciliação os ensinamentos do professor Valentin Carrion, para quem "A inovação legal já é anseio de muito tempo e objetiva desafogar a Justiça do Trabalho, emprestando maior celeridade à solução dos conflitos sociais, antes mesmo de serem trazidos aos órgãos jurisdicionais (...). Sua constituição é obrigatória, não obstante o legislador utilize 'poderá' no art. 625-A: é que o art. 625-D, caput, dispõe que 'qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão' e seus §§ 2º e 3º exigem a juntada de declaração de tentativa conciliatória frustrada com a descrição do objeto, quando do ajuizamento da ação."

Ou seja, o autor defende a obrigatoriedade de submissão à Comissão antes de ajuizamento da respectiva ação na esfera judicial, inclusive como forma de descongestionar as varas do trabalho.

É vasta a jurisprudência nesse sentido no Tribunal Superior do Trabalho.

Entretanto, conforme já mencionado, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho se divide com relação à obrigatoriedade de observância do art. 625-D (submissão à Comissão de Conciliação).

Muitos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho têm entendido ser a submissão à Comissão de Conciliação mera faculdade do postulante. Logo, o descumprimento da regra contida no art. 625-D da CLT não implicaria em extinção do processo sem apreciação do mérito.

Esse entendimento se baseia na idéia de que o entendimento contrário implicaria em ofensa ao direito constitucional de ação, previsto no rol de direitos e garantias individuais (art. 5º, XXXV da CF/88 - clique aqui). Ou seja, a falta de obediência a dispositivo celetista não pode violar o direito constitucional do trabalhador de postular em juízo.

Nesse sentido são os ensinamentos do professor Carlos Henrique Bezerra Leite, que vê no art. 625-D da CLT uma opção conferida ao trabalhador, que pode optar entre se submeter à Comissão ou ajuizar diretamente a ação judicial.

Para o autor "(...) a Comissão de Conciliação Prévia nada mais é do que um meio alternativo de acesso à justiça, tal como preconizado por Mauro Cappelletti como 'terceira onda' de acesso a uma ordem justa. Vale dizer, interpretamos o art. 625-D da CLT conforme os arts. 5º XXXV, e 114 da Constituição da República, em função do que o trabalhador tem a opção de formular a sua reclamação perante a CCP ou, se preferir, ajuizar diretamente a sua demanda perante a Justiça do Trabalho. (...) Afinal, se a Justiça do Trabalho tem competência para 'processar e julgar' (CF, art. 114), parece-nos óbvio que ela não pode negar-se a prestar a jurisdição por ausência de tentativa de conciliação extrajudicial, ou seja, se a Justiça Especializada pode o 'mais' (processar e julgar), evidentemente que pode o 'menos' (conciliar)."

Outro fundamento trazido para atestar a faculdade que supostamente irradia do art. 625-D da CLT é de que a lei não impôs qualquer sanção, qualquer penalidade pelo não cumprimento do disposto no referido artigo. Neste particular, se não traz nenhuma conseqüência pela inobservância da lei, é porque não tem caráter impositivo, enfim, não tem caráter obrigatório.

Nesse sentido, demonstrando a clara disparidade de entendimento no E. Tribunal Superior do Trabalho, vários são os julgados que afastam a obrigatoriedade de se cumprir o disposto no art. 625-D da CLT.

Vislumbramos, no entanto, que a lei é clara ao afirmar que qualquer demanda trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia, caso essa tenha sido criada na empresa ou em negociação coletiva com o sindicato (art. 625-D da CLT).

Além disso, reforçam a necessidade de observância e obrigatoriedade de submissão à Comissão de Conciliação os §§ 2º e 3º do art. 625-D da CLT.

O § 2º consigna que, restando frustrada a conciliação, a declaração fornecida pela Comissão de Conciliação Prévia deverá (e aí se vê a natureza impositiva da norma legal) ser juntada à eventual reclamação trabalhista.

E a característica impositiva da lei não para por aí. O §3º do mesmo artigo afirma que em caso de motivo relevante, que impossibilite o cumprimento do procedimento em estudo, será este motivo descrito na petição inicial a ser intentada na esfera judicial.

Assim, o postulante precisará informar (mediante a apresentação da declaração fornecida pela Comissão) e justificar em sua inicial a razão pela qual não cumpriu o disposto no art. 625-D da CLT.

Enfim, os mencionados parágrafos só reforçam a tese da obrigatoriedade da observância à determinação legal de submissão prévia à Comissão de Conciliação.

Nem se argumente que esse posicionamento estaria negando vigência à garantia da inafastabilidade (art. 5º, XXXV da CF/88). Trata-se, antes disso, de dar cumprimento a requisitos e pressupostos de validade da relação processual. É uma determinação legal exigida antes da propositura da ação na esfera judicial.

Além disso, há ainda um argumento de ordem social para se exigir que a controvérsia seja submetida previamente à Comissão de Conciliação. O procedimento da Câmara é extremamente rápido e muitas vezes atinge o seu objetivo: conciliar as partes, sem que precisem contratar advogado, esperar a designação de audiência (que muitas vezes envolve uma espera de meses ou até mesmo anos) e outras formalidades inerentes ao trâmite processual.

O legislador, sensível a esse anseio social de aceleração da resolução dos litígios trabalhistas, determina que as Comissões tenham o prazo de 10 dias para a tentativa de conciliação (art. 625-F da CLT). Ademais, a experiência demonstra que muitas vezes consegue atingir a composição em sessão de conciliação.

Contudo, caso se esgote o prazo de 10 dias sem a realização da sessão de conciliação, a lei desobriga o trabalhador de cumprir o estabelecido no art. 625-D da CLT, dispondo que será fornecida, no último dia do prazo, a declaração de tentativa frustrada (que deverá acompanhar a inicial, nos termos do art. 625-D, §2º da CLT).

Entretanto, ainda que se entenda que a submissão à Comissão de Conciliação é uma faculdade da parte, parece prudente, diante da divergência de entendimentos entre os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho no que respeita à obrigatoriedade de submissão à Comissão de Conciliação Prévia (art. 625-D da CLT), que haja a prévia submissão à Comissão - pelo menos enquanto o Tribunal não firmar entendimento sobre o tema.

Tal cautela terá o efeito de evitar que processos sejam extintos após um longo trâmite processual (art. 267, CPC), bem como de impedir que o demasiado apego a uma questão processual deixe carente de tutela o direito afirmado pelo trabalhador.

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* Advogada





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