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Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha

A criminalização da posse de drogas para uso próprio é um tema muito complexo. Há vários modelos de política criminal nesse assunto

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Atualizado em 23 de junho de 2008 15:02


Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha

Luiz Flávio Gomes*

A criminalização da posse de drogas para uso próprio é um tema muito complexo. Há vários modelos de política criminal nesse assunto. Os Estados Unidos se posicionam claramente pela criminalização - droga é um problema de Direito penal. Na Europa - de um modo geral - o assunto é tratado como uma questão de saúde pública e particular. Lá se adota a política da redução de danos. Não se trata de um tema de competência da Justiça penal. A polícia não tem muito que fazer em relação ao usuário de drogas - que deve ser encaminhado para tratamento, quando o caso.

No Brasil temos o seguinte: a Lei 6.368/76 (clique aqui) enfocava esse fato como crime e o punia com pena de prisão, de seis meses a dois anos de detenção. Depois da Lei 11.343/06 (clique aqui), no seu art. 28 passou a cominar penas alternativas, abandonando a velha política da pena de prisão, surgiu uma grande polêmica na doutrina e na jurisprudência. Três posições se destacam:

a) do STF (Primeira Turma - RE 430.105/RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence), entendendo que se trata de crime;

b) Luiz Flávio Gomes admitindo que se trata de uma infração penal sui generis (cf. Gomes et alii, Lei de Drogas Comentada, 2.e.d, São Paulo: RT, 2007, p. 145 e ss.);

c) Alice Bianchini (para quem o fato não é crime nem pertence ao Direito penal).

A 6ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (rel. José Henrique R. Torres) considerou que portar droga para uso próprio não é delito (caso Ronaldo Lopes - O Estado de S. Paulo de 23.5.08, p. A1). Mas se trata de um julgado minoritário.

Particularmente no diz respeito à maconha, a Europa - quase unanimemente - não segue a política norte-americana de repressão penal e policial. O porte para uso da maconha é visto como infração puramente administrativa. Em outras palavras: o porte de maconha para uso próprio foi descriminalizado.

O atual Governo britânico, entretanto - de tendência direitista, conservadora - acaba de voltar atrás em sua política de descriminalização da maconha. Walter Oppenheimer (em El País de 8.5.08, p. 38) informa que o Governo tomou essa decisão, que agora vai para o Parlamento. A palavra final é do Parlamento, que pode - ou não - reclassificar a maconha, que na atualidade está no grupo C (drogas leves). Pretende-se que ela volte para o grupo B (drogas intermediárias).

Por quais motivos o governo conservador inglês atual deseja a mudança? Por razões políticas, puramente - ou seja: conquista de mais votos, simpatia com a mídia conservadora, satisfação dos votantes repressivos, etc. O Conselho Assessor sobre o Mal Uso de Drogas não concorda com essa alteração de posição. Para ele, não há razão técnica ou científica para modificar a política de descriminalização da maconha. Sua periculosidade continua idêntica a um tranqüilizante e nada tem a ver com as drogas pesadas (cocaína, LSD, heroína, crack etc.). De outro lado, a maconha tem pouca importância no desenvolvimento de enfermidades psicotrópicas.

Na origem da descriminalização da maconha está a posição da própria polícia inglesa que dizia: porque perder tanto tempo com o usuário de drogas, se existem crimes graves que devem merecer a sua atenção. O retrocesso inglês, destarte, fundamenta-se numa orientação política conservadora. A mídia que segue esta linha vinha fazendo muitas críticas à política liberal do governo anterior. O atual governo, assim, está jogando para essa mídia, para a parte conservadora da população.

A maior crítica contra essa nova postura repressiva do governo inglês reside na sua falta de base científica. Dizem: "se é para seguir a mídia conservadora, troquem os conselhos assessores por donos dos respectivos jornais".

Conclusão: é impressionante como a política criminal não consegue se desvincular da política partidária e ideológica. Cada pessoa, cada partido, tem sua visão do mundo. Assumido o poder, troca-se a política anterior para satisfazer seus interesses partidários. Nem sempre a ciência e a razoabilidade guiam as decisões governamentais. O vai-e-vem na questão das drogas reflete bem essa pendularidade das políticas públicas. Enquanto isso o chamado homo sapiens continua sabendo muito pouco sobre elas, sobre a prevenção do seu uso etc. De uma verdadeira política preventiva sobre o uso de drogas não se tem notícia. No dia em que se alcançar isso vai ser possível liberar totalmente a droga, como já se liberou o cigarro, a bebida alcoólica etc.

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Fundador e Coordenador Geral da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes



 

 

 

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