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Antonio Candido: 90 anos de dignidade

Qual é o verdadeiro sentido da comemoração de uma efeméride, quando ela diz respeito a uma pessoa e, mais ainda, a um ser presente entre nós?

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Atualizado em 2 de julho de 2008 11:40


Antonio Candido: 90 anos de dignidade

Fabio de Sousa Coutinho*

Qual é o verdadeiro sentido da comemoração de uma efeméride, quando ela diz respeito a uma pessoa e, mais ainda, a um ser presente entre nós?

Para os democratas, a celebração do aniversário de alguém deve, necessariamente, constituir um momento de reflexão sobre o que a vida do homenageado representa em termos de dedicação à causa da justiça social, à afirmação das liberdades reais, ao fortalecimento dos legítimos valores da nacionalidade, ao engrandecimento cultural do povo de seu país e à defesa incontrastável da cidadania como fonte universal de participação no poder e nos destinos de uma nação.

Pois bem: estas linhas pretendem festejar, com a admiração e o júbilo próprios de um discípulo respeitoso, a trajetória pessoal, profissional e literária de um brasileiro modelar que agora atinge seus belos noventa anos. Refiro-me a Antonio Candido de Mello e Souza, professor, escritor, pensador e, acima de tudo, militante democrata que confere um toque de seriedade absoluta a uma atividade produtiva em que a qualidade científica, o rigor acadêmico e a precisão de conteúdo se aliam a uma profusão capaz de surpreender e fazer pasmar o mais cético dos observadores do movimento editorial de nossa terra.

Antonio Candido lecionou na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e Letras da Universidade de São Paulo durante quase quatro décadas (de 1942 a 1978), não tendo descuidado, por um dia sequer, de participar da vida que segue fora dos limites acadêmicos, nos quais uma tendência à acomodação é notória em todos os quadrantes do mundo. Mestre irrepreensível galgou diversas etapas até atingir a titularidade, tendo requerido sua aposentadoria em episódio, de cunho eminentemente político, que traz a marca da personalidade de um homem que sempre soube colocar os supremos valores da consciência acima de conveniências de natureza material e burguesa, não fazendo concessões de qualquer espécie aos atrativos da burocracia.

Professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia de Assis/SP, atualmente integrada na Universidade Estadual Paulista, sua atuação naquela prestigiosa instituição é reverenciada por quantos ali passaram, constituindo suas aulas autênticos monumentos de formação de brasileiros conscientes e conseqüentes, gente que, ao vê-lo e ouvi-lo, podia ter a certeza de que a existência merece ser encarada como um bem precioso demais para ser desperdiçado com questões que não passam pelo fortalecimento do homem como indivíduo na sua espécie e pessoa no conjunto da sociedade.

Como sociólogo, crítico e historiador literário, Antonio Candido leva ao paroxismo sua postura de intelectual engajado, de pensador sempre atualizado, de cidadão permanentemente ocupado e preocupado com os problemas estruturais que a humanidade deve enfrentar e superar para libertar-se inteiramente e poder realizar a felicidade completa, a utopia.

A leitura de apenas algumas de suas dezenas de obras seria suficiente para ajudar na compreensão dos incontáveis tropeços conjunturais e retrocessos institucionais por que passou, passa e, previsivelmente, ainda vai passar o processo civilizatório brasileiro. Com efeito, formação da Literatura Brasileira,Momentos Decisivos (1959), Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e História Literária (1965) e Um Funcionário da Monarquia: Ensaio sobre o Segundo Escalão (2002) se impõem como primorosos exemplares da mais perfeita e acabada investigação literária, histórica e sociológica desenvolvida em nosso país, com vistas à compreensão dos graves e hereditários problemas nacionais.

Por tudo o que fez, pensou e escreveu até aqui, Antonio Candido chega aos noventa anos ombreando-se com outros grandes brasileiros de sua geração que, tendo atingido idade tão significativa, igualmente se revelaram, em todos os momentos, forjados de inabalável honestidade intelectual e política. E, quando faço tal afirmativa, estou a pensar, por exemplo, num Oscar Niemeyer, num Evaristo de Moraes Filho, num José Mindlin, num Goffredo Telles Júnior, num Fernando Bastos de Ávila.

O espaço aberto para esta homenagem aos noventa anos de Antonio Candido permitiu que se perpetuasse, ainda que singelamente, o registro de uma rara trajetória existencial, na qual, pela prática incondicional das virtudes da integridade, da lealdade, da honradez, do respeito, da solidariedade, do patriotismo e do pensamento integrado à ação, um brasileiro ímpar dignifica o permanente combate democrático e, em última análise, a própria condição humana.

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*Advogado





 

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