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PL 1.845/2007 e o inconveniente fim do prazo em dobro

Fernando Dantas M. Neustein

Foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei 1845/2007, de autoria do deputado Carlos Bezerra, que revoga o artigo 191 do Código de Processo Civil. O dispositivo estabelece que quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos".

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Atualizado em 24 de julho de 2008 13:47


PL 1.845/2007 e o inconveniente fim do prazo em dobro

Fernando Dantas M. Neustein*

1. - Foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei 1.845/2007, de autoria do deputado Carlos Bezerra, que revoga o artigo 191 do Código de Processo Civil (clique aqui). O dispositivo estabelece que "quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos".

2. - O deputado Carlos Bezerra apresentou três justificativas para a proposição. Primeiro, alegou que a evolução tecnológica permite o uso de "fax, máquinas copiadoras, computador, dispositivos de digitalização, internet e as mídias digitais de alta capacidade de armazenamento", o que facilitaria a desempenho do mister do advogado.

3. - Segundo, afirmou que os litisconsortes "sempre" tendem a "acordar pela contratação de diferentes advogados, a fim de que se tenha direito ao benefíci", não raras vezes fazendo-o "por pura má-fé processual, com o intuito deliberado de procrastinar o andamento do feito".

4. - Terceiro, sustentou que o artigo 191 "contraria flagrantemente o princípio constitucional da razoável duração do processo e da celeridade na sua tramitação".

5. - Já não surpreende a aprovação de projetos de lei que visam a alterar o CPC, cuja unidade - embora devesse ser sua característica primordial, dado ser Código - se perdeu por completo, tal a pluralidade e a profundidade das alterações implementadas nos últimos anos.

6. - Mas ainda causa preocupação observar o avanço de certas proposições legislativas que almejam alterar o Código com base em premissas equivocadas e cuja aprovação não logrará aprimorar a prestação jurisdicional, senão o contrário. Esse é o caso do PL 1.845/2007.

7. - A regra do prazo em dobro aos litisconsortes representados por diferentes procuradores, consagrada pelo menos desde o Código de 1939, assenta-se em pressuposto fático que se mantém inalterado desde então: a maior dificuldade que o advogado do litisconsorte tem de compulsar os autos diante do que dispõe o art. 40 § 2º do CPC.

8. - Se e quando o processo se digitalizar por completo, tornando-se acessível on line, aí sim a evolução tecnológica justificará a discussão sobre a conveniência da manutenção do art. 191. Sim, porque nesse caso a dificuldade imposta pelo art. 40 § 2º desapareceria, remanescendo apenas dúvida sobre a universalização do acesso à rede eletrônica de computadores, já que a realidade da advocacia é assaz desigual no Brasil.

9. - A prática, porém, indica que essa meta está distante de ser alcançada. Infelizmente, muitos dos cartórios judiciais sequer estão informatizados. Há um conhecido abismo entre o que a tecnologia oferece e o que dela o Poder Judiciário aproveita, por razões que ultrapassam o escopo deste artigo.

10. - Portanto, não procede a primeira das alegações suscitadas para justificar o PL 1.845/2007. Por mais significativos que tenham sido os avanços tecnológicos alcançados nos últimos anos, eles não se fizeram irradiar sobre o ponto central que justifica a existência do art. 191.

11. - A segunda alegação invocada para justificar o PL - a de que os litisconsortes sempre tendem a contratar diferentes advogados para assim usufruir do prazo em dobro - também não procede. O PL presumiu a malícia de todos os jurisdicionados; adotou a exceção como se regra geral fosse.

12. - A prudência, contudo, tem de prevalecer: não se altera dispositivo de Código com base na contingência. Ressalte-se, ademais, que o próprio Código contém mecanismos para coibir os atos de má-fé processual, não se tendo notícia de que grassem condenações por uso indevido da prerrogativa prevista no art. 191.

13. - A terceira alegação diz respeito a busca da solução rápida do litígio. É claro que a lentidão na prestação jurisdicional a todos aflige. A equação desse complexo problema é que ainda parece obscura. Até hoje a ênfase tem sido dada na alteração das regras do processo. No entanto, a problema persiste.

14. - Talvez medidas voltadas a eliminar entraves burocráticos e a aprimorar os métodos (e condições) de trabalho da serventia judiciária se mostrem mais eficazes nesse sentido. Isso dispensa alterações no Código. Mas exige emprego de recursos econômicos e coragem para rever a cultura do nosso serviço público.

15. - De resto, se um dos culpados pela morosidade da Justiça é o Código e seus dispositivos que disciplinam prazos, então conviria revogar também o art. 188, que dá à Fazenda e ao Ministério Público prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, sabido que o Poder Público é o maior cliente do Judiciário.

16. - A propósito, consta da Justificativa do PL que "a tendência entre nós tem sido a abolição de privilégios relativos aos prazos processuais". Sendo assim, o silêncio do PL a respeito do art. 188 põe em dúvida seu rigor e coerência, embora esses sejam atributos indispensáveis para a legitimidade das leis.

17. - Em síntese: se definitivamente aprovado, o PL 1.845/2007 não alcançará os objetivos perseguidos pelo autor da proposição. Por outro lado, ao eliminar uma salvaguarda ao art. 40, § 2º, o PL prejudicará o direito ao contraditório assegurado pela Constituição Federal. Ou seja, de um lado nada se obterá; de outro, a cidadania se verá vulnerada.

18. - Se a lei é a "soberania da razão", como dizia Aristóteles, então convém mobilizar esforços e convencer nossos nobres representantes no Senado a rejeitar o PL 1.845/2007.

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*Sócio do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados

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