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A importância da possibilidade de convalidação dos atos administrativos nos concursos públicos

Nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Este processo administrativo, o concurso, tem por objetivo a realização dos princípios da isonomia e democracia, proporcionando também o atendimento ao princípio da eficiência, como a necessidade de selecionar os mais aptos para ocupar as posições em disputa e proporcionar uma atuação estatal otimizada.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Atualizado às 11:04


A importância da possibilidade de convalidação dos atos administrativos nos concursos públicos

Denise da Silva Wilke*

Nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal (clique aqui), a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos. Este processo administrativo, o concurso, tem por objetivo a realização dos princípios da isonomia e democracia, proporcionando também o atendimento ao princípio da eficiência, como a necessidade de selecionar os mais aptos para ocupar as posições em disputa e proporcionar uma atuação estatal otimizada. Da mesma forma, outros princípios constitucionais como o da moralidade, razoabilidade, publicidade e proporcionalidade também devem se fazer presentes, de modo a oportunizar a igualdade de oportunidades, como assim estabelece o princípio da acessibilidade aos cargos públicos, empregos e funções.

Da mesma forma, a Lei Federal nº. 9.784/99 (clique aqui), que regula o processo administrativo na administração pública federal, determina a obediência a outros princípios, que não estão explicitados na Constituição Federal, a saber: isonomia, legalidade, publicidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, motivação, razoabilidade, proporcionalidade e vinculação ao edital.

A máxima de que "o edital é a lei do concurso público", consubstancia-se no princípio da vinculação ao edital. Nele devem estar contidas todas as regras a serem seguidas, tanto pela Administração quanto pelos interessados, certamente que sempre respeitando as disposições legais e os Princípios que regem a Administração Pública, constantes da Constituição Federal. E, é dentro deste contexto, que o Edital do Concurso deve ser elaborado e, portanto, respeitado.

É importante frisar que os requisitos para o acesso aos cargos, empregos e funções públicas devem ser estabelecidos em lei. Portanto, habilitações específicas, testes físicos, exames psicotécnicos, tempo de experiência e idade mínima ou máxima, dentre tantos outros requisitos, somente podem ser exigidos por lei formal, à qual deve estritamente vincular-se o edital.

Matéria por demais controvertida, assunto por demais debatido e com diversos entendimentos é o relativo ao exame psicológico.

De um lado, algumas das alegações dos interessados são de que o teste psicológico é subjetivo e desmotivado; que não há no Edital a especificação das condições em que o candidato seria considerado "inapto" ou "contra-indicado"; que há ofensa ao princípio da impessoalidade, legalidade, igualdade e isonomia; que as características enumeradas no Edital para o concurso Público, na verdade, não são avaliadas; que o exame não é adequado à função pretendida.

De outro vértice, a Administração Pública aduz que não há ilegalidade no Edital, uma vez que o exame psicológico é perfeitamente exigível nos concursos públicos estaduais, conforme dispõe o artigo 37 da Constituição Federal e artigo 6º, da Lei Estadual 13.666/02; que a Administração Pública possui autonomia para fixação das bases e critérios para a seleção em concurso público, conforme a conveniência ou necessidade; que a reprovação do candidato é motivada, por não possuir as características exigidas pelo Edital do Concurso; que a realização do exame psicológico se faz necessária para o exercício de determinados cargos, dada a sua função estressante e que necessita de equilíbrio e controle emocional.

Em relação ao exame psicotécnico, psicológico ou psicopatológico (dentre outras denominações), tal exame corresponde à avaliação e aplicação de testes validados pelo Conselho Federal de Psicologia/CFP, sendo esses de inteligência, de memória abstrata, de condições gerais de personalidade e de entrevista, conforme tabela do perfil profissiográfico.

Frise-se aqui, que a avaliação psicopatológica está contemplada no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Paraná, em seu artigo 22, inciso VII, na Lei nº. 13.666/02 e no Regulamento Geral de Concursos Públicos - artigo 14 do Decreto Estadual nº. 2.508/04, sendo certo, que a avaliação psicológica não se afasta da Lei dos Concursos - dos Editais, tendo caráter eliminatório.

Impende salientar que o exame psicotécnico deve realmente ser realizado nos concursos públicos para determinadas carreiras, dada a função a ser exercida, onde deve ser exigida seleção mais criteriosa, de pessoas que irão agir em diversas áreas de segurança pública, como por exemplo, em escolas, na guarda de presídios, no controle do trânsito, entre outros, o que requer aptidão e equilíbrio físico-emocional para o exercício seguro e eficaz de suas funções.

Quanto à legalidade da realização do teste psicológico, é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Neste sentido:

Direito administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Curso de formação de oficiais da Polícia Militar. Exame psicológico. Possibilidade. Previsão legal. Critérios objetivos. Recorribilidade. Recurso improvido.

1. Admite-se a exigência de aprovação em exame psicológico para provimento de certos cargos públicos, com vistas à avaliação pessoal, intelectual e profissional do candidato. No entanto, tal exigência deve estar prevista legalmente, ser pautada por critérios objetivos e permitir a interposição de recurso pelo candidato que se sentir lesado, requisitos presentes na hipótese.

2. Recurso ordinário improvido. (RMS 23163/MT, Min. Arnaldo Esteves de Lima - 5ª Turma - DJ 19.5.2008).

Assim, verificada tanto a legalidade quanto a necessidade de realização do aludido exame, passa-se então, a discorrer sobre a sua realização propriamente, que também deve estar em conformidade com os ditames legais.

2. Questão fática:

Candidato desclassificado no teste psicológico de concurso público para cargo da área de segurança pública, impetra Mandado de Segurança e, através de liminar, é mantido no certame. No mérito, lhe é concedida a segurança. Apela o Estado do Paraná aduzindo que o exame psicológico é legal, com previsão editalícia e que o candidato foi considerado "inapto" e, ainda, que não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo. Nas contra-razões, dentre outras alegações, o apelado registra que o exame psicológico foi realizado por empresa contratada pela Administração Pública. Quando do julgamento do mandamus em grau recursal, verifica-se que o candidato já foi aprovado, tomou posse e está em pleno exercício de suas funções. Ainda, consta dos autos, declaração do setor competente do Estado, no qual exerce suas funções, de que é servidor exemplar. Pergunta-se: Que solução dar ao caso?

3. Da decisão recursal:

Analisando-se a legislação aplicável aos certames, realizados no Estado do Paraná, verifica-se a impossibilidade de terceirização da aludida avaliação psicológica, consoante o artigo 6º, parágrafo 2º, da Lei Estadual nº. 13.666/02, que determina:

"Art. 6º - A inspeção médica realizada por órgão de perícia oficial do Estado precederá sempre o ingresso no serviço público estadual, podendo integrar a inspeção, o exame psicológico.

(...)

§ 2.º - O Chefe do Poder Executivo, ouvida previamente a Secretaria de Estado da Administração e da Previdência - SEAP, regulamentará o exame psicológico no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação desta Lei, prevendo, inclusive, a possibilidade de interposição de recurso administrativo, podendo ser concedido, à critério da autoridade competente, efeito suspensivo ao recurso contra a decisão do órgão de perícia oficial do Estado" (grifou-se).

Veja-se o que diz o artigo 2º, parágrafo 3º do Decreto 2508/04:

"Art. 2.º É de exclusiva competência da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência, com a prévia autorização do Governador do Estado, a realização de concursos públicos para provimento de cargo e emprego público na Administração Direta e Autárquica do Poder Executivo, exceto para o suprimento de cargos dos Quadros das Polícias Civil e Militar:

(...)

§ 3.º A Secretaria de Estado da Administração e da Previdência, quando julgar necessário, poderá contratar empresas ou instituições especializadas em processos seletivos".

Ou seja, embora seja possível a terceirização dos concursos públicos, conforme possibilita o artigo 2º, parágrafo 3º, do Decreto nº. 2.508/04, que regulamentou a Lei nº. 13.666/02, o caso é mesmo de impossibilidade de terceirização especificamente do exame psicológico, que segundo a Lei nº. 13.666/02, deve ser efetuado por perícia oficial do Estado.

Segundo entendimento de Hely Lopes Meirelles:

"Os regulamentos são atos administrativos, postos em vigência por decreto, para especificar os mandamentos da lei, ou prover situações ainda não disciplinadas por lei. Desta conceituação ressaltam os caracteres marcantes do regulamento: ato administrativo (e não legislativo); ato explicativo ou supletivo da lei; ato hierarquicamente inferior à lei; ato de eficácia externa. (...) Como ato inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-la ou ir além do que ela permite. No que o regulamento infringir ou extravasar a lei, é írrito e nulo. Quando o regulamento visa a explicar a lei (regulamento de execução) terá que se cingir ao que a lei contém; quando se tratar de regulamento destinado a prover situações não contempladas em lei (regulamento autônomo ou independente) terá que se ater nos limites da competência do Executivo, não podendo, nunca, invadir as reservas da lei, isto é, suprir a lei naquilo que é da exclusiva competência da norma legislativa (lei em sentido formal e material)." (grifou-se)1.

Ademais, o artigo 50, § 1º, do aludido Decreto n.º 2.508/04 é que, em verdade, regulamentou o artigo 6º, § 2º, da Lei nº. 13.666/02, ao assim dispor:

"Art. 50. Para os integrantes das carreiras do Quadro Próprio do Poder Executivo - QPPE, o exame psicológico, se exigido para fins de ingresso em cargo/função, integrará a inspeção médica, na forma deste decreto:

§ 1.º O exame psicológico será realizado pelo órgão de perícia oficial do Estado e, enquanto etapa seletiva, terá caráter eliminatório" (grifou-se).

Vai daí, então, que a norma do artigo 50, § 1º, que está em perfeita sintonia com a do artigo 6º, § 2º, da Lei nº. 13.666/02, é especial e derroga a geral, contida no artigo 2º, § 3º, do Decreto nº. 2.508/04.

Portanto, a forma de realização do exame psicológico, através da terceirização pela Administração Pública, é passível de anulação. E, in casu, em se tratando de nulidade relativa, tal vício pode ser declarado de ofício ou invocado por qualquer das partes, a qualquer tempo. Ou seja, tanto pode a Administração, através do poder de autotutela, ordenar o saneamento pela repetição ou ratificação do ato, ou pode a parte interessada invocá-lo seja administrativamente ou judicialmente, sendo relevante que a nulidade a ser declarada deve ser contingenciada, devendo ser apontado exatamente qual o ato fulminado, qual seja, o exame psicológico, realizado por empresa terceirizada.

Ora, no exemplo supracitado, se o servidor já se encontra no exercício das funções para as quais foi aprovado e o próprio órgão do Estado está a declarar ser o servidor competente, a repetição do exame psicológico, para convalidação do ato administrativo que o desclassificou é medida que atende aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e eficiência. Ou seja, deve o ato administrativo ser ratificado por perícia oficial do Estado, consoante determina o artigo 50, § 1º, do Decreto nº. 2.508/04, que está em perfeita sintonia com a do artigo 6º, § 2º, da Lei nº. 13.666/02.

Em outras palavras, deve ser anulado o exame efetuado através de terceirização, para que outro seja aplicado no apelado, por perícia oficial do Estado, em estrito cumprimento à legislação vigente.

Aliás, neste sentido têm sido as decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, nos Acórdãos nº. 31265, julg. 16.6.08 - DJ 76492 e nº. 31376, julg. em 24.6.08, DJ 76543, de Relatoria da Des. Anny Mary Kuss e nos Acórdãos de Relatoria da Des. Regina Afonso Portes n. 31045, julg. em 20.5.08, DJ 76344 e nº. 30958, julg. em 5.5.08, DJ 76295.

Desta feita, revela-se de suma importância a possibilidade de convalidação dos atos administrativos, como na do caso em estudo, a de se convalidar o exame psicológico em concursos públicos, aplicando-se, sobretudo, os Princípios da Razoabilidade, Proporcionalidade e Eficiência.

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1 Meirelles, Helly Lopes - "Direito Administrativo Brasileiro, 15.ª edição, São Paulo, 1990, Ed. Revista dos Tribunais, págs. 156/157.

2 "Apelação Civel - Ação ordinária declaratória - Concurso público para agente penitenciário - exame psicológico - ealização por empresa terceirizada - impossibilidade - ofensa ao art. 6º, § 2º, da lei estadual nº 13.666/02 e art. 50, § 1º, do decreto nº 2.508/04 - possibilidade de convalidação dos atos defeituosos - aplicação de outro exame por perito oficial do estado - inaplicabilidade da teoria do fato consumado - recurso conhecido e provido. No caso em que se exigiu o exame psicológico, de caráter eliminatório, este deveria te sido realizado por órgão oficial, não por empresa terceirizada especialmente contratada para a sua aplicação, eivando de nulidade o ato administrativo. O psicólogo que pertence aos quadros do Estado é quem deverá, sob a fé pública de seu cargo, atestar se o exame realizado é absolutamente verídico, condizente com o perfil psicográfico do candidato examinado."

3 "Apelação civel - ação ordinaria - concurso público para agente penitenciário - exame psicológico - realização por empresa terceirizada - impossibilidade - ofensa ao art. 6º, § 2º da lei estadual nº 13.666/02 e art. 50, § 1º do decreto nº 2.508/04 - possibilidade de convalidação dos atos defeituosos - aplicação de outro exame por perito oficial do estado - nulidade da sentença declarada de ofício - prejudicada a análise do apelo voluntário. Neste caso, em que se exigiu o exame psicológico, de caráter eliminatório, este deveria ser realizado por órgão oficial do Estado e não por empresa terceirizada, especialmente contratada para a sua aplicação, eivando de nulidade o ato administrativo. O psicólogo que pertence aos quadros do Estado é quem deverá, sob a fé pública de seu cargo, atestar que o exame realizado é absolutamente verídico, condizente com o perfil psicográfico do candidato examinado."

4 "Agravo regimental cível - irresignação contra despacho que declarou nulo exame psicológico - matéria de ordem pública - ausência de ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição - recurso desprovido."

5 "Agravo de instrumento - liminar em mandado de segurança não concedida - exame psicológico realizado por empresa terceirizada - nulidade do ato administrativo reconhecida - requisitos para a concessão da liminar evidenciados- recurso conhecido e provido. Ante os recentes julgados entendendo ser ilegal a terceirização para a realização do exame psicológico, evidenciado ficou o requisito da fumaça do bom direito. O perigo da demora também é evidente visto que, não oportunizada a realização de novo exame, agora por entidade pública, estará dito agravante alijado do certame quando o direito lhe socorre no sentido da possibilidade de convalidação do exame anteriormente realizado e que se mostra defeituoso."

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*Assessora Jurídica, do Quadro de Pessoal da Secretaria do Tribunal de Justiça





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