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Indenização por acidente de trabalho: caráter pedagógico ou reparatório?

Muito se discute sobre os parâmetros a serem utilizados pelo juiz no momento da fixação de uma indenização por acidente de trabalho. Somente a extensão do dano deve ser levada em consideração? O padrão econômico do empregado é fator relevante? Inexistindo culpa do empregador, a reparação ainda deve ter caráter pedagógico / punitivo?

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Atualizado às 14:15


Indenização por acidente de trabalho: caráter pedagógico ou reparatório?

André Luiz Aidar Alves*

Muito se discute sobre os parâmetros a serem utilizados pelo juiz no momento da fixação de uma indenização por acidente de trabalho. Somente a extensão do dano deve ser levada em consideração? O padrão econômico do empregado é fator relevante? Inexistindo culpa do empregador, a reparação ainda deve ter caráter pedagógico/punitivo?

Após a emenda constitucional nº. 45 (clique aqui), de 8 de dezembro de 2004, a competência para julgar ações de reparação de danos decorrentes de acidente de trabalho foi definitivamente fixada na Justiça do Trabalho. Desde então, temos observado que os valores de tais indenizações estão sendo fixados em valor bem superior àqueles constantes de sentenças proferidas na justiça comum. Tal fato, que não chega a ser de todo ruim, dado o histórico de indenizações miseráveis no judiciário brasileiro, com toda certeza está ligada ao caráter protecionista da justiça laboral. Entretanto, percebe-se claramente que os julgadores vêm pautando suas decisões em critérios meramente subjetivos e de ordem pessoal, o que, no final das contas, acaba por causar enorme insegurança jurídica.

A responsabilidade do empregador no acidente de trabalho

Salvo raríssimas exceções (Rui Stoco in Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª edição, Ed. Revista dos Tribunais), a doutrina e a jurisprudência pátria se posicionaram a favor da adoção da teoria da responsabilidade objetiva do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho. Assim, para que surja a obrigação de indenizar, basta o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo trabalhador e a atividade laboral por ele exercida. Não se exige a configuração de culpa em sentido lato do patrão.

Tal posicionamento decorre da interpretação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil (clique aqui), que acolhe a teoria do risco no direito pátrio. Desta forma, pelo simples fato do empregado sujeitar-se ao risco durante o trabalho, ocorrendo o acidente surge a responsabilidade patronal de reparação do dano.

Os elementos caracterizadores da indenização

O dever de indenizar surge como meio de reparação dos danos causados à vítima, mas também como medida pedagógica tendente a desestimular o autor a práticas semelhantes. Assim, o sujeito ativo da ação de indenização anseia retornar a seu status quo ante e o poder público busca inibir situações como a que ensejou a demanda, por meio da punição do sujeito passivo. Mas e se este último em nada contribuiu para o evento?

Tomemos o seguinte exemplo, bastante comum em grandes cidades: uma empresa de entregas rápidas determina a um de seus empregados, motociclista, que leve determinada encomenda a um cliente. No trajeto, o trabalhador envolve-se em um acidente de trânsito, causado por terceiro. Em razão do acidente, o motociclista fica paraplégico. Sem olvidar o direito regressivo que a empresa certamente possui em face do causador do acidente, seria plausível impor ao patrão uma condenação que tivesse caráter punitivo/pedagógico? Qual seria a lição a ser dada? E pior, se o valor da reparação ultrapassar as forças econômicas da empresa, esta se tronará inadimplente, com reflexos funestos aos seus outros empregados, aos sócios, ao poder público e a terceiros que com ela contratam.

Note que quando dizemos que o empregador em nada contribuiu para o evento estamos falando de culpa em sentido lato, ou seja, não houve por parte da empresa dolo ou imprudência, imperícia ou negligência, estas três últimas caracterizadoras da culpa em sentido stricto.

O que se tem visto na justiça do trabalho é a utilização do temor de uma indenização impagável como fator de pressão para a realização de acordos que, igualmente, são extremamente onerosos para o empregador. Bem sabemos que não é isto que se espera de uma correta prestação jurisdicional.

Em casos como estes, o julgador deve ter muito cuidado no momento de liquidar o dano. Por pior que seja o resultado do evento para o empregado, não é justo punir a empresa porque deu emprego ao acidentado e o colocou para trabalhar. Assim, entendemos que em acidentes de trabalho a culpa do empregador deve ser levada em consideração sim, se não para configurar a responsabilidade do patrão, pelo menos como critério para a fixação do montante indenizável.

Cumpre lembrar, por último, que, apesar da culpa patronal ser irrelevante para que surja a obrigação de indenizar na hipótese de acidente de trabalho, a culpa do empregado é fator inafastável, haja vista que havendo culpa concorrente o valor da reparação deverá ser fixado de forma proporcional ao grau de contribuição do trabalhador no evento. Já a culpa exclusiva da vítima só pode ser entendida como excludente total da responsabilidade do patrão.

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Referências bibliográficas

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito de Trabalho. 7ª edição. São Paulo: Editora LTr, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. Volume IV. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

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*Advogado de Alex Ivan de Castro Pereira Advocacia S/S, e professor de Direito Empresarial na Universidade Católica de Goiás





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