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As abelhas e os ingleses

Tenho tido, mais recentemente, a atenção voltada para as grandes modificações que, numa determinada sociedade, são trazidas por aparentemente pequenas diferenças de tratamento dado a um mesmo instituto jurídico.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Atualizado em 13 de agosto de 2008 14:29


As abelhas e os ingleses

Luiz Fernando Hofling*

Tenho tido, mais recentemente, a atenção voltada para as grandes modificações que, numa determinada sociedade, são trazidas por aparentemente pequenas diferenças de tratamento dado a um mesmo instituto jurídico.

É surpreendente como um instituto pode suscitar resultados completamente diversos, conforme esteja submetido a uma ou outra modulação!

Já fiz essa observação, recentemente, em artigo escrito em colaboração com advogada criminalista desta cidade, onde analisamos a diferença entre um regime democrático e uma ditadura (Migalhas 1.944 - 22/7/08 - "Interceptação" - clique aqui).

Renovo-a, agora, a propósito do projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional, no qual se cuidou da inviolabilidade dos escritórios de advocacia em investigações criminais autorizadas pela Justiça.

Constitui alegação dos leigos que os advogados não poderiam ter os seus atos imunizados porque, se fosse assim, poderiam praticar crimes, impunemente, o que constituiria um privilégio, a ninguém concedido.

O que todos parecem ignorar é que a inviolabilidade dos advogados não serve a estes, mas a seus clientes, sendo uma decorrência necessária do segredo profissional, ao qual estão obrigados, sob as penas da lei.

O advogado não pode relatar, a quem quer que seja, o que lhe confiou o cliente, e, se o fizer, sofrerá reprimenda penal e administrativa.

Pergunta-se: por que deve existir a inviolabilidade do advogado e seus arquivos?

É que, se assim não fosse, ninguém contaria os seus segredos ao advogado, restringindo-se, a ponto de fazê-lo desaparecer, o direito à defesa, constitucionalmente assegurado, pelas legislações modernas, à universalidade dos cidadãos, em todo regime democrático.

Dessa forma, se você vive numa democracia, pode contar com isso: o segredo confiado ao seu advogado é inviolável, não havendo como rompê-lo, sem a prática de uma infração penal grave, consistente na revelação de informação revestida de sigilo profissional.

Mas se você não vive numa democracia, essa garantia não prevalecerá: o que você disser ao seu advogado pode ser vasculhado pela polícia, que não está obrigada a respeitar os arquivos dele e os seus segredos.

Como se vê, de uma aparente pequena diferença de tratamento dada ao mesmo instituto, dependerá que vivamos:

- numa democracia, em que se exerce o direito à plenitude da defesa, reconhecendo-se que o direito à inviolabilidade do advogado não é um privilégio conferido a este último, mas uma prerrogativa do cidadão, que dele depende para a salvaguarda de sua cidadania;

- ou numa ditadura, em que fica muito fácil promover a investigação criminal: basta que, instaurado o inquérito, a polícia, munida de uma ordem judicial que assim autorize, arrombe os arquivos do advogado do acusado, para colher, ali, as provas da prática das infrações penais que lhes são imputadas.

A propósito do assunto, fico pensativo: são pequenas as diferenças e grandes os resultados delas oriundos!

Sabe-se que, entre os ingleses e as abelhas, há uma identidade, pois ambos vivem sob o comando de uma rainha.

Mas alguém compararia o sistema legal inglês, um dos mais seguros do mundo, com o regime político que rege a vida das colméias?

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*Advogado do escritório Höfling, Kawasaki, Thomazinho Advocacia

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