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Judiciário e democracia

Rogério Medeiros Garcia de Lima

Desde a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e tropas aliadas, sem a prévia autorização da Organização das Nações Unidas, muito se tem criticado o país da América do Norte.

sexta-feira, 10 de setembro de 2004

Atualizado em 9 de setembro de 2004 09:41

Judiciário e democracia


Rogério Medeiros Garcia de Lima*

Desde a invasão do Iraque pelos Estados Unidos e tropas aliadas, sem a prévia autorização da Organização das Nações Unidas, muito se tem criticado o país da América do Norte. Com igual razão, criticávamos o governo de Washington nos anos 1960, em razão do apoio aos regimes militares autoritários vigorantes na América Latina. No entanto, não podemos deixar de reconhecer a eficiência da democracia norte-americana e dos mecanismos constitucionais de proteção às liberdades civis vigentes naquele país.

Efetivamente, ao longo dos séculos a Suprema Corte dos Estados Unidos proferiu célebres decisões sobre segregação racial, liberdade de expressão, aborto e pena de morte. Há poucos dias, dentro da sua tradição democrática, aquela Corte reconheceu o direito de qualquer cidadão detido, americano ou não, ser ouvido por uma corte de Justiça. A decisão se aplicou a grupo pessoas mantidas encarceradas na base norte-americana de Guantánamo. São suspeitas de participação nos atentados de 11 de setembro de 2001. Segundo princípio tradicional do Direito norte-americano, nenhuma autoridade pode manter cidadãos presos por tempo indefinido e sem acusação formal.

Fatores históricos e culturais incutiram nos norte-americanos a valorização das liberdades civis. As colônias inglesas da América do Norte, a partir do século XVII, foram povoadas por levas de imigrantes, oriundos da Inglaterra, Escócia e Irlanda. Ali aportavam premidos por perseguições políticas ou religiosas. Conheciam bem a experiência inglesa e incorporaram à Constituição a influência de Locke, Montesquieu e Rousseau. Também estavam familiarizados com o traumático emprego de leis de extinção dos direitos civis, como a promulgada na Irlanda, durante o breve reinado de Jaime II, rei da Inglaterra. A antiga lei condenara milhares de pessoas ao exílio ou à morte, sem direito à defesa e ao julgamento justo.

Naquele final do século XVIII, os americanos estavam conscientes de elaborar uma Constituição que assegurava a construção de uma grande nação. Benjamin Franklin, considerado a alma do grupo de fundadores federalistas, discursou em Filadélfia. Dizia ter observado o sol pintado na parede, atrás da sala presidencial. Embora os pintores tenham dificuldade em exprimir a diferença entre o sol que se levanta e o sol que se põe, o orador se sentia feliz. Naquele instante, firmada a nova Constituição, tinha segurança de que o quadro mostrava o sol nascente.

Ao Judiciário foi conferido o poder de interpretar construtivamente o texto constitucional. Caminhou-se para a aplicação da cláusula da supremacia da Constituição e dos tratados celebrados em conformidade com ela. Toda essa evolução foi abordada por dois grandes juristas: Hugo Black, na excelente obra Crença na Constituição (tradução brasileira, 1970), e David Stern, na monografia Breve Historia Del Derecho Constitucional Contemporáneo Norteamericano (Revista da Faculdade de Direito do México, janeiro-julho de 1987).

Não há democracia sólida sem Judiciário forte. Os que criticam, mesmo com razão, as barbaridades do governo Bush, têm o dever de reconhecer a solidez da democracia norte-americana. E devem refletir se, em seus países, existe uma Suprema Corte tão independente como a dos Estados Unidos. Existirá?
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*Juiz de Direito, professor do Unicentro Newton Paiva e membro efetivo do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais







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