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Alimentos gravídicos

O Presidente da República sancionou no dia 06 de novembro de 2008 a lei que leva o número 11.804, que disciplina o direito a alimentos gravídicos, a forma como será exercido e dá outras providências. O adjetivo "gravídico" não carrega uma entonação condizente com a realidade do benefício que se pretende alcançar. Talvez "alimentos do nascituro" tivesse uma especificação mais correta da finalidade da lei, já que o Código Civil põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Atualizado em 12 de novembro de 2008 13:59


Alimentos gravídicos

Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

O Presidente da República sancionou no dia 6 de novembro de 2008 a lei que leva o número 11.804/08 (clique aqui), que disciplina o direito a alimentos gravídicos, a forma como será exercido e dá outras providências. O adjetivo 'gravídico' não carrega uma entonação condizente com a realidade do benefício que se pretende alcançar. Talvez 'alimentos do nascituro' tivesse uma especificação mais correta da finalidade da lei, já que o Código Civil (clique aqui) põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

E não é esta a primeira vez que o feto surge como agente de tutela estatal. A Declaração Dos Direitos da Criança, promulgada pela Assembléia Geral da ONU preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. O Tribunal de Justiça de São Paulo, através de seu Órgão Especial, em julgamento recente, decidiu que o feto tem legitimidade para ingressar com ação judicial visando garantir o atendimento médico pré-natal para sua mãe, que cumpria pena em uma cadeia pública. Pode o feto, desta forma, pela projeção alcançada, figurar como autor em ação de alimentos, investigação de paternidade e outros direitos compatíveis com sua condição de concebido, mas não nascido.

Pois bem. A nova lei, em apertado resumo, confere direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito âmbito cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste marco, poderão ser revistos por uma das partes.

A lei vem revestida da mais pura boa-fé e com a intenção de proporcionar à mãe, que também oferecerá sua cota de participação, valores suficientes para cobrir as despesas decorrentes da gravidez. O objetivo é atingir um nascimento com dignidade à criança. Trata-se de uma procriação responsável, com o comprometimento integrado e solidário dos genitores, numa verdadeira guarda compartilhada intra-uterina.

A espontaneidade da lei, no entanto, contrasta com condutas de mulheres desprovidas de bona fide que, conforme a reiterada experiência forense, viveram relacionamentos sucessivos e engravidaram. Numa terminologia mais clássica do Direito, seria a situação da mulher freqüentada por vários homens (plurium concubentium), e a conseqüente dificuldade de apontar com segurança o pai da criança. Qual seria, então, o critério de escolha da paternidade, que é deferido exclusivamente à mulher? Seria o envolvimento amoroso ou o econômico? O primeiro, pela sua própria conduta, fica descartado. Vinga o segundo e se não corresponder à paternidade verdadeira, mesmo assim, pelos indícios, o suposto pai arcará com o pagamento. Poderá contestar o pedido, mas o exame excludente da alegada paternidade será realizado somente após o nascimento da criança, quando, pelo menos provisoriamente, foi sacramentada a paternidade. A não ser que se faça a coleta do líquido amniótico, procedimento que coloca em risco o feto e de altíssimo custo.

O texto originário do Projeto (PLS n.º 62/04 - clique aqui), de autoria do Senador Rodolpho Tourinho, do PFL baiano, possibilitava o pagamento de danos materiais e morais ao réu, quando resultasse negativo o exame pericial de constatação de paternidade. Foi vetado, no entanto, pelo Presidente da República

Prevalece, desta forma, uma paternidade calcada em indícios, o distanciamento do princípio da presunção de inocência, a restrição à ampla defesa e à soberania do in dúbio pro actore. A dúvida militará em favor do autor e não contra o réu, contrariando regra comezinha de Direito. Muitas vezes a verba alimentar não é tão pesada quanto a imputação de uma paternidade não verdadeira, que decretada posteriormente ao nascimento, fará surgir um novo pai. A lei, pela sua destinação e finalidade, não pretende eleger pais e sim apontar os verdadeiros.

A palavra da mulher é de vital importância para o esclarecimento, mas deve aflorar com a credibilidade necessária. Basta ver que nos crimes sexuais, em razão de serem praticados solus cum sola in solitudinem, a versão ofertada pela vítima, na maioria das vezes, vem a ser o sustentáculo da acusação e posterior condenação. Por falar nisso, já que estamos ainda respirando a comemoração do centenário de morte de Machado de Assis, será que no romance Dom Casmurro, Ezequiel, filho de Capitu, tinha como pai Bentinho ou Escobar?...

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*Advogado, Promotor de Justiça aposentado e Reitor da Unorp






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