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O nemo potest como proteção ao contribuinte

O CTN, em seu artigo 146, faz menção expressa ao princípio do nemo potest, ao tratar do lançamento, segundo o qual a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução. Esse artigo, sem dúvida alguma, protege o contribuinte, bem como é a consagração do mencionado princípio.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Atualizado em 13 de novembro de 2008 13:44


O nemo potest como proteção ao contribuinte

Adriana Nogueira Tôrres*

O CTN (clique aqui), em seu artigo 146, faz menção expressa ao princípio do nemo potest, ao tratar do lançamento, segundo o qual a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução. Esse artigo, sem dúvida alguma, protege o contribuinte, bem como é a consagração do mencionado princípio.

O referido dispositivo é bastante controvertido e criticado na doutrina. Na verdade, aqui há um novo entendimento. Seria uma nova interpretação, contendo três regras:

1ª - possibilidade de aplicação de novo sentido da norma, decorrente da modificação de critérios jurídicos se não definitivamente constituído o crédito;

2ª - Em relação ao sujeito passivo a quem foram aplicados os critérios anteriormente adotados, os novos critérios só serão aplicáveis a fatos geradores ocorridos após a introdução das modificações;

3ª - essa terceira regra, que seria um corolário da regra anterior e está implicitamente contida na norma, vedaria a aplicação da nova interpretação (novos critérios) para modificar o crédito tributário já devidamente constituído.

O art. 48, § 12, da Lei 9.430/96 (clique aqui), que trata do processo administrativo de consulta, também positivou o nemo potest quando determina que, no âmbito da Secretaria da Receita Federal, os processos administrativos de consulta sejam solucionados em instância única, e no caso de ter alteração do entendimento da administração após a resposta ao contribuinte, a nova orientação atingirá apenas os fatos geradores que ocorrerem após a ciência ao consulente ou a sua publicação pela imprensa oficial.

Falar em nemo potest, inevitavelmente, remete à idéia de segurança jurídica, pois este veda contradições por parte da Fazenda Pública, uma vez que se pressupõe das decisões administrativas uma manifestação válida de vontade do Poder Público.

Segundo o doutrinador Ricardo Lodi1, a previsão da certeza no plano abstrato da lei, garantida pelos princípios da legalidade e da irretroatividade presta limitada tutela ao valor da segurança do cidadão se for desprezada sua dimensão subjetiva, extraída das expectativas criadas pela interpretação que a norma vem recebendo do plano de sua aplicação aos casos concretos.

Ainda nesse prisma, e em total convergência com o presente estudo, o autor assevera que decorre daí a necessidade de estabelecer a irretroatividade também no plano da aplicação da norma pelo Estado, protegendo os direitos fundamentais oriundos da interpretação e efetivação desta pela Administração Pública, em relação a novas diretrizes adotadas por esta em relação a um ordenamento que não sofreu alteração, como conseqüência à abertura da normatividade à maior atuação do Poder Executivo e pela substituição da legalidade pela juridicidade.

Na visão do alemão Klaus Tipke2, a proibição da retroatividade quando se cria expectativa de direitos a terceiros de boa-fé (outra manifestação do nemo potest), contando com determinados pressupostos, não só na ação do legislador, como também em qualquer ato da Administração com eficácia retroativa e imprevista deve ser aplicada. Os limites e os princípios que vinculam o legislador originário, subordinam de igual forma a Administração, de forma geral, e os jurisdicionados, não estando a confiança depositada pelo contribuinte condicionada a mero texto de lei, mas também à forma de aplicação desta pelo Poder Público, se está ou não pautada nos princípios de direito, de justiça e, especialmente, da ética.

Os requisitos de existência e validade dos atos administrativos são pressupostos deste princípio da segurança jurídica, que, sobretudo, tem a legalidade da conduta como principal premissa. Sendo assim, a Fazenda Pública, em geral, não poderá desconstituir atos praticados com seu aval, porque o mérito referente à legitimidade da conduta não poderá ser objeto de revisão, tendo em vista que se trata de ato jurídico perfeito. Deve-se ponderar a questão da proteção da confiança legítima, corolário do princípio da segurança jurídica, que em determinadas situações deve ser cotejado com o princípio da legalidade.

Quando se constata vício de legalidade do ato, este deverá ser anulado, não havendo, nesta hipótese, ato jurídico perfeito. A conseqüente anulação terá efeitos ex tunc.

Sob esta premissa, analisemos o artigo 156 do CTN, que trata das hipóteses de extinção do crédito tributário, especialmente no que tange ao inciso IX, sobre a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória.

Se a Fazenda Nacional pode anular ato de ofício quando se trata de vício de legalidade, amparada pela auto-tutela, bem como pela autoexecutoriedade, logo, é possível considerar a ausência de interesse de agir da Administração ao acionar o Poder Judiciário para desconstituir crédito tributário invalidamente extinto. Para os que defendem esse posicionamento, seria esta uma evidência do princípio da proteção à confiança legítima.

Há quem defenda, como Maria Beatriz Mello Leitão3, que se a administração pode rever seus atos com base no princípio da auto-tutela, ela igualmente poderia ingressar em juízo objetivando a reforma de seus atos, caso já houvesse transcorrido, na via administrativa, o prazo preclusivo para proceder à revisão dos atos.

É possível notar, em quaisquer dos casos expostos, a alternância do nemo potest com outros princípios da tributação, o que é comum e também essencial para que se mantenha a dinâmica do processo fiscal. Uma visão acadêmica já permite concluir sua relevância no Sistema Tributário Nacional e a necessidade de que ele eventualmente saia de cena para dar espaço a outros princípios, no que se poderia chamar na "dialética dos princípios e das normas".

Assim, pode-se concluir que sempre existirá um "núcleo flexível", por mais paradoxal que possa parecer, inserido em cada conceito e em cada norma jurídica, o que permite que diferentes contextos históricos moldem a legislação, de acordo com os valores da chamada sociedade de risco4. O que de um determinado conceito preponderar sob suas outras aplicações possíveis, evidenciará os valores daquele contexto social, senão dos valores humanos da respectiva sociedade.

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1 RIBEIRO, Ricardo Lodi A segurança jurídica do contribuinte. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, p. 227.

2 TIPKE, Klaus. "La irretroactividad em Derecho Tributario", p. 351

3 LEITÃO, Maria Beatriz Mello. Estudos em Homenagem ao Professor Aurélio Pitanga Seixas Filho. 1 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

4 RIBEIRO, Ricardo Lodi A segurança jurídica do contribuinte. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008, p.34

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*Integrante do escritório Antonelli & Associados Advogados







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