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Adeus a Paulo Saboya

Humberto Jansen Machado

Paulo Saboya está morto. Foi num dia de muito sol em Ipanema que ele partiu.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Atualizado em 19 de fevereiro de 2009 10:57


Adeus a Paulo Saboya

Humberto Jansen Machado*

"Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo.
Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.

Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema
uma bandeira."

Ferreira Gullar, "Agosto 1964"

Paulo Saboya está morto. Foi num dia de muito sol em Ipanema que ele partiu.

Morto, está vivo em nossa memória carregando aquela bandeira no meio da tempestade, como fez a vida toda.

Com uma bela história de vida.

Nos idos de março de 64, o ainda estudante Saboya era diretor do Sindicato dos trabalhadores da fábrica de borracha sintética da Petrobrás, o Conjunto Petroquímico Presidente Vargas, lá nos mangues da baixada fluminense, e participava da direção do movimento de greve dos trabalhadores do petróleo, que acreditavam candidamente que iam impedir os militares golpistas de tomarem o combustível para seus tanques e caminhões.

Doce ilusão dos jovens combatentes da democracia e da liberdade, que ignoravam totalmente que o chefe civil do golpe, governador de Minas Gerais, já tinha estocado há meses em seu estado combustível suficiente para abastecer as tropas golpistas em uma longa luta.

Pior ainda, não sabiam também que naquele momento histórico já entrava no Atlântico Sul a VI Frota norte-americana como integrante da chamada Operação Brother Sam, que entre os navios de guerra trazia petroleiros suficientemente carregados para sustentar uma longa guerra, como foi confessado muitos anos depois pelo embaixador americano Lincoln Gordon.

Depois da derrota, a longa noite da ditadura.

Vida clandestina, prisões, fugas, exílios e a luta pela redemocratização.

E a construção da vida de advogado, a entrada na OAB, as primeiras batalhas, no foro e nas ruas. Nos processos dos clientes e nos atos públicos pela democracia.

Começou na advocacia participando das grandes lutas do Movimento de Renovação para levar a OAB a uma postura clara e decidida contra a ditadura superando o silêncio vergonhoso do Conselho Federal diante do AI-5.

Nas eleições de 68 para o Conselho Estadual foram eleitos em razão desse movimento de renovação os colegas Cândido de Oliveira Neto, Haroldo Lins e Silva, Valdir de Freitas Castro e Calheiros Bomfim.

A partir desse momento se construiu a grande unidade política sob o comando firme e seguro de Ribeiro de Castro, unidade que traçou o longo caminho da OAB pelo estabelecimento do estado de direito.

Dessas lutas Paulo Saboya foi parte e militante. Presente em todos os momentos.

Nessa luta, amadurece o espírito, ganha mais forças e pode sempre avançar de peito aberto, vivendo a lição que aprendeu nas ruas e nas aulas do Colégio Melo e Souza, pelos versos do poeta fundador da língua, que lhe passou a primeira lição de Aníbal para enfrentar as grandes lutas:

"A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando."

E foi assim, pelejando, tratando e vendo que participou de todas as lutas políticas, na ditadura e nesta difícil construção da democracia.

Nas últimas jornadas, na presidência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB e do Instituto dos Advogados continuou de peito aberto para a luta e a defesa da opinião. Opinião naquele sentido mágico que aprendeu nos versos famosos de seus antigos clientes Zé Kéti e João do Vale, pela voz daquela sua colega de Colégio Melo e Souza, Nara Leão:

"podem me bater, podem me prender, que eu não mudo de opinião"

"Mais coragem do que homem
Carcará
Pega, matá e come."

Não bastassem todas essas lutas, ainda se achou como torcedor do América, o que parece ser um castigo daquele anunciado por Manuelzão, dos delírios de Guimarães Rosa, "Quem castiga nem é Deus, é os avessos."

Depois a luta não foi menor.

Tudo que aconteceu na ditadura foi lembrado para não acontecer de novo.

No TED e no IAB proclamou sempre que a defesa de qualquer preso é sagrada. A figura do preso deve ser protegida todo tempo. Algemas não devem ser usadas para exibição pública. O preso não pode ser exposto para a mídia.

O escritório do advogado é inviolável.

A anistia há de ser sempre defendida. Os que foram a favor do golpe militar, os que defenderam a ditadura foram e continuam sendo contra a anistia.

Para essa luta interminável, Paulo Saboya continua pronto e de peito aberto.

Diante de cada desafio, estou certo que ele continuará dizendo como manda o poeta da sua geração, Chico Buarque:

"Vou para a rua e bebo a tempestade."

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*Advogado. Integrante do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros

 

 

 

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