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Uma indispensável correção de rumo

A Lei n° 10.931/2004 introduziu no direito brasileiro um novo e revolucionário sistema de proteção dos direitos dos adquirentes de imóveis em construção, mediante segregação do patrimônio da obra, denominando-o "patrimônio de afetação".

terça-feira, 7 de dezembro de 2004

Atualizado em 6 de dezembro de 2004 14:50

Uma indispensável correção de rumo


Melhim Namem Chalhub*

A Lei n° 10.931/2004 introduziu no direito brasileiro um novo e revolucionário sistema de proteção dos direitos dos adquirentes de imóveis em construção, mediante segregação do patrimônio da obra, denominando-o "patrimônio de afetação". Além disso, criou novos instrumentos destinados a facilitar e simplificar a circulação do crédito e reformulou normas processuais relativas a contratos financeiros e imobiliários, notadamente em relação ao processo de busca e apreensão de bens móveis objeto de alienação fiduciária.

O Projeto de Lei tramitou em regime de urgência. A Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Estado do Rio de Janeiro, esteve presente nessa tramitação, atenta para a necessidade de aperfeiçoamentos e para o risco de eventual violação de direitos fundamentais do consumidor, dirigiu manifestação ao Deputado Relator do Projeto e encaminhou proposições que vieram a ser convertidas em 15 Emendas, das quais 12 foram aprovadas.

Entre as emendas que mereceram aprovação estão alterações no Código Civil relativas à fração ideal e ao rateio de despesas de condomínio, afastando o risco de conflitos que, em razão de desigualdade na distribuição do custeio, ameaçavam atormentar a vida condominial. No que tange ao "patrimônio de afetação", foi acolhida emenda proposta pela OAB-RJ, pela qual, em caso de falência da incorporadora, o vencimento das obrigações a cargo dos adquirentes, de natureza fiscal, previdenciária e trabalhista, ficará prorrogado até a data do "habite-se".

A mesma sorte não teve a emenda n° 22, relativa à ação de busca e apreensão de bens móveis objeto de alienação fiduciária.

Com efeito, ao propor alterações no processo de busca e apreensão, o Projeto omitiu-se inteiramente quanto à citação do devedor e ao seu direito de purgar a mora. Recorde-se que o Decreto-lei 911/69, editado pela Junta Militar de 1969, previa a citação e assegurava ao devedor a purgação da mora, mediante pagamento das prestações atrasadas.

Para suprir a omissão do novo Projeto, a OAB/RJ encaminhou proposta no sentido de que se assegure o direito de purgação da mora, mediante pagamento das prestações vencidas, além de adequar o procedimento do Decreto-lei n° 911/69, no que é cabível, às normas do Código de Processo Civil relativas ao processo de execução por título extrajudicial, de modo que a petição inicial seja instruída com demonstrativo do débito discriminando as parcelas em atraso.

A proposta foi efetivamente convertida na Emenda n° 22, mas não foi acolhida, tendo sido aprovada outra emenda, que é igualmente prejudicial aos direitos do consumidor, pois é também omissa quanto à citação do devedor e, além disso, exige o pagamento integral do saldo da dívida para efeito de purgação da mora.

Um lamentável equívoco legislativo!

De fato, em ações dessa natureza, as soluções que se põem são a purgação da mora, com o que se conserva o contrato, recompondo-se o fluxo dos pagamentos subseqüentes, ou a resolução do contrato, com a apreensão e venda do bem para liquidação da dívida.

A resolução do contrato é excepcional.

Com efeito, o direito positivo dá prioridade à manutenção do contrato e são nesse sentido as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, que oferecem todos os meios necessários para evitar a resolução até mesmo em caso de onerosidade excessiva, só se admitindo a resolução quando não houver nenhuma possibilidade de se restaurar o curso normal do contrato.

Assim, ao exigir o pagamento integral do saldo devedor e, portanto, priorizar a resolução do contrato, o novo Decreto-lei 911/69 entra na contramão da moderna teoria do contrato. Efetivamente, a exigência do pagamento integral do saldo devedor é insuportável para o devedor e certamente conduzirá à resolução do contrato. Esta solução não pode ser descartada, mas deve sempre ser vista como excepcional, sendo adotada somente depois de exaustivamente tentados todos os meios de recomposição da programação financeira do contrato.

É verdade que a jurisprudência poderá corrigir esse rumo, mas por esse caminho a correção será demorada e tumultuada. A via mais curta, mais direta e mais eficaz para adequar o Decreto-lei 911/69 às diretrizes do novo Código Civil é a aprovação de nova lei, nos termos da proposta da OAB-RJ.

Mas, mesmo corrigindo o rumo, uma pergunta continuar á reverberando: o que teria levado o legislador de 2004 a retirar do cidadão um direito que até a Junta Militar de 1969 respeitou?
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* Advogado





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