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Fora do ar

Uma pessoa que pensa as coisas sem considerar as realidades em derredor e nem assimila o tempo em suas temperaturas ou o vento em suas velocidades, subestimando os outros e ignorando os fatos, não está nada bem.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Atualizado em 24 de junho de 2009 10:36


Fora do ar

Edson Vidigal*

Uma pessoa que pensa as coisas sem considerar as realidades em derredor e nem assimila o tempo em suas temperaturas ou o vento em suas velocidades, subestimando os outros e ignorando os fatos, não está nada bem.

A psiquiatria considera gente assim como doente.

Chama-se autismo essa polarização privilegiada do mundo dos pensamentos, das representações e sentimentos pessoais, com perda, em maior ou menor grau, da relação com os dados e exigências do mundo circundante.

Não é o caso do sonhador, aquele que até se embebeda com tantas idéias e não sossega, sonhando acordado, lutando sempre até contagiar com o seu sonho outros sonhadores.

O sonhador pode até mostrar-se em atitudes desafinadas, não importa, ele é diferente, luta por um sonho diferente, não pode é se desviar, não pode é tirar do foco o seu sonho.

Também não é o caso do ficcionista que inventa mundos, cria personagens, dando-lhes nomes, feições e espaços para as suas ações, tudo imaginário, mas com fortes cores de verossimilhança.

Ninguém se interessará pelos sonhos do sonhador ou pelos mundos tirados da imaginação dos ficcionistas se os sonhos ou os mundos, por mais fantásticos que pareçam, não contiverem um mínimo de lógica.

Deve ser horrível a pessoa querer alcançar um sonho nobre e lúcido, desses que de tão difíceis, mas necessários, nem sempre estão aí para serem sonhados, e o sonhador convencido que o realizará não poder batalhar seu sonho porque está sempre acuado e vencido pelas pessoas mais próximas do seu derredor.

Nessa estafante conquanto alegre viagem pela estrada da vida, cruzei com um sonhador que embora soubesse arrastar os outros para as batalhas dos seus sonhos, era muito hábil ao ficar depois com as coisas sonhadas, tudo só para ele e para os seus.

Os que caíram nas armadilhas dos seus discursos, uns muito cedo e outros só mais tarde, se descobriram vítimas de um grande estelionatário dos sentimentos da boa fé e da amizade.

Ficcionista ou sonhador, ou os dois ao mesmo tempo, ninguém vai além do primeiro impulso se não tiver consigo infinitas reservas de liberdade.

O cerco do mundo pessoal circundante, cobrando agendas de sobrevivência a qualquer custo, só frustra.

Uma pessoa frustrada porque não lhe deixam incursionar pelos mundos da sua ficção ou dos seus sonhos pode se tornar muito perigosa, especialmente se a obrigam a se manter ocupada com outras coisas das quais já prefere manter distancia.

Há, por exemplo, os que têm uma habilidade incrível para alcançar o poder e mais ainda para depois se manter no poder por tempo indeterminado.

Poder na Republica por tempo indeterminado é negação da República.

Poder por muito tempo, assim sem previsão para acabar, como nas vitaliciedades sonâmbulas, deve ser algo muito entediante.

De tanta liturgia repetida em exercícios de discursos vazios, a pessoa parece chegar a um ponto em que não sabe fazer mais nada. Seus reflexos vão se condicionando a fatos programados, estritamente vinculados à gastança do tempo em função do nada.

O que temos lido nas ruas e ladeiras são mais que angústias deixadas pelo passado sessentão.

O que temos visto são mais que sobrados quase desabando dos seus abandonos.

O que temos ouvido é mais que os tambores do congo gemendo nas noites e catando as dores que hão de se multiplicar em redenção definitiva.

O que temos lido nas expressões das pessoas e ouvido de seus sussurros escapados é mais que uma indignação.

É uma vontade coletiva de escorraçar e tirar do ar de uma a vez por todas o que ainda resta da ladainha dessa gente oligárquica, estúpida e cruel.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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