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A supremacia do direito de visitação dos avós

Anna Luiza A. Ferreira

Ímpar: assim é considerado, pelo senso comum, o liame entre avós e netos. Ainda que esse convívio não seja expressamente atribuído pelo Estado, é reconhecido e há anos vem sendo assegurado. O direito à convivência entre netos e avós decorre do direito natural.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Atualizado em 16 de julho de 2009 11:55


A supremacia do direito de visitação dos avós

Anna Luiza A. Ferreira*

"O primeiro obrigado a assegurar afeto por seus cidadãos é o próprio Estado." Alice de Souza Birchal

I - O direito de visita e o direito natural

Ímpar: assim é considerado, pelo senso comum, o liame entre avós e netos. Ainda que esse convívio não seja expressamente atribuído pelo Estado, é reconhecido e há anos vem sendo assegurado. O direito à convivência entre netos e avós decorre do direito natural.

Em linhas gerais, Custodio da Piedade U. Miranda, ao discorrer sobre a doutrina contemporânea do direito natural, diz que, em virtude mesmo da natureza humana, há uma ordem ou disposição que a razão pode descobrir e segundo a qual a vontade deve agir para alcançar os fins necessários ao ser. A lei não escrita ou o direito natural não e outra coisa senão isto.1 (g.n.) E ainda, completa o autor, ao citar os dizeres de Jacques Maritain: "A lei natural é o conjunto de coisas a fazer e deixar de fazer que dela resultam de uma maneira necessária e do só fato de que o homem é homem".2

Ou seja, é natural, faz parte do direito de ser neto, trocar experiências de afetividade e reconhecer tal interferência em fase adulta. É natural, faz parte do direito de ser avô, ter o prestígio de na velhice, abnergar-se diante dos netos. Sendo assim, não poderá haver consagração plena da relação se não existir vida frente aos ascendentes. É através do convívio que a afetividade de um ao outro será mais bem construída.

Se existe afeto familiar, cabe ao direito torná-lo positivo. Pois o que se busca é a dignidade, o merecimento e o desenvolvimento integral da pessoa.

II - Os avós, a ancestralidade e o direito personalíssimo

Segundo Maria Berenice Dias, a busca pela ancestralidade é um direito de personalidade, o qual dispõe de proteção constitucional (art. 5° e 226). Conhecer a própria origem permite saber quem são os pais, avós, e os demais parentes. São vínculos que se estendem ao infinito no parentesco em linha reta (CC 1591 e 1594), ainda que, na linha colateral, sejam limitados ao quarto grau (CC 1592).3

Nos avós, encontra-se também a referência mais próxima da verdadeira história da família. Com envolvimento cumprem muito bem, mesmo sem perceber, o papel de transmitir aos netos informações valiosas acerca da ancestralidade, auxiliando-os na formação de uma vida calcada em raízes próprias.

Caio Mário da Silva Pereira acrescenta que os direitos de personalidade são categoria que independe de previsão na ordem positiva, e mais, são inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis, e oponíveis erga omnes.4

Ou seja, mais uma razão que apóia e reforça a garantia do direito à convivência, mesmo sem previsão legal específica.

Alice de Souza Birchal acrescenta: "Há de se concluir que o direito à busca pela ancestralidade é personalíssimo, e, como tal, tem proteção jurídica integral, diante dos artigos 5° e 226 da CF/88 (clique aqui)."5

Assim, a relação de parentesco em linha reta traça-se pelo direito personalíssimo, que integra o direito à busca pela ancestralidade, e que, sem oposição, deve ser estendido aos avós, por serem os ascendentes mais próximos dos pais.

Iii - Direito à convivência familiar

Impossível destrinchar o tema sem citar por vezes a importância da convivência familiar para todo e qualquer ser humano. Pois é também nela está calcado o direito de visitação dos avós.

O direito a convivência está assim expresso na CF/88 (Art. 227):

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."(g.n.)

Já no Estatuto da Criança e Adolescente (clique aqui), o Artigo 19 assegura esse direito da seguinte forma: "Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes."(g.n.)

É clara a preocupação do Estado em resguardar o convívio entre os familiares, pois é através do seio e da harmonia familiares que cada ente é constitucionalmente protegido. Assim, sob a garantia do Estado, livres estarão os parentes legitimados, seja em linha reta ou colateral, para exigir reciprocamente a convivência familiar.

Portanto, encontra-se através do Direito à Convivência Familiar, mais uma razão de garantir aos avós, a efetivação do direito de convivência com seus netos.

IV - Princípio da solidariedade familiar

Das entranhas constitucionais, também vem o princípio da solidariedade familiar, para nos mostrar claramente que dos vínculos, nasce à ética da fraternidade e da reciprocidade, os quais podem ser mais bem exercidos se o direito à convivência familiar estiver assegurado.

Como já citado no item Direito à Convivência Familiar, mostra-se claro o objetivo do artigo 227 da CF/88.

O artigo 229 da CF/88 demonstra o dever ético da reciprocidade que deve existir entre ascendentes e descendentes. É expresso constitucional que os pais devem assistir os filhos quando menores, e os filhos, amparar os pais quando idosos.

Em linhas gerais, Álvaro Villaça Azevedo diz no artigo Direito e Deveres dos Avós - Alimentos e Visitação, Revista Jurídica IOB - jan.2008, que existe no cuidar dos netos todo um empenho carinhoso de orientá-los na vida, como segundo pai e segunda mãe. Há entre os netos e avós um intercâmbio familiar, pois os netos têm também o direito e o dever de cuidar de seus avós, de procurá-los e de assisti-los, em todos os momentos, bons e difíceis.

Assim reza a CF/88, no artigo 230, que segue: "A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida." (g.n.)

Em suma, há de se concluir que a ausência da efetividade do direito de visitação, com a conseqüente quebra do convívio entre os parentes, poderia afrouxar os laços da solidariedade familiar, deixando de ser cumprida a vontade constitucional.

V - Artigos correlatos

Mesmo diante da ausência de regulamentação específica, há no sistema legal diversos artigos que, por reconhecerem a posição parental, expressam a transferência mútua de direitos e deveres entre avós e netos e a consequente solidariedade familiar.

Em matéria de prestação de alimentos, encontramos no Artigo 1.696: "O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros." (g.n.)

Tutela legal - Artigo 1.731, I: "Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consangüíneos do menor, por esta ordem: I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto." (g.n.)

Sucessão legítima - Artigo 1829 II: "A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; (g.n.)

Guarda deferida aos avós - Art. 1.584. "Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la". Parágrafo único. "Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica." (g.n.)

Após a analise destes artigos e demais explanações, sustenta-se que o direito de visitação encontra também fundamento na LICC Lei de Introdução do CC (clique aqui), Art. 4° - "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito."

VI - A expressão do direito

A doutrina e a jurisprudência aprovam o direito de visitação aos avós, por ser uma regra saudável, dotada de contornos que preservam a superioridade do relacionamento entre os seres humanos.

Às claras, o Direito de Família evoluiu fortemente para a valorização da afetividade. Há 23 anos, o Desembargador Galeno Lacerda, em apelação cível 584.015.747 - 3ª Câmara Cível do TJ/RS, já expressou que este direito decorre do corolário natural de um relacionamento afetivo e jurídico.

"Direito de visita entre avós e netos. O direito dos avós de visitarem os netos e de serem por eles visitados constitui corolário natural de um relacionamento afetivo e jurídico assente em lei. Seu reconhecimento não fere preceitos constitucionais de proteção a liberdade. Sempre que o direito puder socorrer valores morais, devera fazê-lo." (Apelação Cível Nº 584015747, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, Julgado em 4/10/84)

VII - A instrumentalidade

O direito de visitas é instrumentalizado mediante um processo judicial que visa a regulamentar a habitualidade da convivência, a fim de fortificar, ou por vezes, resgatar o liame entre os envolvidos.

A vertente atual declina favoravelmente para a garantia do direito, mesmo quando existe oposição dos pais dos menores. Por respeito ao direito binário e ao contraditório, apenas em situações fáticas e plausíveis é que seria negado o pedido com o fim de regularizar as visitas.

No trecho extraído do artigo escrito por Álvaro Villaça Azevedo, Direitos e Deveres dos Avós - Alimentos e Visitação encontrado na Revista IOB de Direito de Família, de dez/jan. de 2008, encontra-se a seguinte citação de Arnaldo Rizzardo:

"Apenas em circunstâncias especiais deve ser negado o pedido dirigido a alcançar o direito de visita, como nos graves conflitos entre a educação e a formação exigida pelos pais, e aquela pretendida incutir pelos avós, ou se advém influência negativa do contato com os avós, ou, ainda, se, com estes, ficam sujeitos a perigos os netos. Não se justificam, para impedir o direito, as questões pessoais ou as divergências que, mais frequentemente, nutre a mãe relativamente à avó paterna de seus filhos, e muito menos a alegação de métodos antiquados pelos avós no trato e na educação dos netos."6

Tal regularização é ainda mais bem-vinda quando a história envolve netos de pais separados, situação em que, frente ao divórcio dos pais, os avós podem oferecer relevante apoio.

Álvaro Villaça Azevedo alerta no mesmo artigo, que os avós têm o direito e dever de fiscalizar a educação dos netos, não podendo conflitar, entretanto, com a orientação primeira dos pais.

VII - Conclusão

Neste remate, vale aqui retornarmos a leitura da frase inicial, de Alice de Souza Birchal, que expressa claramente o dever do Estado como sendo o primeiro obrigado a assegurar o afeto por seus cidadãos. In casu, a relação entre avós e netos. Relação digna de afeto sob o aspecto jurídico, cujo conceito não se resume apenas no amor e carinho, mas sim na natural interferência benéfica de um na vida do outro, na troca de experiências e na construção da personalidade, ou seja, em tudo aquilo que surge do verdadeiro entrelaçamento de vidas de diferentes gerações.

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Referências Bibliográficas:

Doutrina

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª Ed. São Paulo, 2007.

MIRANDA, Custodio da Piedade U.. Teoria Geral do Direito Privado. Ed. Del Rey, 2003.

OLIVEIRA. J.F. Basílio de Oliveira. Guarda, Visitação e Apreensão de Menor. Ed. Espaço Jurídico. 2ª Ed. Rio de Janeiro, 2006.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira, coord. - Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil - Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Ed. Del Rey. Belo Horizonte, 2004.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores de Direito de Família. Ed. Del Rey. Belo Horizonte, 2006.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol.v.. Direito de Família. Ed. Forense. 14ª Ed. Rio de Janeiro, 2002.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2ª Ed. Rio de Janeiro, 2004.

Revista IOB de Direito de Família. 45 - dez.jan./2008.

Revista Brasileira das Direito de Família e Sucessões. 01 - dez/ 2008.

Jurisprudência

Acórdão da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível 584015747, Relator: Galeno Vellinho de Lacerda, julgado em 4/10/84.

Legislação

Lei 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente

Lei 10.406/02 - Código Civil

LICC - Lei de Introdução do Código Civil

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1 MIRANDA,Custodio da Piedade U.. Teoria Geral do Direito Privado. pg. 33.

2 Idem

3 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4 ª Ed. São Paulo, 2007. pg. 419

4 BIRCHAL, Alice de Souza. Afeto, Etica, Família e o Novo Código Civil. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia -Ed. Del Rey . Belo Horizonte, 2004 - pg.42.

5 BIRCHAL, Alice de Souza. Afeto, Etica, Família e o Novo Código Civil. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia -Ed. Del Rey . Belo Horizonte, 2004 - pg.43.

6 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2ª Ed. Rio de Janeiro, 2004, pg. 269.

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Publicado na Parte Especial da Revista IOB nº 47 - abril/maio de 2008

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*Advogada do escritório Advocacia Anna Luiza Ferreira








 

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