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Waldir Troncoso Peres

J. A. Almeida Paiva

Morre uma estrela do Universo Jurídico. Na verdade, apenas mudou de Galáxia, porque o brilho de suas luzes ainda continua chegando até nós e está iluminando o caminho de muitos, principalmente daqueles que resolveram trilhar no Direito, a área destinada aos criminalistas.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Atualizado em 10 de agosto de 2009 12:54


Waldir Troncoso Peres

J. A. Almeida Paiva*

12 de Abril de 2009.

Morre uma estrela do Universo Jurídico.

Na verdade, apenas mudou de Galáxia, porque o brilho de suas luzes ainda continua chegando até nós e está iluminando o caminho de muitos, principalmente daqueles que resolveram trilhar no Direito, a área destinada aos criminalistas.

Waldir Trancoso Peres, o nosso querido bâtonnier, deixou uma herança a ser partilhada entre milhares de Advogados.

Aliás, certa vez em entrevista aos jornalistas Gaudêncio Torquato e Solange A. Barreira (OAB/SP) ele, - se comparando a uma criança, - disse que não perdeu a fé, o idealismo, que não vivia como um velho, mas sim vivia "do sonho, da fantasia, da palavra, da discussão, do exercício profissional", e assim sentia feliz, afirmando: "Vivi feliz porque a advocacia criminal está nas minhas células, na minha corrente sanguínea, está dentro de mim. Não sou capaz de fazer mais a bipartição entre o cidadão e o advogado, porque eles se conjugaram, de tal forma, que se integram e se confundem. Mas isso me deu uma felicidade extraordinária. Agora, no entardecer da minha vida, a minha suprema felicidade é ver essa mocidade ser melhor do que a minha geração. Ela apanhar o cetro a liderança da advocacia, do civismo, do patriotismo. Tanto que vivo fazendo palestras em Faculdades de Direito, tentando motivar a mocidade, para que assuma a sua posição perante o mundo e cumpra o seu dever cívico. Peço aos moços para serem os juizes e cidadãos daquilo que fizeram no curso do dia, para ver se estão amando a ciência, a pátria, o próximo. Se eles têm o espírito comunitário, essa afetividade, quase no sentido panteísta, que integra o homem com outro homem e todos os homens num homem só; toda a humanidade numa pátria comum, para fazer a felicidade coletiva. Gosto muito dessa geração vindoura. Existe, ainda, uma intermediária, que também está a evoluir. Nós vamos progredir. Sou um grande otimista".

Mais do que os 1.000 júris que fez, deixando para a comunidade jurídica toda a força de sua oratória, de sua eloquência, de sua cultura, que fizeram dele "a lenda viva dos tribunais do júri" e o considerava o "príncipe dos advogados criminais do Brasil" (sic Conjur e OAB/SP), a fé e a confiança na jovem geração futura de criminalistas, as lições de vida e os ensinamentos deixados, são maiores do que o amor que a brilhante carreira profissional pode estimular os jovens.

Em entrevista ao Jornal do Advogado, trazida a lume após sua morte pelo site Conjur de 13/4/09, ele já teria dito: "que acreditava no crime por amor. E ilustrou a afirmativa citando o romancista Somerset Maughan, que tem uma imagem muito interessante a respeito do amor. Ele diz que é um sentimento tão intenso que o homem e a mulher se fundem. E que o nascimento do filho é o resultado dessa fusão. Então, quando existe a ruptura - e a ruptura em regra é unilateral -, aquele que a sofreu, que é abandonado, rejeitado, é capaz de matar"; eis outra lição de vida que nos deixou!

O cidadão e o Advogado se fundem em busca de um resultado: a Liberdade, a Justiça!

Cada júri de Waldir era uma aula que ninguém queria perder, pois sempre dele se saia com algum novo aprendizado.

Não sou criminalista; nos meus 51 anos de atividade forense conheci grandes nomes que se filiaram à casta de Waldir Troncoso Peres, como Nelson Hungria, Basileu Garcia, Lins e Silva, Victor Nunes Leal, José Carlos Dias, Evaristo de Moraes, Dante Delmanto, Raimundo Paschoal Barbosa, Manoel Pedro Pimentel dentre vários outros, sendo que com alguns tive mais proximidade, como foi com Waldir, com quem tive vários e reiterados encontros, pois eu atuava na área do Direito civil e comercial, sempre ligado a empresas e empresários; sempre que tinha um problema interligado à área criminal envolvendo meus clientes, era com Waldir que me socorria pedindo que fizesse a defesa de meus clientes.

Ele sempre foi o mesmo de seus ensinamentos: atencioso, solícito, simples, sincero, amigo, confiante na Justiça e no Direito, fino no trato, e prestativo; jamais deixou de atender um pedido meu e diga-se, en passant, todos meus clientes foram absolvidos.

É pensando nesta postura que vejo a Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo também lamentar a perda de Waldir Troncoso Peres, que não foi apenas um grande criminalista, pois disse: "Foi um ícone da advocacia levada a sério por um homem que acreditava na capacidade do seu semelhante em ser indulgente, temperante, e, principalmente, via mortificado as misérias humanas!

Com uma retórica perfeita e imbatível, vindo de uma pequena e interiorana Vargem Grande do Sul, no interior paulista, conquistou a Capital de São Paulo e pouco a pouco foi estendendo seu nome para o interior e acabou conquistando o Brasil, deixando esta imagem de profissional respeitado e culto que serve de paradigma para as gerações futuras, como sempre sonhou.

Lembrando a vida de Waldir, me vem à memória a de um outro grande jurista, Rui Barbosa, que, de uma forma ou outra, ambos tinham semelhante visão da vida forense.

A vocação do advogado ditada por Ruy Barbosa, em sua "Oração aos Moços", desenvolve uma missão de paz, amor à pátria, e respeito aos postulados sagrados do direito: "Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar a verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniqüidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem a das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito; não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca, balcão, ou da ciência, mercancia. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem".

A vida do advogado é um sacerdócio; antes do juiz da causa ele desenvolve uma espécie de magistratura, serena, imparcial, equânime e Justa.

O verdadeiro Advogado, dizia Waldir, não é capaz de fazer a bipartição entre o cidadão e o Advogado, pois na realidade eles se fundem, como se entrelaçam a pessoa do Advogado e a do cliente num mesmo ideal de Justiça, Justiça esta que mitigam pois dia a dia vai se distanciando cada vez mais do seu ideal, corrompida pela impersonalidade fria das máquinas, que tiram do ser humano o contato direto com o verdadeiro conceito de Justo

Observa-se nos grandes Juristas que sempre procuram estabelecer um binômio no qual vão buscar uma solução, uma conclusão e esta é conduzida para o alicerce de todo o Direito Fundamental e essencial à vida democrática, ao Estado de Direito: a Liberdade.

Liberdade e Justiça, binômio inseparável que lamentavelmente estão indo para o espaço com nossos grandes nomes do Direito!

Por isso é que se pode concluir com Maurice Garçon: só o advogado regula a sua conduta e é o único árbitro de seu comportamento (L' Avocat et la Morale), razão de ser da grande responsabilidade pela construção de uma sociedade cada vez mais Justa e Igualitária, velada pela eterna, altiva e constante vigilância dos advogados e protegida pela imparcialidade, equilíbrio e sobriedade dos juízes (quando têm) sob o manto sagrado do Judiciário.

Tanto Rui como Waldir pautaram suas vidas pelo amor ao Direito, colocando acima deste a Justiça, quando em conflito, pois é ela que garante o Estado de Direito e nos leva ao sonho de todo cidadão: Liberdade.

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*Advogado em São Paulo, professor de Direito, ex-Magistrado





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