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O papel da Defensoria Pública no processo penal brasileiro

Rodrigo Murad do Prado e Luciana de Figueiredo Ferreira

A Defensoria Pública é considerada instituição essencial ao Estado Democrático de Direito. A CF/88 (clique aqui) a erigiu como uma das funções essenciais à Justiça, quando postulou no seu art. 134.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Atualizado em 24 de agosto de 2009 10:23


O papel da Defensoria Pública no processo penal brasileiro

Rodrigo Murad do Prado*

Luciana de Figueiredo Ferreira**

1. Introdução

A Defensoria Pública é considerada instituição essencial ao Estado Democrático de Direito. A CF/88 (clique aqui) a erigiu como uma das funções essenciais à Justiça, quando postulou no seu art. 134 que:

"A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV".

A Defensoria Pública é instrumento indispensável para o exercício dos direitos humanos. A CF inscreveu a prevalência dos Direitos Humanos como um dos princípios a reger o Brasil nas suas relações internacionais1 e o Decreto 678, de 6 de novembro de 1992 (clique aqui), promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, que notadamente no seu art. 8º dispôs sobre as garantias judiciais determinando:

"1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas, dentre outras: direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos".

Nesse diapasão, a finalidade da Instituição é o amplo acesso à Justiça, conforme preconiza o art. 4º da LC 80, de 12 de janeiro de 1994 (clique aqui), que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, além de atuar em todos os métodos alternativos de solução de conflitos, como, por exemplo, a mediação de conflitos, onde a Defensoria atua preventivamente, buscando vias de gestão de conflitos antes da judicialização, ou seja, visando à solução do "problema do assistido2" e não ao ajuizamento de ações.

No âmbito do processo penal brasileiro, objeto do nosso estudo, a Defensoria Pública representa papel importante na defesa técnica, corolário do princípio da ampla defesa, direito inalienável e irrevogável insculpido no art. 5º, LV da CF, que dispõe: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", haja vista que, segundo dados da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, mais de 50% dos processos criminais neste Estado têm seus acusados assistidos por esta instituição.

2. As funções institucionais típicas e atípicas da Defensoria Pública

A Defensoria Pública, no desenvolver de seu mister constitucional, exerce uma atividade político-jurídica em defesa dos seus assistidos, tendo como funções institucionalizadas de forma expressa3 a promoção extrajudicial da conciliação entre as partes em conflito de interesses; o patrocínio da ação penal privada e a subsidiária da pública; o patrocínio da ação civil e da reconvenção em ação civil; a defesa em ação penal; a defesa em ação civil e em reconvenção eventualmente promovida contra assistido pela instituição; a atuação como curador especial nos casos expressos em lei; a defesa da criança e do adolescente; a atuação junto aos estabelecimentos prisionais e policiais visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstância, o exercício dos direito humanos e do direitos e garantias individuais; assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, bem como aos acusados em geral, o direito ao contraditório e à ampla defesa, com a utilização ou manejo dos recursos e meios a ela inerentes; a atuação junto aos juizados especiais de pequenas causas e o patrocínio dos direitos e interesses do consumidor lesado.

A LC elenca um rol exemplificativo, pois que qualquer limitação legal violaria a garantia preconizada em uma norma hipotética fundamental4 e na própria Constituição da República consistente no acesso à justiça5-6, este último sob a concepção de acesso a uma ordem jurídica justa7.

A função primordial da Defensoria Pública é prestar a assistência jurídica (e não somente judiciária) integral e gratuita aos necessitados. Dessa forma, qualquer rol ou exaustão legal das formas pelas quais atuará o Defensor Público seria uma violação material de uma norma hipotética fundamental e da própria CF/88, tendo em vista que a finalidade da instituição é a prestação da assistência jurídica integral e gratuita e, por ser essa a missão constitucional, pode o legislador positivo delegar outras funções à Defensoria Pública que não estão previstas expressamente em lei.

Dessa forma, é possível delinear a instituição realizando funções típicas e atípicas. A Defensoria Pública, seguindo a classificação de Sílvio Roberto de Mello Morais8, pode exercer funções tipicamente previstas em lei e em prol das pessoas hipossuficientes economicamente, ou seja, daquelas que não tem condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento e, atipicamente, sendo estas as funções que a instituição desempenha independentemente da condição econômica do assistido.

Para Sérgio Luiz Junkes9, "atípicas são as funções que a Defensoria Pública desempenha independentemente da condição econômica do assistido. Exemplo de função atípica é aquela em que o Defensor Público, no processo penal, exerce a defesa do réu que não constituiu advogado"10.

Existem outras funções atípicas exercidas pela instituição, como por exemplo, no processo civil, o defensor público atua como curador especial de réu revel ou em favor de criança ou adolescente quando os interesses colidam com o de seus representantes legais.

3. O Processo Penal Brasileiro - linhas gerais

É sabido que o CPP (dec-lei 3.689, de 3/10/1941 - clique aqui) foi inspirado na legislação processual penal italiana produzida na década de 1930, em pleno regime fascista. Com isso, o nosso CPP foi elaborado em bases notoriamente autoritárias, por razões óbvias e de origem.

O princípio fundamental que norteava o CPP era o da presunção de culpabilidade. Manzini, penalista italiano, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois, dizia ele, como justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente?11

Porém, na década de 1970, mais precisamente nos anos de 1973 e 1977, houve grandes alterações no CPP, iniciadas com a lei 5.349/67 (clique aqui), por meio das quais foram flexibilizadas inúmeras regras restritivas do direito à liberdade.

O advento da lei 10.792/03 (clique aqui) trouxe profundas mudanças no interrogatório, alterando o disposto nos arts. 186 e seguintes do CPP, e de maneira implícita, alterou, inclusive, o art. 198 deste diploma legal. Recentemente, a lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009 (clique aqui) alterou o art. 185 do CPP para viabilizar a produção de prova oral por videoconferência.

Em 2007, a lei 11.449 (clique aqui), publicada no dia 16 de janeiro, alterou o art. 306 do CPP, que trata da prisão em flagrante, para determinar que cópia integral do auto de prisão em flagrante seja encaminhado à Defensoria Pública, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, caso o autuado não informe o nome de seu advogado.

Uma grande reforma do CPP ocorreu em junho de 2008 com as leis 11.689 (clique aqui), 11.690 (clique aqui) e 11.719 (clique aqui), que produziu mudanças substanciais respectivamente, no Tribunal do Júri, nas provas penais e relativas à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.

De forma sintética esta é a evolução do CPP, que busca o seu aprimoramento para condizer com o atual Estado Democrático de Direito e com os princípios basilares elencados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana12 e como direitos fundamentais, dentre outros, o de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal13 e de que aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes14.

4. As implicações advindas com a reforma processual penal e a Defensoria Pública

No processo penal, principalmente após a reforma ocorrida em 2008 pelo advento das leis 11.689, 11.690 e 11.719, o Defensor Público foi alçado a uma função típica de garantidor do princípio da ampla defesa e do contraditório, pois que, nos casos em que o acusado, citado pessoalmente, não oferece defesa ou quando foi citado ficticiamente (edital ou por hora certa) para oferecer resposta à acusação imputada com a denúncia (exordial acusatória) e não a oferece, preconiza o art. 396-A do CPP que o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.

Seguindo o entendimento doutrinário sustentado por Guilherme de Sousa Nucci15, "se o acusado, citado pessoalmente, não apresentar defesa prévia no prazo legal, há, na realidade, duas hipóteses:

a) não possuir defensor constituído, por qualquer razão. Nesse caso, o magistrado nomeará um defensor dativo ou enviará o feito para a Defensoria Pública, que assumirá o patrocínio da causa. Nesta situação, ao final, se o réu tiver condições de arcar com os honorários, deverá ressarcir os cofres do Estado;

b) possui defensor constituído, que deixou escoar o prazo sem oferecer a peça defensiva. O réu deve ser considerado indefeso, com a nomeação de outro advogado para assumir a causa ou a remessa dos autos à Defensoria Pública. Também nesta última situação, possuindo condições para arcar com os honorários, deverá ressarcir os cofres públicos ao final. Se não o fizer, cabe ação própria do Estado contra o réu para tanto, na esfera civil".

Desta feita, ao magistrado foi determinado pela lei, implicitamente, que dê cumprimento e efetivação ao princípio da celeridade processual esculpido no inciso LXXVIII, do art. 5º, da Carta Magna, que preconiza que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", quando se faz necessária a nomeação de Defensor Público ao réu que, apesar de citado, não apresenta resposta à acusação.

O desdobramento deste mandamento é, também, a possibilidade de destituição de uma defesa constituída que tenha se apresentado falha ou inefetiva, violando o princípio da preservação da par conditio (paridade de armas)16, ou seja, na preservação da correlação de igualdade entre a qualidade da defesa em relação à acusação ofertada, conforme preconizado por Guilherme de Sousa Nucci17.

No dizer do professor Antônio Scarance Fernandes "autor e réu deverão ter os mesmos direitos, mesmos ônus e mesmos deveres. Dentro das necessidades técnicas do processo deve a lei propiciar a autor e réu uma atuação processual em plano de igualdade no processo, deve dar a ambas as partes análogas possibilidades de alegação e prova". É neste cenário que figura a garantia da paridade de armas entre a acusação e a defesa.

Assim, em havendo hipossuficiência jurídica ou estado de vulnerabilidade processual que comprometem a manutenção da paridade de armas, poderá o magistrado destituir a defesa privada constituída pelo réu (como o não oferecimento das razões defensivas a tempo e modo), encaminhando o feito à Defensoria Pública para a tomada das providências cabíveis com o fim de garantir a efetivação do princípio da ampla defesa e igualdade processual.

A efetividade ou não da defesa é que levará ao reconhecimento de sua deficiência e, eventualmente, ao reconhecimento de nulidade processual ou de alguns de seus atos, se tal deficiência tiver sido de tal ordem que viciou a garantia da ampla defesa prevista constitucionalmente.

Neste ponto, nasce a diferenciação entre defesa formal versus defesa efetiva.

Para a singularização de um devido processo penal, onde são assegurados aos acusados em geral todas as possibilidades em homenagem à norma hipotética fundamental consistente na ampla defesa, a defesa não pode ser apenas formal, cumprir uma formalidade, deixando ao Estado Juiz e ao Estado Acusador o conduzir do processo. A defesa deve ser efetiva, buscar concretizar as garantias individuais materiais do acusado perante o Estado Acusador. Uma defesa falha, meramente formal, macularia o feito por violação do que foi preconizado na constituição.

Nas palavras de Scarance Fernandes18 "o fato de ter o réu defensor constituído, ou de ter sido nomeado advogado para sua defesa, não é suficiente. É preciso que se perceba, no processo, a atividade efetiva do advogado no sentido de assistir o acusado. De que adiantaria ao réu o defensor que não arrolasse testemunhas, não reperguntasse, oferecesse alegações finais exageradamente sucintas, sem análise da prova, e que, por exemplo, culminasse com pedido de Justiça? Há alguém que foi designado para defender o acusado, mas a sua atuação é tão deficiente que é como se não houvesse defensor. Também nestes casos, a causa deve ser anulada por falta de defesa".

Assume o Defensor Público um papel de crucial importância no processo penal atual, que é o de zelador dos princípios e mandamentos constitucionais em benefício do acusado e de efetivador dos princípios processuais penais intimamente ligados às garantias do indivíduo perante o Estado Acusador, viabilizando um processo com paridade de armas e para assegurar um devido processo penal constitucional.

5. O defensor público e a relação processual penal

O Defensor Público assume, como já preconizado, uma função típica de fiscalizador dos direitos fundamentais dos acusados, seja por ausência de defesa, seja por insuficiência da mesma.

O professor Luigi Ferrajoli19 preconiza a garantia do Defensor Público no processo penal ao manifestar que "a separação do juiz da acusação, exigida por nosso axioma A8 e agora indicada como primeira garantia orgânica, supõe a configuração do processo como uma relação triangular entre três sujeitos, dos quais duas partes em causa e um terceiro super partes: o acusador, o defensor e o juiz. Essa estrutura triádica forma, como se viu, a primeira característica do processo acusatório. E é indispensável para que seja garantida a eqüidistância do juiz em relação aos dois interessados contrapostos - a tutela dos delitos, representada pela acusação e pela tutela das punições arbitrárias, representada pela defesa -, que então correspondem aos dois escopos, perfeitamente compatíveis em abstrato mas sempre conflitantes em concreto, que, como já dito, justificam o direito penal."

E continua, "a segunda condição concernente à defesa, que deve ser dotada da mesma dignidade e dos mesmos poderes de investigação do Ministério Público. Uma igual equiparação só é possível se ao lado do defensor de confiança é instituído um defensor público, isto é, um magistrado destinado a funcionar como Ministério Público de Defesa, antagonista e paralelo ao Ministério Público de Acusação. A instituição dessa magistratura ou tribuna da defesa como uma ordem separada tanto da judicante como da postulação foi proposta por Filangieri, por Bentham, e depois por Carrara e por Lucchini, sob o pressuposto de que a tutela dos inocentes e a refutação às provas de culpabilidade integram funções do interesse não menos público de punição dos culpados e da colheita das provas a cargo da acusação. É claro que apenas desse modo seria eliminada a disparidade institucional que de fato existe entre acusação e defesa, e que confere ao processo, ainda mais que o segredo e que a escritura, cará ter inquisitório. Obviamente, tal magistrado não só não deveria substituir o defensor de confiança, como deveria sustentá-lo com órgão complementar, subsidiário e subordinado às estratégias defensivas previamente selecionadas por este. Dotado dos mesmo poderes da acusação pública sobre a polícia judiciária e habilitado à coleta de contraprovas, ele garantiria todavia uma efetiva paridade entre as funções públicas da prova e aquele não menos pública da refutação. E asseguraria, além disso, contrariamente à hodierna função do defensor público, um efetiva igualdade dos cidadão no exercício do direito de defesa. É fácil compreender que semelhante figura encontrará sempre a oposição corporativa da categoria dos advogados. Mas sem ela resulta comprometida a paridade de partes, que forma um dos pressupostos essenciais do contraditório e do direito de defesa".

Seguindo essa conotação, a instituição passaria a ocupar um papel de crucial importância no processo penal, seria permanente e atuaria em conjunto com o patrono eleito pelo acusado, o que somaria e muito na manutenção da paridade de armas e efetivação do direito de defesa.

A defesa em ação penal é um ato público, intimamente ligado ao processo. É a concretização da dialética processual penal corroborada com a manutenção dos princípios constitucionais do indivíduo no curso do processo penal. Assim, delegar à instituição o dever de zelar pelo devido processo legal e pelos princípios da ampla defesa, do contraditório e da paridade de armas, de forma permanente, é a positivação da interpretação de que o princípio da igualdade material tem vez no curso de uma ação penal e o Defensor Público é o curador desse princípio.

6. A Defensoria Pública no bojo do Código de Processo Penal

A Defensoria Pública aparece em alguns pontos do processo penal de forma expressa ou implícita. Os principais serão tratados nos próximos pontos.

6.1. Ação civil "ex delicto"

Um mesmo fato pode ter repercussão nas várias searas do direito, em verdadeira múltipla incidência20. É inegável que uma conduta tipificada penalmente, também pode se materializar em ilícito cível, trazendo para a vítima, se identificada, pretensões de cunho indenizatório.

A Constituição da República Federativa do Brasil, assegura no seu art. 5º, inciso V, a indenização por dano moral e material. Por sua vez, o art. 186 do Código Civil (clique aqui) assevera que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Este art. deve ser conjugado com o art. 927, caput, do mesmo diploma legal, que enaltece a regra da responsabilidade subjetiva, dispondo que "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Vale ressaltar que o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, preconiza a responsabilidade objetiva ao determinar que "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Dessa forma, o CPP garante as ferramentas para a consecução da indenização em prol da vítima. A vítima não pode continuar a figurar como ilustre esquecida. A reforma (lei 11.719/08) acabou imprimindo uma nova ótica à figura da vítima, aflorando suas pretensões indenizatórias. A conduta criminosa pode trazer sérias repercussões no patrimônio do ofendido. Com razão, o art. 91, I, do Código Penal (clique aqui), assevera que a sentença condenatória penal torna certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime, sendo título executivo judicial (art. 475-N, CPC), carecendo de prévia liquidação21.

Caso a vítima não deseje aguardar o desfecho do processo penal, tem a possibilidade de ingressar com a ação civil de conhecimento, pleiteando a reparação dos danos que lhe foram causados.

Portanto, a chamada ação civil ex delicto é o procedimento judicial voltado à recomposição do dano civil causado pelo crime.

Importante aspecto quanto à ação civil ex delicto, no que diz respeito à Defensoria Pública, tem a ver com a responsabilidade ativa e passiva da relação processual. A legitimidade ativa para a propositura da ação é da vítima, do seu representante legal, no caso do menor de 18 anos ou doente mental, e em havendo óbito ou ausência, passa para os herdeiros (art. 63, CPP).

Por sua vez, sendo a vítima pobre, a ação de conhecimento ou a execução será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público, que atua em substituição processual (art. 68, CPP). Nada impede que o magistrado nomeie advogado dativo para fazê-lo. E com mais razão, nas comarcas onde a Defensoria Pública encontra-se estruturada, o dispositivo não tem mais aplicabilidade. Dispondo a Constituição do Brasil, em seu art. 134, que compete à Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, a conclusão não poderia ser outra. Nesse sentido, o STF22 admite a inconstitucionalidade progressiva daquele dispositivo, condicionada à implementação das Defensorias em todo o país, quando então a atividade do Parquet, nesse mister, estará definitivamente sepultada23.

Já no pólo passivo irá figurar o autor do crime, sem prejuízo do processamento do responsável civil. Este último só poderá ser sujeito passivo da ação de conhecimento, não se admitindo a execução da sentença penal condenatória em seu detrimento, afinal, não foi parte no processo penal, não servindo o título contra aquele que não figurou no pólo passivo da demanda.

A lei 11.719/08 contempla a fixação do valor mínimo da indenização a ser estabelecido na sentença condenatória, considerando-se os danos sofridos pelo ofendido (art. 387, IV, CPP), de sorte que o quanto indenizatório já estaria certificado, bastando que o legitimado execute o título, que neste ponto é liquido, na esfera cível (art. 63, parágrafo único, CPP).

O pleito indenizatório deve ser requerido pela vítima ou representante legal, em regra, com a apresentação da inicial acusatória, a fim de que o magistrado possa reconhecê-lo na sentença. Pergunta que se faz é: quem tem legitimidade para requerer a indenização? Nas ações privadas, não há maiores problemas, já que o ofendido é o próprio titular da ação, tendo também legitimidade para requerer a justa indenização. O problema se avizinha no âmbito das ações públicas: estará o Ministério Público legitimado para requerer indenização em favor do ofendido? A doutrina entende que não, já que uma tal pretensão exorbitaria o âmbito de sua atribuição. No máximo, sendo a vítima pobre, e se na comarca não há Defensoria, assistiria ao MP requerer a indenização em favor do hipossuficiente, por analogia do art. 68 do CPP. Nos demais casos, restaria ao ofendido, devidamente identificado, habilitar-se como assistente de acusação, para só assim apresentar sua pretensão indenizatória24. Obviamente, nas comarcas estruturadas pela Defensoria Pública, cumpre a esta instituição requerer o pleito indenizatório em favor de seus assistidos.

6.2. Interrogatório do acusado

O princípio do direito ao silêncio, tradução de uma das manifestações da não auto-incriminação e do nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a se descobrir), foi uma das grandes conquistas da processualização da jurisdição penal, consolidada no século XVIII, com a queda do Absolutismo25.

No Brasil, com a Constituição de 1988 (art. 5º, LXIII) e com o art. 8º, 1, do Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678/92), há regra expressa assegurando ao preso e ao acusado, em todas as fases do processo, o direito a permanecer calado. Embora não haja previsão expressa do direito à não auto-incriminação, pode-se, contudo, extrair o princípio do sistema de garantias constitucionais.

A redação do parágrafo único do art. 186 do CPP, acrescentado pela lei 10.792/03, deixa claro que "o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa". Como a referida lei alterou substancialmente o art. acima, tem-se que a parte final do art. 198 do CPP encontra-se revogado, pois o direito de permanecer calado não implicará qualquer prejuízo para a defesa.

No que se refere ao procedimento do interrogatório (arts. 185 a 196 do CPP), o interrogado terá o direito de entrevistar-se reservadamente com seu defensor, caso isto ainda não tenha ocorrido. Se a autoridade negar a entrevista preliminar, o prejuízo é presumido, ocorrendo vício insanável do ato.

A presença do advogado ou do defensor público passou a ser obrigatória, com a alteração dada pela lei 10.792/03, sob pena de nulidade absoluta do feito, em razão da ausência de defesa técnica, já que o interrogatório é irremediavelmente um meio de defesa, não mais se constituindo em ato privativo do juiz.

Recentemente, o procedimento do interrogatório foi alterado pela lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009, a fim de viabilizar a produção de prova oral por videoconferência. O § 1º do art. 185 do CPP dispõe que:

"O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato".

O acusado e seu defensor também poderão acompanhar outros atos processuais como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, inquirição de testemunhas e tomada de declarações do ofendido, se possível (art. 185, §§ 8º e 9º, CPP).

De acordo com as finalidades do interrogatório por videoconferência, esposadas no § 2º do art. 185 do CPP, observa-se que a aplicação do dispositivo é medida extrema e que a sua incidência sem justificativa ou com motivação que mascare a possibilidade do interrogatório mediante contato pessoal com o magistrado deverá ser declarada inconstitucional, tendo em vista que a natureza jurídica do interrogatório é meio de defesa, segundo entendimento de boa parte da doutrina. É a posição de Ada Pellegrini, Scarance Fernandes, Gomes Filho26, Tourinho27, dentre outros.

6. 3. Do acusado e seu defensor

Ao cuidar do acusado e seu defensor, o CPP não deixa margem a dúvidas ao consignar que "nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor" (art. 261). Isso significa a exigência de que todo ato processual se realize na presença de um defensor, devidamente habilitado nos quadros da OAB, seja ele constituído, nomeado exclusivamente para o ato (ad hoc) ou dativo, isto é, designado pelo Estado, ou ainda, assistido pela Defensoria Pública. Eis o que se entende por defesa técnica.

A lei 10.792/03 incluiu o parágrafo único ao citado art. 261, fazendo nele constar que "a defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada".

A providência é salutar, no que se refere à exigência de uma atuação mais efetiva por parte daqueles que, seja por dever de ofício (em carreira organizada), como o defensor público, seja por dever decorrente de nomeação do juiz, o defensor dativo, respondem pela defesa técnica do acusado.

O art. 396-A do CPP, alterado pela lei 11.719/08, é um exemplo desta exigência de manifestação fundamentada, tendo em vista que na defesa preliminar do citado artigo, "o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário".

Eugênio Pacelli acredita que a ausência de fundamentação em sede de alegações finais (art. 403, CPP), seja do defensor dativo, seja do defensor público, seja, ainda, do defensor constituído pela parte, será causa de nulidade absoluta do processo, por violação ao princípio da ampla defesa, equivalendo a ausência de manifestação fundamentada à ausência da própria defesa técnica28.

Nos Estados onde já houver sido instituída e estiver em funcionamento a Defensoria Pública, a defesa dativa é normalmente realizada por integrante da carreira, que tem, como prerrogativa funcional, a intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição e a contagem em dobro de todos os prazos procedimentais (art. 128, I da LC 80/94).

O caput do art. 265, CPP, alterado pela lei 10.719/08, determina que o defensor não poderá abandonar o processo, ressalvado motivo imperioso, devendo comunicar previamente ao magistrado, estabelecendo-se multa de dez a cem salários mínimos, além das demais sanções cabíveis, como representação perante a OAB ou na Corregedoria da Defensoria Pública. Tal previsão é de duvidosa constitucionalidade, pois o magistrado não possui poder correicional quanto aos defensores públicos, além de ferir a própria autonomia da instituição29.

No que tange à defesa do acusado, Eugênio Pacelli salienta que esta deve ser efetiva, não se limitando apenas à possibilidade de participação no processo, já assegurada pelo contraditório. Por defesa efetiva deve-se entender e exigir a efetiva atuação do defensor em prol dos interesses do acusado, o que poderá ser aferido sempre diante de cada caso concreto, sopesando-se as provas carreadas aos autos pela acusação e a possibilidade real de sua confrontação pela defesa30.

6.4. Da prisão em flagrante

A edição da lei 11.449, de 15 de janeiro de 2007, trouxe importantes alterações para o instituto da prisão em flagrante. Além disso, representa uma grande evolução no entendimento ao princípio da ampla defesa, e, ao mesmo tempo, reforça o argumento do princípio do defensor natural no processo penal, dando aos desamparados de defesa técnica o devido auxílio no momento da constrição da liberdade ambulatória31.

O art. 306 do CPP, objeto da alteração acima, dispõe: "A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada.

§ 1º. Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

§ 2º. No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas".

A doutrina entende que o prazo estipulado no referido art. é improrrogável, da mesma forma que o é a entrega da nota de culpa ao preso, sendo que a comunicação feita extemporaneamente, torna a prisão ilegal, ensejando o seu relaxamento imediato pela autoridade judiciária. Tal entendimento tem como pressuposto os princípios da segurança jurídica e proteção da confiança, a fim de evitar arbitrariedades e comunicações de flagrante feita de forma extemporânea ou demorada.

Processualistas penais entendem que o disposto no art. 306 do CPP deveria ser estendido, por analogia, a todas as modalidades de prisão cautelar cabíveis na fase do inquérito policial, sempre que o preso não tenha advogado. Assim, decretada a prisão temporária ou a preventiva na fase pré-processual, pois na fase processual já existe obrigatoriamente advogado, e declarando o preso que não está assistido, deve o magistrado encaminhar ao defensor público cópia do mandado de prisão, para que o mesmo tome as medidas que entender cabíveis. Nesse sentido, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar32.

Percebe-se que a lei não fala em preso pobre, e sim naquele que não tem advogado. Desta forma, atuando a Defensoria Pública e apurando-se, posteriormente, que o preso tem condição financeira, deve o juiz arbitrar honorários, a serem depositados em fundo em favor da Instituição.

Implicitamente, o que se consagra com a alteração do art. 306 do CPP é o princípio do defensor natural, aplicável in totum no processo penal brasileiro. Este princípio significa, em uma análise particular, a garantia da defesa técnica em todos os momentos da persecução penal, ou seja, ele é o garantidor do status libertatis do cidadão e essencial para o equilíbrio das forças no processo penal.

6.5. Do procedimento relativo aos Processos da Competência do Tribunal do Júri

A lei 11.689/08 alterou todo o procedimento do júri, disciplinando o art. 5º, XXXVIII da CF.

O Tribunal do Júri hoje, segundo Guilherme de Souza Nucci, é um direito e uma garantia fundamental do cidadão. É um direito à participação popular na Administração da Justiça, além de ser uma garantia de julgamento perante os pares.

O Tribunal do Júri continua, mesmo com a reforma, sendo um procedimento de 2 fases. A 1ª fase é chamada de judicium accusationis e a 2ª fase é a fase de julgamento, denominada de judicium causae.

A fase do judicium accusationis é chamada de fase do sumário de culpa e é uma fase de filtro, ou seja, permite ao juiz togado definir os crimes que estão aptos a serem remetidos para o corpo de jurados. O sumário de culpa é um resumo de culpa, onde o juiz só vai remeter ao corpo de jurados aqueles crimes que, de forma sumária, prelibatória, possuem um substrato mínimo para a remessa perante o corpo de jurados. Esta 1ª fase funciona muito próxima ao procedimento comum ordinário.

No que tange à 2ª fase do procedimento, se o acusado for pronunciado, este será intimado pessoalmente da decisão de pronúncia. Se, porventura não for encontrado, será intimado por edital e será julgado à revelia, mesmo que o crime seja inafiançável. Aqui, não existe a intimação por hora certa. É o que determina o art. 420 do CPP.

Segundo o art. 422 do CPP, as partes serão intimadas da decisão de pronúncia para que, primeiro, a acusação faça um requerimento de diligências que conta com o rol de testemunhas, sob pena de preclusão. Depois, a defesa será intimada para apresentar o seu requerimento de diligências, que também vai contar com o rol de testemunhas. Na 2ª fase, este rol de testemunhas é de no máximo 5 (cinco) pessoas.

O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, que é o seu presidente, e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, dos quais 7 (sete) constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento (art. 447, CPP).

No sorteio dos 7 (sete) jurados que irão compor o Conselho de Sentença, primeiro a defesa e, depois, a acusação, poderão recusar até 3 jurados sem precisar motivar. As recusas peremptórias foram mantidas pela reforma (art. 468, CPP).

Se o advogado do acusado faltar, sem escusa legítima, à sessão do Tribunal do Júri, e se outro não for constituído nos autos, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão (caput do art. 456, CPP). Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente (§ 1º do art. 456, CPP). Dispõe o § 2º do art. 456 que na hipótese do § 1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias.

Nós temos na reforma do procedimento do tribunal do júri a disciplina quanto ao uso de algemas em plenário normatizada. Trata-se do § 3º do art. 474 do CPP, que dispõe que: "não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes". O princípio da proporcionalidade será o lastro norteador do uso de algemas.

7. Conclusão

A EC 45, de 8 de dezembro de 2004 (clique aqui), que consagrou a autonomia administrativa, funcional, financeira e orçamentária da Defensoria Pública (art. 134, § 2º da CF/88), é norma de interesse público e social, autoaplicável e de eficácia imediata (CF/88, art. 5º, § 1º), consistindo a assistência jurídica integral e gratuita num direito fundamental assegurado às pessoas em situação de vulnerabilidade pela Carta Fundamental33.

A Casa da Cidadania, como instituição autônoma, visa assegurar o exercício da sua finalidade institucional de garantia do cidadão juridicamente necessitado e a defesa plena da dignidade da pessoa humana.

De acordo com Paulo Galliez, "definir a Defensoria Pública como 'o maior escritório de advocacia' (como alguns se referem à instituição) significa reduzir sua dimensão e enfraquecer sua razão de ser como instituição independente. Trata-se, na verdade, de visão anacrônica e conservadora, quando os defensores públicos eram vistos como 'advogados dos pobres', a quem deviam praticar atos de caridade.

Ao contrário, o acesso à Defensoria Pública é decorrente de garantia constitucional como segmento do exercício da cidadania. Não é a pobreza que assegura esse direito, e sim a cidadania, pois de outro modo estar-se-ia abrindo espaço para o preconceito34".

No processo penal brasileiro, a Defensoria Pública é a garantia da defesa técnica para o acusado em todos os momentos da persecução penal, haja vista o art. 5º, LV da Constituição da República Federativa do Brasil dispor que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Além disso, o direito de defesa durante o inquérito policial é imprescindível, pois neste momento pré-processual, embora não haja acusação, há a possibilidade de restrição da liberdade do acusado, além de outras medidas que possam ser tomadas pela autoridade policial ou requeridas por esta à autoridade judiciária que venham a prejudicar ou dificultar o exercício posterior da ampla defesa, seja por meio da autodefesa, seja por meio da defesa técnica.

A instituição desempenha atividades típicas e atípicas. Como atividade atípica, a realização de defesa no processo penal de acusados citados que não apresentaram defesa ou que a defesa apresentada é insuficiente para garantir um devido processo penal em equivalência de armas, ou seja, que garanta a paridade de armas entre defesa e acusação, ou, ainda, de acusados citados fictamente (citação por edital e por hora certa) demonstra a imprescindibilidade da instituição para o processo penal.

O Defensor Público passa a ser, quando não é parte imediata, um curador do princípio do devido processo legal e da manutenção dos princípios constitucionais garantidores dos direitos humanos básicos.

A Defensoria Pública é um instrumento de efetivação do acesso à justiça e de manutenção de uma ordem jurídica justa sendo que, no processo penal, passa a ocupar um lugar de destaque ao garantir aos seus assistidos e aos acusados em geral um provimento jurisdicional final justo e obtido em equidade de armas com a acusação. O fortalecimento da instituição é a única forma de afirmação da norma hipotética fundamental consistente no direito de defesa em sua plenitude no cenário jurídico brasileiro.

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Referências bibliográficas

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1 BRASIL. Constituição (1988). [Art. 4º, II].

2 GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 64.

3 O art. 4º da LONDEP (Lei Complementar Federal nº 80/1994) preconiza um rol não exaustivo das funções típicas desenvolvidas pela Defensoria Pública.

4 KELSEN. Hans. Teoria Pura do Direito. cit. p. 219-220. "a norma fundamental limita-se a delegar numa autoridade legisladora, quer dizer, a fixar uma regra em conformidade com a qual devem ser criadas as normas deste sistema. A norma que constitui o ponto de partida da questão não vale por força do seu conteúdo, ela não pode ser deduzida da norma pressuposta através de uma operação lógica. Esse conteúdo apenas pode ser determinado através de atos pelos quais a autoridade a quem a norma fundamental confere competência e as outras autoridades que, por sua vez, recebem daquela a sua competência, estabelecem as normas positivas deste sistema".

5 CAPELLETI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça: Tradução Ellen Gracie Northfleet, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1988, Reimpresso/2002, p.8. "A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico - o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos, resolvendo seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos".

6 PRADO, Rodrigo Murad. A participação popular no controle abstrato de constitucionalidade: Amigo da corte. "John Rawls' propõe uma conceituação de Justiça, denominada justiça como eqüidade - princípios de justiça considerados razoáveis seriam os que fossem objeto de acordo entre pessoas em condições eqüitativas; parte, portanto, de um contrato social. Os princípios que articulam afirmam uma concepção liberal ampla de direitos e liberdades básicos, e só admitem desigualdades de renda e riqueza que sejam vantajosas para os menos favorecidos. Uma das metas praticáveis da justiça como eqüidade é entender as exigências da liberdade e da igualdade. Supõe-se que os cidadãos de uma sociedade democrática tenham, pelo menos, uma compreensão implícita sobre o significado e os fundamentos dos direitos e liberdades constitucionais. Uma sociedade democrática é tida como um sistema de cooperação social pelo fato de que, de um ponto de vista político, os cidadãos não consideram sua ordem social uma ordem natural fixa, ou uma estrutura institucional justificada por doutrinas religiosas ou princípios hierárquicos que expressam valores aristocráticos. A idéia de uma sociedade regulada por uma concepção pública de justiça é uma idéia organizadora central da sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação. Uma sociedade bem ordenada é uma considerável idealização. O conceito de justiça, o ideal de justiça vincula-se a sociedade organizada, justa, equalitária. Não se concebe uma justiça para privilegiados - o acesso a ela, por meio de processo, com o favorecimento do amicus curiae, para que se possa elucidar fatos e contemplar todos os cidadãos, embora pareça utópico, é o ideal do profissional do direito e da sociedade. Afinal, quem são os menos favorecidos; aqueles que não têm o amparo integral da justiça? Condições sociais, meios dignos para que os cidadãos possam se desenvolver adequadamente e exercerem plenamente suas faculdades morais, além de, naturalmente, poderem optar pelo bem sem a pressão do isolamento da sociedade. Bens primários são inerentes aos seres humanos e as suas cooperações para com a sociedade, como opinantes, participadores e, principalmente, como pessoas livres e iguais numa vida plena - esse é o ideal da justiça equalitária. Há um aspecto que menciona que por maior que sejam as dificuldades em termos de renda e riqueza, e por mais que as pessoas queiram negar desigualdades, elas existem e não se entende possível trabalhar, honestamente, com justiça se esses requisitos não forem preenchidos".

7 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. p. 128/135. "O professor Kazuo Watanabe escreveu um estudo sobre o Acesso à Justiça e Sociedade Moderna onde concluiu dizendo que o acesso não se limita à mera provocação do Poder Judiciário e sim, 'é fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa', considerando-se como dados elementares do direito à ordem jurídica justa: a) o direito à informação; b) adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do país; c) direito a uma justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; d) direito a preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; e) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à justiça com tais características".

8 MORAES, Sílvio Roberto Mello. Princípios constitucionais da defensoria pública. p. 24.

9 JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria pública e o princípio da justiça social. 1ª Ed. Curitiba:Juruá, 2008. p. 93.

10 Código de Processo Penal, arts. 263, 366 e 396, parágrafo único.

11 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 6.

12 BRASIL. Constituição (1988). [Art. 1º, III].

13 BRASIL. Constituição (1988). [Art. 5º, LIV].

14 BRASIL. Constituição (1988). [Art. 5º, LV].

15 NUCCI, Guilherme de Sousa. Código de Processo Penal Comentado. 8ª Edição. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2008. p. 716.

16 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4ª Ed. 2005. RT:São Paulo. p. 52.

17 Idem.

18 Ob. Cit. p. 256.

19 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão - Teoria do Garantismo Penal. 2ª Edição. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2006. p. 535.

20 ASSIS, Araken de. Eficácia civil da sentença penal. 2ª. Ed. São Paulo: RT, 2000. p. 17.

21 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 179.

22 STF - 1ª T. - RE 147.776-SP - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ 19/5/1998.

23 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 180.

24 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 183.

25 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 334.

26 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7ª. Ed. São Paulo: RT, 2001. p. 81.

27 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. p. 270.

28 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 398.

29 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 438.

30 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6ª. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 401.

31 SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna. O novo artigo 306 do CPP e o Princípio do Defensor Natural.

32 ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 3ª. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 477.

33 CORGOSINHO, Gustavo. Defensoria Pública - Princípios Institucionais e Regime Jurídico. 1ª. Ed. Belo Horizonte: Dictum, 2009. p. 169.

34 GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 38-39.

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*Defensor Público no Estado de Minas Gerais. Professor de Direito Penal I e IV da Faculdade de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha/MG

**Advogada. Voluntária na Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, atuante na Comarca de Boa Esperança/MG

 






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