dr. Pintassilgo

Rosana

Amigos migalheiros. Enfim cheguei em uma das três especiais fronteiras paulistas ; há, em cada uma delas, uma estrela de três pontas, e em cada uma das pontas um Estado.

Estou no local onde o sol se despede do Estado de São Paulo, e nessa despedida findam-se as rotinas, os movimentos apressados, a claridade se esvai numa poesia viva, que sempre nos fascina. Raios amarelos e alaranjados são os sinais do fim do dia. Quem, me digam sinceramente amigos, não se sente mais vivo, mais humano e parte do mundo ao contemplar o pôr-do-sol ?

E aqui estou em Rosana, no ponto mais extremo do Oeste paulista. Ao longe, vejo o Mato Grosso do Sul e o Paraná. Acompanhando minha visão que se perde, um sentimento de orgulho ao pensar em nossa terra. E enquanto minha visão se apequena, meu peito infla. Só consigo dizer, Brasil, Brasil...

Em Rosana, estou no extremo. Na verdade, estou entre vários extremos. Aqui não há o equilíbrio da balança ou o conforto de estar centrado em cima do muro. Quase numa queda para outros Estados, entre os rios Paraná e Paranapanema, estou no limite.

E também no limite, estão o povo e causídicos. As léguas que separam o centro das decisões do Oeste fazem parecer que brasileiros são compatriotas somente na teoria, pois parecem conviver em países diferentes. Sim migalheiros. Em Rosana, não há juiz titular...

Dr. Pintassilgo chegou ao limite do entendimento das coisas. De um extremo a outro eu fui do orgulho patriótico à preocupação, que faz coçar as penas da cabeça.

Os abismos sociais extremos do Brasil ganham face, nome e sobrenome em Rosana. Pescadores viram obliterados seus recursos e trabalho por conta de uma barragem. Outros, na cidade, dizem que ela trouxe algum movimento...

Os Sem-Terra perambulam nos seus acampamentos em uma das regiões mais violentas do país, o famigerado Pontal do Paranapanema. Facões, espingardas, ocupações, fardas e camburões se estranham, como se estivessem nos cantos de um ringue, enquanto a miséria ri de nossa cara e de nossa capacidade surpreendente de nos auto-sabotarmos.

Na há Nação no mundo com mais diferenças que a nossa. Assim, abaixemos a cabeça, cheios de vexame e toquemos uma triste canção para casar com nossa dor. Façamos um solilóquio, com temas verde-amarelos, trajados com um manto de luto em nossos ombros.

Entre um argumento extremado e outro, pergunto : quem tem razão ?

Longe, longe da capital, em Rosana, vejo a maravilha e a angústia de ser brasileiro. Os pólos que nos fazem ir rapidamente da euforia carnavalesca a um estado de consciência, típico de quem escapa de uma catástrofe : abalados e sem saber aonde buscar ajuda.

E, não migalheiros, a despeito de minha fé, que é de bronze, não creio que precisemos esperar pelo "Terceiro Dia". Certamente, Ele tem assuntos mais urgentes do que cuidar de nossa indiferença.

Perdão migalheiros por meu discurso extremado, inspirado pela solidão de Rosana. Aqui vi o Sol se despedir, num baile da natureza onde dança quem possui sentimento. Vi os rios se chocarem e ouvi piados ao longe dos irmãos do Paraná e Mato Grosso (quem sabe quando por lá irem voar ? quem sabe...).

Não os deixarei, amigos de Rosana, ao abandono extremo. Tenham certeza de que vocês ganharam este novo amigo que aqui desceu e se comoveu.

Nesta terra, foi fincada a primeira bandeira de nossa neo-bandeira, que busca a Verdade da Justiça brasileira.

Quando feito o gesto, lembrei-me, como não poderia deixar de ser, de nosso  amantíssimo Diretor, o quanto não estaria ele brioso desta pequena ave, em seu suntuoso gabinete ?

E, numa fugidia imagem, veio-me Júlio César : vim, vi e venci !

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