dr. Pintassilgo

São José do Rio Preto

2006

Em 19 de julho de 1894, São José do Rio Preto é desmembrada de Jaboticabal, transformando-se em Município, pela Lei n° 294. Era um imenso território, limitado pelos rios Paraná, Grande, Tietê e Turvo, com mais de 26 mil km² de superfície.

Em 5 de outubro de 1904 é criada, pela Lei n° 903, a Comarca de Rio Preto.

A comarca de São José do Rio Preto consta atualmente dos seguintes municípios:

Bady Bassit, Cedral, Engenheiro Chmidt, Guapiaçú, Ipiguá, Nova Aliança, Uchoa

Alguns Juízes que passaram pela comarca:

  • Dr. Juvêncio Gomes Garcia
  • Dr. Marcio Goulart da Silva
  • Dr. José de Castro Duarte
  • Dr. Luiz Fernando Cardoso Dal Poz
  • Dr. Lucio Alberto Enéas da Silva Ferreira
  • Dr. Lincoln Augusto Casconi
  • Dr. João Thomaz Dias Parra
  • Dr. Heitor Febeliano do Santos Costa
  • Dr. Guilherme Ferreira da Cruz
  • Dra. Fátima Vilas Boas Cruz
  • Dr. Egberto de Almeida Penido
  • Dra. Claudia Carneiro Galbucci Reno
  • Dr. Bruno José Berti Filho
  • Dr. Antonio Roberto Andolfato de Souza
  • Dr. Alceu Correa Junior
  • Dr. Aderito Tomazella
  • Dr. Manuel Ferreira da Ponte
  • Dr. Marcelo Ielo Amaro
  • Dr. Marco Antonio Costa Neves Buchala
  • Dr. Marco Antonio Martins Vargas
  • Dr. Maria Silvia Gomes Sterman
  • Dr. Mario Guimarães

    Mario Guimarães nasceu a 20 de março de 1889, em São Paulo, filho de Felix da Silva Guimarães e de D. Luiza de Queiroz Guimarães. Fez estudos primários no Grupo Escolar do Sul da Sé, que funcionava na rua Santa Teresa, em São Paulo. Realizou os estudos preparatórios no Colégio João de Deus, ingressando na Faculdade de Direito de São Paulo em 1904. Bacharelou-se em 1909. Foi Professor no Ginásio Hydecroft, de Jundiaí, deixando o cargo para ingressar no Ministério Público. Exerceu, interinamente, as funções de Promotor Público, nas Comarcas de Franca, Tatuí, Sarapuí, Apiaí, Araraquara e Espírito Santo do Pinhal. Em 1916 foi comissionado para servir como Oficial de Gabinete do Secretário de Educação e Saúde, Dr. Oscar Rodrigues Alves. Deixando essa comissão em 1919, foi nomeado Juiz de Direito da Comarca de Jambeiro e promovido, gradativamente, para as comarcas de Itatiba, São José do Rio Preto e 1ª Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, após a revolução de 1930, substituindo o Ministro Laudo de Camargo. Em 1933, com autorização da Presidência da República, foi comissionado para exercer o cargo de Chefe de Polícia, na primeira fase da interventoria do Dr. Armando Sales de Oliveira, deixando o cargo em 1934, por ter sido nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. No mesmo ano foi designado Membro do Conselho Superior de Magistratura e, em 1936, para Juiz do Tribunal Regional Eleitoral. Dissolvido este, por força do golpe de 10 de novembro de 1937, retornou às suas funções de Desembargador, exclusivamente. Em janeiro de 1944, foi eleito Vice-Presidente, e, em maio do mesmo ano, Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Com a reorganização da Justiça Eleitoral em maio de 1945, passou a exercer, cumulativamente com as funções de Presidente do Tribunal de Justiça, as de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Reeleito para a Presidência do Tribunal de Justiça, permaneceu no cargo até outubro de 1950. Nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, por decreto de 26 de maio de 1951, do Presidente Getúlio Vargas, para a vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Laudo Ferreira de Camargo, tomou posse em 28 do mesmo mês. Foi aposentado por decreto de 10 de abril de 1956. O Supremo Tribunal prestou-lhe homenagem de despedida, em sessão de 18 seguinte, quando falou em nome da Corte o Ministro Edgard Costa; representando o Ministério Público Federal, o Dr. Plínio de Freitas Travassos; pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, o Dr. João de Oliveira Filho e, por fim, o homenageado, agradecendo as manifestações de apreço. Além de inúmeras decisões reproduzidas na Revista dos Tribunais, Revista Forense, Arquivo Judiciário e Boletim do TRE de São Paulo, publicou as seguintes obras: Recurso de Revista (1942); Estudos de Direito Civil (1946) e O Juiz e a Função Jurisdicional (1958). Era casado com D. Laís Marcondes Guimarães. Faleceu em 25 de setembro de 1976, recebendo homenagem póstuma na sessão de 6 de outubro seguinte, quando falou em nome do Tribunal o Ministro Rodrigues Alckmin, também se manifestando o Prof. Henrique Fonseca de Araújo, Procurador-Geral da República, e o Dr. Leopoldo Cesar de Miranda Lima, pela Ordem dos Advogados do Brasil. O centenário de nascimento foi comemorado na sessão de 12 de abril de 1989, falando, pela Corte, o Ministro Carlos Madeira, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Aristides Junqueira de Alvarenga e, pela Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Célio Silva.

  • Dr. Paulo Bacarat Filho
  • Dr. Paulo Roberto Zaidan Maluf
  • Dr. Roberto Ranieri Simão
  • Dr. Rogério Danna Chaib
  • Dr. Virginia Maria Sampaio Truffri

Advogados de destaque na década de 50:

  • Dr. Alberto Andaló

    Alberto Andaló nasceu em São José do Rio Preto, em 08 de outubro de 1916. Cursou o Ginásio Municipal de Rio Preto, em seguida transferiu-se para o Ginásio Estadual de Catanduva, cidade em que se bacharelou. Em 1935 ingressou no Ateneu Paulista de Campinas e nessa cidade exerceu o cargo de professor. Formou-se pela Faculdade de Direito de São Paulo. Foi estagiário no Ministério Público da II Vara de Família de São Paulo, de 1937 a 1939. Em 1940 prestou concurso para juiz de Direito, tendo sido aprovado em terceiro lugar. Exerceu o cargo de juiz até 1942. Montou banca de advogado em Monte Aprazível e posteriormente em São José do Rio Preto. Em 1940 ingressou na vida política, elegendo-se vereador e, em 1950, candidatou-se a deputado estadual. Eleito pela legenda petenista, assumiu o cargo em 1951, ocupando-o até 1954. Foi candidato a deputado federal no ano seguinte, quando ganhou a primeira suplência do PTN. Foi titular oito meses da cadeira da Câmara Federal e, em 1955, foi eleito prefeito municipal de São José do Rio Preto, cargo que empossado ocupou até o seu falecimento em 02 de novembro de 1959.

  • Dr. Alceu de Assis
  • Dr. Alex Salomão
  • Dr. Aloísio Nunes Ferreira
  • Dr. Ângelo Joaquim Correia
  • Dr. Aureliano de Mendonça
  • Dr. Cândido Garcia Bastos
  • Dr. Euclides Menezes
  • Dr. Felipe de Paula Cavalcante de Albuquerque Lacerda
  • Dr. Filadelfo Gouveia Neto
  • Dr. Francisco Gutierrez
  • Dr. Gabriel Cesário Cury
  • Dr. Geraldo Celso de Oliveira Braga
  • Dr. Geraldo Fortes
  • Dr. João Francisco Cuba dos Santos Filho
  • Dr. João de Noronha Goyos
  • Dr. José de Castro Duarte
  • Dr. José Jorge Junior
  • Dr. Lauro Demonte
  • Dr. Leônidas da Cunha Viana
  • Dr. Luiz Nunes Ferreira Filho
  • Dr. Nelson Demonte
  • Dr. Olímpio Rodrigues
  • Dr. Osvaldo de Carvalho Júnior
  • Dr. Osvaldo Reverendo Vidal
  • Dr. Paulo Birolli Netto
  • Dr. Rafael Leme Coelho de Carvalho
  • Dr. Renato Lerro
  • Dr. Renor Ferreira Braga
  • Dr. Ruy Nazareth
  • Dr. Tomas Pinheiro Guimarães
  • Dr. Vicente de Paula Barbosa
  • Dr. Waldemiro Naffah

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Rio Preto : sua extensão, riqueza e progresso*

 

Ministro Mario Guimarães

 

Rio Preto era uma comarca populosa e rica. A sua superioridade sobre as mais é que tinha três fontes de renda a lhe proporcionarem recursos em diferentes épocas do ano.

 

Por ocasião da colheita do café, aproveitava-se Rio Preto de excelente safra, vendida a bom preço. Em certas fazendas os cafezais começavam a produzir depois de quatro anos apenas de plantado. As terras eram exuberantes. Pau-d’alho e peroba, madeiras nativas ofereciam testemunho da uberdade do solo. Os fazendeiros sabiam o significado dessas árvores.

 

Em outro mês, não me lembro qual, a safra de arroz, ótimo, colhido no morro. Muitos supõem que o arroz só dá em lugares úmidos e baixos. É engano.

 

Participava Rio Preto também em larga escala da criação de gado, de preferência de corte. Não possuía indústria leiteira. Vendia o gado assim que estivesse gordo. Tinha magníficas pastagens.

 

O seu território quando lá estive era de 31.000 quilômetros quadrados. Hoje é bem menor porque cinco comarcas foram dela desmembradas. Eu dizia, brincando, como juiz que era de Rio Preto : a minha autoridade é mais extensa do que a do rei da Bélgica porque atinge a 31.000 quilômetros ao passo que a Bélgica não vai além do que 29.456 quilômetros quadrados. Um Estado, no Brasil, era menor do que Rio Preto, o Estado de Sergipe com apenas 21.000 q2.

 

Na cidade de Rio Preto havia várias agências bancárias; comércio forte. No foro 54 advogados ganhavam o bastante para sua manutenção e muitos para adquirir fortuna. Muitos engenheiros. Médicos, se bem me lembro, 33, discriminados por especialidades, o que era raro então nas mais cidades do Interior onde o profissional era ao mesmo tempo operador, parteiro e clínico de todas as moléstias.

 

Comércio com bons estabelecimentos e a Educação ministrada em escolas primárias, Grupo Escolar e Ginásios. Clubes de esporte e de reuniões sociais.

 

E uma coisa especialmente distinguia Rio Preto : é que, em outros lugares proliferava a luta política. Em Rio Preto havia, por certo, um partido político, que votava com o Governo, mas os habitantes não se combatiam por nugas de ordem política. Naquele tempo, havia cidades em que a separação dos partidos era tão extremada que todos somente compravam pão ou coisas de que precisassem, engraxavam os sapatos, ou freqüentavam diversões em estabelecimentos cujos donos, diretores e empregados fossem do mesmo partido político. Os adversários eram excluídos de qualquer contato. Não assim em Rio Preto.

 

Em Rio Preto ninguém se preocupava com a cor política de pessoas com as quais tratasse. O importante era servir bem e ser bem servido.

 

A população viera, em sua maioria, de outros lugares. De Rio Preto poderiam ser apenas as crianças de tenra idade. A cidade se desenvolvera recentemente e ficara, como na Califórnia, repleta de forasteiros desejosos de fazer fortuna. E visto que havia dinheiro, havia também um teor de vida mais elevado o que, por sua vez, favorecia o surgimento de novas profissões.

 

Estradas de rodagem numerosas cortavam o território da comarca, embora não fossem do tipo adiantado como as de hoje, mas que facilitavam o tráfego comercial.

 

O movimento forense abrangia causas de toda espécie : divisões e demarcações de terras, falências e concordatas, questões de família, cobranças, inventários e arrolamentos, etc.

 

Trabalhei mais em Rio Preto durante um mês do que em Itatiba durante sete anos. Os advogados gostavam de recorrer e o faziam com espírito combativo, posto que sempre respeitosos ao juiz.

 

Eu porfiava por não ficar muito longe no confronto com o meu antecessor, o grande juiz Dr. Antonino Vieira, que pouco depois foi promovido ao Tribunal de Justiça.

 

No decorrer do primeiro ano tive julgados 44 recursos de agravo e 35 apelações. Apenas uma apelação reformada em parte e 40 agravos confirmados. Satisfez-me o resultado. Eu trabalhava todos os dias das 7 às 11, sem domingos ou feriados. Às 11 horas fazia a toalete e almoçava. Saia de casa que era frente ao Fórum cinco minutos antes do meio-dia e às 12 começava o expediente, que ia até as 16 horas. Auxiliavam-me, cada qual em suas atribuições, um juiz substituto, Dr. Câmara Leal e o Promotor Público, Dr. Alvaro de Toledo Barros. Trabalhando por essa forma, conseguimos em um ano, por em dia 600 processos criminais que estavam atrasados e manter o serviço costumeiro. Às quartas-feiras não dava expediente. Fazia diligências.

 

Nas demarcações e divisões era indispensável a presença do juiz na fase da colocação do marco inicial. Para o serviço render eu marcava várias diligências para o mesmo dia, desde que fossem na mesma direção. Saíamos às 5 horas da manhã, iniciávamos os trabalhos às 6. A comarca era muito extensa. Voltávamos à tarde, ou, sobrevindo qualquer contratempo, durante a noite.

 

Naquela ocasião, davam os juízes uma audiência costumeira por semana, em sua sede, para certos atos que exigiam essa formalidade. Como havia muitos requerimentos os advogados os apresentavam durante a semana em cartório. Na audiência o escrivão, em presença das partes, lia apenas o que já fora requerido, e eu dava o despacho imediato. Por esta forma o serviço caminhava rapidamente e legalmente porque o chamamento em audiência era feito, lido e ouvido por todos. Cortando todas as formalidades não exigidas expressamente pela lei eu conseguia dar vazão ao enorme serviço. Pus em dia os processos antigos e não deixei atrasar-se processo algum entrado ao meu tempo.

 

Quando já estava em tudo regularizado e ano e meio de exercício na comarca, resolvi fazer uma sondagem para verificar qual seria a atitude do Tribunal a meu respeito. Já deveria estar conhecido visto como em todos os recursos aparecia forçosamente o meu nome. Inscrevi-me com esse objetivo para uma comarca cujas inscrições estavam abertas. Havia duas vagas. Mas como o meu pedido de inscrição visava apenas experimentar o terreno, bastou-me inscrever-me para uma só.

 

Fui indicado em 3º lugar para a lista de merecimento. O merecimento, suponho eu, estaria baseado na existência de tantos processos julgados por mim nesse período. Foi nomeado o que estava em 1º lugar. Era praxe a nomeação sempre do que estava colocado em 1º lugar. E o primeiro lugar decorrente de já ter sido indicado maior número de vezes. Quem entrava na lista de merecimento pela primeira vez, ocuparia o último lugar.

 

Mas o meu prazer foi grande. A promoção, nesse momento, pouco se me dava. A nomeação fora justa. O Governo nomeara de acordo com a praxe – o mais antigo da lista.

 

Isso ocorreu em 1929, quando ia em férias para o Rio de Janeiro.

 

No ano seguinte não houve movimento de remoções ou promoções na magistratura. Nas férias de Julho, deliberamos participar de uma excursão a Buenos Aires e a outros pontos do sul. Era barata. Navio do Loide brasileiro – 500 mil réis (600 cruzeiros) por pessoa. As crianças pagavam meia passagem. Éramos, portanto, para efeitos financeiros, três pessoas apenas, põe 1 conto e 800 mil réis, com passagem e estadia no navio durante a excursão. Tão baratas essas excursões que foram logo suspensas. Davam prejuízo para a companhia. Eram, porém, agradabilíssimas. As minhas finanças então não andavam mal. Tendo vendido a minha casa de Itatiba por 14 contos, gastei cerca de 4 contos em mudança e depositei no Banco 10 contos; vendi o automóvel, já em Rio Preto, que me era inútil porque não tinha tempo de passear por 4 contos (custara 6 e fração) fiquei com 14 contos, que depositei no Banco.

 

Era a primeira vez na vida a lidar com depósitos bancários.

 

A viagem me era, pois, fácil. Minha sogra seguiu conosco. Foi um grande prazer que tivemos todos nós.

 

Além de começar a colocar dinheiro no Banco, outra atividade financeira pude fazer. Um juiz substituto de Rio Preto, que fora transferido para juiz preparador de S. Paulo, cuidou de vender um título de dívida com garantia hipotecária. O título era de 15 contos e o imóvel valia 60 contos. Ofereceu-me o corretor o negócio e eu aceitei. D. Manuelita, minha sogra, emprestou-me 5 contos e eu completei com 10. Era negócio bom para mim e para ela. Ela tinha o dinheiro a render juros de 6% na Caixa Econômica. Passou a tê-lo a 12, com a minha garantia. – Eu recebia juros de 18%, sobre o total, juros que já constavam do empréstimo primitivo, cujos termos mantivemos em prorrogação. Assim eu ganharia 18 por cento sobre 10 contos e mais 6% pela minha responsabilidade, sobre os 5 contos de D. Manuelita.

 

Pagando-me 5% sobre essa quantia minha sogra se resguardava das dores de cabeça futuras, quando após a derrocada de 1929, o fazendeiro ficou impossibilitado de pagar os juros devidos. Tendo-me como garantia, ela não sofreu prejuízo algum. Aliás, mais tarde se verá como o negócio fora bom para todos.

 

E ainda, a beneficiar minha situação : pela última reforma Judiciária teriam direito os juízes à 4ª parte das custas que a lei atribuía ao Estado, pelas sentenças proferidas. E como, dado grande movimento da comarca, muitas eram as sentenças, isso me renderia uns 500$000 por mês a mais, pagos no fim do ano, pela Coletoria, de uma só vez.

 

A revolução de 1930. Em Rio Preto

 

Enquanto, porém, tudo ocorria bem na cidade de Rio Preto e eu, capitalista, me dava ao luxo de viajar por países estrangeiros, no resto do Brasil nuvens se acumulavam. Houvera eleições para a Presidência da República, disputadas por dois candidatos – Julio Prestes, cujo governo em S. Paulo se revelara brilhante e Getulio Vargas, do Rio Grande do Sul.

 

Julio Prestes era francamente apoiado por S. Paulo, vários Estados do Norte, contando ainda com a simpatia do presidente Washington Luis, a que iria suceder: o snr. Getulio, com o apoio das classes armadas do Estado do Rio Grande do Sul, o do de Minas Gerais, que rompia desta vez a sua velha aliança com S. Paulo.

 

Pelas apurações da Assembléia se dizia eleito o snr. Julio Prestes, afirmando, todavia, os adversários que as eleições haviam sido fraudulentas, o que eu não ponho em dúvida. Não ponho em dúvida igualmente que tivessem sido também as eleições de que resultou vencedor o snr. Getulio Vargas, pois que nessa época, salvo raríssimas, incorriam elas, descaradamente, nessa mácula. Foi a entrega do serviço eleitoral à Magistratura que levantou o nível dos pleitos.

 

E que não era a verdade eleitoral que impulsionava a luta na revolução de 30, claro se verificou quando, após a deposição do snr. Washington Luis, a preocupação dos vencedores foi, não fazer novas eleições em que o voto fosse religiosamente respeitado, mas proclamar vencedor, sem qualquer apuração aquele candidato que fora derrotado.

 

A moral eleitoral era a mesma em todo o país.

 

O que a História nos mostra é que muito embora não fosse isenta de erros a República Velha, o que acontecia em São Paulo, em matéria cívica, era muito mais revelador de civilização do que em outros Estados do Brasil, onde ainda operava o bacamarte como poder eleitoral.

 

A luta, pois, não era uma luta de princípios, mas de interesses regionais.

 

Não há, porém, cogitar agora quais os motivos da revolução de 30. O importante é saber quais os seus efeitos sobre a vida em Rio Preto, e particularmente sobre a nossa. A vida da cidade ficou quase paralisada. Pela primeira vez se notava certa cisão, de origem partidária: um grupo conservador, contrário à revolução, e outro favorável. Este talvez mais numeroso.

 

As notícias davam a luta como indecisas no sul e vitoriosa no norte, desde o princípio. No Rio o governo do Presidente Washington continuava a resistir. Em nossa comarca quase cessou o trabalho forense.

 

Mas ocorreu o seguinte: o destacamento local foi requisitado para, juntamente com outras tropas, ocupar postos de combate na fronteira mineira pela qual se temia uma invasão.

 

A comarca tinha então na Cadeia cerca de 70 criminosos da pior espécie. Uns cinco ou seis de crimes contra a propriedade e os mais de crimes de morte. Como podia, sozinho, o carcereiro todos os dias penetrar nas celas, cada qual com seis ou sete homens prontos para qualquer violência?

 

Como tais réus estavam presos sob ordem minha, cumpria-me tomar as providências para que não escapassem pela fuga, às penas a que tinham sido condenados.

 

Convoquei o pessoal do foro: promotor, advogados, escrivãos e escreventes para, sob a minha presidência, resolver o assunto. Mostrei o perigo que corria a população de Rio Preto se adquirissem a liberdade, numa cidade rica e sem guarda, esses setenta facínoras.

 

Convencemos então organizar uma guarda, que seria superintendida por mim e pelo promotor público. Assentamos, desde logo, que essa guarda seria estranha à luta, que se faria em outros setores e visava somente a vigilância dos presos. Não se falaria sobre a revolução, nem para aplaudi-la, nem para censurá-la. Foi eficiente a guarda até agradável o serviço. Advogados e funcionários em número de seis a oito de cada vez, faziam plantão, armados com as armas que possuíssem. Todos manifestavam muito boa vontade. Os que estavam no corpo da guarda, embora atentos, conversavam, contavam pilherias dentro de um ambiente de ótima camaradagem. Eu e o promotor não fazíamos guarda, mas nos revezávamos na presença ao Fórum, dia e noite, para quaisquer providências. Nenhum incidente desagradável ocorreu.

 

Mas um susto, não a mim, mas às Leis, viria ameaçar-nos.

 

A revolução terminara. O Governo estadual estava deposto. Mas não se sabia ainda, em Rio Preto, quais as novas autoridades tanto estaduais como locais. Chegadas que foram as primeiras notícias, elementos revolucionários, até então não ostensivos (os que durante a revolução se conservaram ocultos e só se manifestaram após, eram chamados melancias, porque eram verdes por fora e vermelhos por dentro), surgiram aos milhares, querendo, desde logo, como vencedores impor a sua vontade. Na cidade havia então mobilizados um grupo de oitibóias perigosos. Que eram oitibóias? Logo que rebentou a revolução tratou o Governo estadual de aumentar a Força Pública, organizando batalhões da emergência. Os soldados desses batalhões recebiam oito mil réis por dia, com direito à bóia. Ficaram conhecidos por oitibóias. Os oitibóias eram engajados sem quaisquer formalidades, dada a pressa que havia e acantonados em as principais cidades das fronteiras, para defesa contra as tropas inimigas que viessem por Minas, Mato Grosso e Paraná. Rio Preto foi uma delas. Na própria comarca, junto as fronteiras, como é do hábito se acoitavam muitos criminosos que, procuravam escapar à ação da Justiça de um Estado, transferindo-se para outro. E trataram de alistar-se formando o maior contingente dos oitibóias.

 

Na agitação reinante, o Governo revolucionário recomendou aos amigos do interior que tomassem conta das municipalidades e expulsassem ou aprisionassem quaisquer tropas irregulares. O diretório revolucionário de Rio Preto (logo se constituíra um diretório) entendeu-se com o Governo revolucionário estadual (ou apregoou que se entendera) e pensou em expulsar as tropas irregulares (cerca de 100 homens) que ainda estavam em fase de instrução. Responderam-lhe os oitibóias, que eram instruídos por sargento da Força Pública, que estavam prontos a se entregarem desde que lhes fossem pagos os salários prometidos. E apresentaram as contas. Mas quem iria pagar? Quem possuía poderes para, ao menos, assumir a responsabilidade da dívida? Enquanto isso, continuariam eles onde estavam, bem armados, ameaçando resistir, caso tentassem desalojá-los. Os revolucionários de S. Paulo não cuidavam, porém, de distrair forças para Rio Preto, porquanto, das que dispunham, umas nem sequer ainda haviam chegado e outras iriam diretamente ao Rio para ajudar a garantir a posse e os primeiros tempos de exercício do snr. Getulio Vargas.

 

Estava assim a população de Rio Preto na iminência de um choque armado perigoso: populares amotinados, armados de revólver e tropas melhor armadas, ainda que menos numerosas.

 

O delegado de Polícia (que tinha estado ausente nos primeiros tempos) assumiu seu posto. Em reunião em que tomamos parte eu o Delegado de Polícia e o Prefeito Municipal, Dr. Cinobelino de Barros, ficou deliberado entrar em entendimento com o sargento comandante dos oitibóias. E estabeleceu-se um acordo: o Prefeito Municipal, pelos cofres da Câmara, pagaria aos oitibóias o que lhes era devido; eles, porém, entregariam as armas com a promessa minha de que tais armas não seriam empregadas contra eles. No dia seguinte, em dada hora, o Prefeito faria o pagamento ao comandante das tropas, no edifício da Municipalidade, presentes eu, o Prefeito, o Delegado, Vereadores e outras pessoas gradas de Rio Preto, na conformidade da folha de pagamento.

 

O acordo não estaria em termos modelares, mas fora o bastante para ser atingido o fim colimado – a entrega das armas. Foram transportadas, por pessoas de minha confiança, para o edifício do Fórum, devidamente contadas.

 

Mandei colocá-las num compartimento da porta e janela de ferro (o Fórum era também Cadeia), e fiquei com a chave. Depois de tudo terminado, alguns advogados, que conheciam o manejo de armas de guerra, por terem feito o serviço militar, me ponderaram, que armas, tais como estavam, podiam ser facilmente tomadas por civis revoltosos, porque não tínhamos guarda eficiente para o impedir. Havia, porém, meio de inutilizá-las provisoriamente, tirando-lhas certa pecinha, que seria guardada em separado. Assim os fuzis ficariam inofensivos.

 

O argumento me pareceu forte. Quando não havia mais pessoas presentes, a não ser duas ou três que eu mandara ficar para auxiliarem e que entendiam de armas, foram retiradas as tais peças. A retirada fazia ruído, semelhante ao de arma que se engatilha. E foi ouvido de minha casa, que era vizinha ao Fórum. Assustou-se a Lais, pensando que estavam sendo engatilhadas armas para algum combate, que se daria no Fórum, onde eu estava. Afinal, pela madrugada, pronto o serviço eu me retirei para casa, enquanto pessoa de minha confiança levava no automóvel próprio, em vários pacotes, as tais peças perigosas. No Fórum ficaram os fuzis. Em casa a Lais estava apavorada. Mas tudo terminou bem. No dia seguinte, à hora marcada fez o Prefeito o pagamento prometido, com a anuência de todos os vereadores, e lacrou-se um termo com justificação explicativa do ato, e assinatura das pessoas presentes. Um mês após, mais ou menos, regularizada a situação do Governo em S. Paulo, dirigi um oficio ao comandante da Força Pública em que comunicava que armas com etiqueta da Força Publica, por tais e tais motivos, se achavam em meu poder e pedia providências para a fácil entrega.

 

Veio um Oficial – Major Otacílio Franco, receber as armas.

 

Continuava anormal a situação política, posto houvesse sido um governo em S. Paulo presidido pelo Cap. João Alberto, tendo como Secretários vários nomes, aliás respeitáveis, das paulistas, entre os quais José Maria Whitaker, Plínio Barreto e Vicente Ráo.

 

Dado o alto valor dos nomes, a revolução foi bem aceita. Começaram, porém, os novos administradores a empreender as reformas que julgavam necessárias. Foram demitidos todos os delegados de Polícia e substituídos por outros da confiança do novo governo. Correu o boato de que iriam ser também dispensados todos os juízes. Preparei-me para recomeçar a vida. Agora seria advogado.

 

Para a minha possível vaga em Rio Preto apareceu logo um candidato – era um alfaiate baiano, revolucionário antigo, que desejava ser magistrado. O caso me entristeceu, porque se o bravo alfaiate se achava com capacidade para ser juiz de Direito, eu não me sentia com competência precisa para ser alfaiate.

 

Mas afinal tudo não passara de boatos. Ocupava a pasta da Justiça Dr. Plínio Barreto, brilhante jornalista e advogado emérito, cuja alta personalidade era, como foi, uma garantia para todos.

 

Foram apenas retiradas, em todo o país, as prerrogativas de vitaliciedade e inamovibilidade dos juízes.

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*Trecho do livro "Memórias de Portas a Dentro", gentilmente enviado por Laïs Helena Teixeira de Salles Freire (neta do saudoso Ministro)

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