dr. Pintassilgo

Cananéia

Migalheiros amigos, saudações !

 

Antes que comece a expor meu relato para seus olhos que, carinhosos me recebem, quero delinear em linhas expressivas a minha saudade ! Dias de descanso são necessários e se o Altíssimo precisou de um repouso, o que dirá de nossa débil carne ?

 

Ainda assim, o solilóquio a qual tive de me ater foi duro...

 

Que bom revê-los !

 

E neste instante amigos - à parte minha saudade - estou no Vale do Ribeira, no extremo Sul do Estado, salgando as asas na cidade de Cananéia.

 

Depois de andar por nascentes, lagos e rios, eis que estou finalmente na foz das águas. Pela primeira vez chego ao mar.

 

E começo minha jornada pelo litoral paulistano pela comarca mais austral de São Paulo. É aqui, nessa terra, que cravo meu vexilo. Nessa terra que é História, que respira História, uma verdadeira máquina do tempo formada por casas e ruas...

 

Observando Cananéia, a curiosidade alarmou minha alma a ponto de a tudo querer saber, ouvir, ler e conversar sobre...

 

Tenho (e creio que vocês também) uma ânsia de descobrir a raiz das coisas : o porquê, onde, quando, como e quem.

 

Imagino sermos de uma gigantesca árvore genealógica, uma quase infinita sequóia que sustenta a todos nos seus galhos e identificados.

 

Tenho uma certeza : a Filosofia, a Matemática, a Geografia, a História, todos os nossos saberes, na sua raiz têm um só fundamento : da onde viemos e para onde vamos.

 

E andando em Cananéia, essa busca do "onde viemos" ficou irresistível !

 

Segundo alguns estudiosos, apesar de a História não ter deixado sinais mais concretos, a cidade pode ter sido fundada antes mesmo de São Vicente.

 

Um misterioso personagem, o "Bacharel", de origem controversa (seria ele português? Judeu convertido em cristão, o chamado "cristão novo" ? ou seria espanhol?), de situação mais indefinida ainda (seria ele um degradado?) por aqui andou, fundando a Vila, mantendo contato com os índios e sendo respeitado por toda esta região. Isso, amigos, antes mesmo da chegada de Martim Afonso de Souza, vejam só...

 

Alguns sustentam que o "Bacharel" (alcunha dada pela erudição refinada que apresentava), era Cosme Fernandes, um degradado que aqui uma pena veio cumprir, e se enriqueceu com a venda de índios como escravos.

 

Outros mantêm que esta famosa figura chegou em 1499, deixado nesta terra por outra expedição, ou seja, antes da armada de Cabral.

 

Apenas sei que os passos deste misterioso personagem parecem me acompanhar, aumentando mais ainda meu desejo de saber.

 

- De onde viemos? Para onde vamos?, coço minha penas em silêncio.

 

Muitos tentam explicar na ausência cruel, quase um escárnio do mundo para que continuemos sem desvendá-lo.

 

No Fórum, entro como um sopro gélido.

 

Será o fantasma do "Bacharel"?

 

E noto os mesmo fatores preocupantes, sendo o mais contundente a ausência de magistrado titular.

 

Desse jeito, ainda a pergunta ecoará mais forte : para onde vamos ?

 

Ao que parece apenas os substitutos, recém ingressos na carreira, são enviados para lá. Como ainda não possuem o apanágio da inamovibilidade, conquistada só depois do estágio probatório, são "enviados", assim como foi outrora o outro "Bacharel". Os magistrados, que já por lá estiveram, é que podem confirmar-nos isso.

 

Mas o fato é que há a queixa da população da ausência de um magistrado titular que lá finque âncora.

 

Ando na praia e um vento forte quase tomba meu corpo e meus pensamentos...

 

O mar inicia um princípio de revolta e sua imponência é assustadora. Ele é severo, intempestivo qual seu monarca Netuno...

 

No balançar das ondas vão também minhas idéias. Um dia tudo isso irá se acertar ? Nós, a Justiça, o Brasil ....

 

Quando esses homens todos, de nascedouro incerto, aqui aportaram, tudo era exuberância, perigo, mistério e sedução. Uma promessa que poderia ser cara, ou não. Hoje, não sei o que somos mais : uma promessa sincera ou uma alegoria gigantesca, travestida de Nação. Sou um otimista e prefiro pensar na primeira opção.

 

Envolto já na areia que sobe pelo vento, fico imerso em pensamentos :

 

- De onde viemos? Para onde vamos ?

 

Num piscar de olhos, vejo um vulto que logo desaparece. Um mistério ou um cisco nos olhos ? Não sei...

 

Vou-me embora cheio de incertezas da importante Cananéia ; se o passado é cheio de enigmas, tudo bem....

 

Mas que resolvamos as questões do presente....

 

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