dr. Pintassilgo

Penha

De volta à capital, aqui estou.

Depois de viajar nas ondas do mar, revejo novamente a imensidão de pedra.

E a vejo reanimar-se, ainda que demoradamente. Nem poderia ser diferente: gigantes precisam de mais tempo para recompor-se: afinal, seus tombos não são pequenos tropeços.

E neste momento adentro o bairro da Penha.

Caminho logo para o Fórum. E o que vejo é mais uma bandeira de nossa caminhada. Encurralados no meio de edifícios de papel estão os serventuários.

Trabalhadores, honrando o sentido mais nobre da palavra, eles manejam o corpo físico do Direito, mantém o diálogo diário com os causídicos; muitas vezes dispensam do seu próprio bolso quantia para trabalhar, com computadores ou outros objetos. Abnegação palpável, muitas vezes não considerada. É complicado pagar para trabalhar.

Louvores aos serventuários da Penha, da Capital e de todo o Estado, por serem a linha de frente do hoje atribulado Poder. Penso num poema de Bertold Bertch, o qual saco de meu embornal abarrotado (mais uma gentileza do amado Diretor, que passou uma circular, na qual severamente me admoestou, culpa de minha temporada no litoral ter sido um pouco mais longa que o planejado; mande mais notícias, Senhor). Eis os versos:

QUEM FAZ A HISTÓRIA?

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam os nomes dos reis.
Os reis arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruída
Quem ergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro
Moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros
Na noite em que ficou pronta a Muralha da China?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo.
Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A decantada Bizâncio só tinha palácios
Para seus habitantes?
Mesmo na legendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Os que se afogavam gritaram por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os gauleses,
Não tinha pelo menos um cozinheiro consigo?
Felipe de Espanha chorou quando sua armada naufragou.
Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?

Uma vitória a cada página.
Quem cozinhava os banquetes da vitória?

Um grande homem a cada dez anos.
Quem pagava as despesas?

Tantos relatos.
Tantas perguntas.

Assim pergunto: o que seria de nosso Leviatã, sem seus braços ?

Observo os serventuários da Penha e logo me vem à cabeça os de todas as comarcas pelas quais passei. Claro que existem exceções, como alguns poucos que são rudes, outros que agem como se estivessem sempre exaustos, alguns despreparados. Mas, sem alguns desses, seria a utopia em plenitude. Ainda bem que estes são minoria, felizmente.

Aqui na Penha, clamam por planos de carreira.

Bingo ! Com horizontes o desejo de ir adiante aumenta, dobra-se a força dos músculos ! Quando grades interrompem a vista, prende-se as expectativas, os ânimos tornam-se esquálidos. Isso não é exclusivo dos trabalhadores da Justiça, é do Homem.

Ei, Homem. Aliás, mais uma vez maltratado, por aqui na famosa Piratininga.

O sistema de saúde por essas plagas anda a desejar (alguma nova?), a população reclama para os ouvidos que são surdos por conveniência. Os amigos migalheiros já sabem de quem são estes ouvidos espertalhões...

De certo, os donos destes ouvidos sabem o que se passa, mas agem como os famosos três macaquinhos: não ouvem, não vêem, não falam.

No meio de estruturas de brinquedo (à parte o sentido lúdico), a sorte é contarmos com pessoas abnegadas, assim como Catarina de Albuquerque , que nasceu em 1879 aqui na Penha. Dona de olhos claros, possuía traços angelicais e tinha como marca a bondade. Seu pai fora administrador de uma olaria no Tatuapé. Foi notável enfermeira, atendendo mais de 1.500 doentes quando a Penha, como o mundo, foi varrida pela gripe espanhola. Costumava orgulhosamente contar que nenhum de seus assistidos faleceu, em razão de seus cuidados espirituais e materiais. Consta que na Revolução de 1924, salvou muitos soldados e oficiais da sede e inanição.

Temos, apesar do Estado cambaleante, qual um Golias estirado, a sorte de contar com pessoas de vontade férrea.

Como a maioria dos serventuários, dos causídicos, dos magistrados, dos promotores e gente boa mesmo, como foi D. Catarina de Albuquerque

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