Sem graça

17/3/2010
João Luiz M. de Mello

"O voto do i. relator mais parece um daqueles spams que recebemos em nossas caixas de e-mail, com recortes de textos engraçadinhos ou indignados, via de regra apócrifos (embora, no acórdão, não seja esse o caso) tirados da internet (Migalhas 2.346 - 16/3/10 - "Sem graça" - clique aqui). Parece-me que o Relator mediu os outros pelas suas próprias condutas. Se o insigne magistrado não vê restrições em rir de si mesmo, não pode impor tamanha boa vontade a todos os outros - principalmente quando age não em nome próprio, mas como membro do aparato jurisdicional do Estado. Eu até posso achar razoável rir de mim mesmo, mas daí a aceitar que ninguém pode reclamar se sentir ofendido pelo fato de ter sido transformado em motivo de chacota, são outros 500. Não li as razões do apelante, e nem as do apelado. Me espanta apenas que um Magistrado profira uma decisão, no exercício da atividade jurisdicional do Estado, fundamentando a negativa da pretensão do Autor por que ele, o Magistrado, não acha ofensivo rir de suas características físicas. Talvez assim entenda porque a maioria dos casos de obesidade - meu caso - advém da nossa própria conduta, e uma forma de escapar da culpa que sentimos por sermos assim seja justamente 'tirar sarro' de nós mesmos. Certamente, não é o que se passa com aquele que sofre de alguma deficiência física ou mental congênita - este não tem a menor culpa por sua situação, o mesmo ocorrendo com aquele que é envolvido, por exemplo, em um acidente de carro e perde o movimento, por exemplo, das pernas. Meia dúzia de frases de efeito não substituem um bom argumento jurídico. É um novo tipo de decisão: não se citou um único precedente jurisprudencial, nem um mísero doutrinador. Foram citados alguns humoristas (em vez de fulano de tal, em sua obra Curso de ..., lemos um Danillo Gentili, em seu Twitter), um amigo do magistrado, e discutíveis argumentos trazidos de um jornal de qualidade editorial duvidosa. O que mais podemos esperar? Novamente, não questiono o mérito da matéria sobre a qual versou a demanda. Somente os fundamentos que sustentam a tão comemorada decisão."

Envie sua Migalha