Caso Isabella

29/3/2010
Lilla de Macedo Lima - advogada e professora de Direito Constitucional, Ciência Política e Teoria Geral do Estado na Universidade de Rio Verde

"Não é gol do Corinthians, não é réveillon, não é apuração de pontos sobre o desempenho das escolas de samba, não é comício, não é show pirotécnico, não é fila de emprego, não é protesto por causa dos mensalões ou dos atos secretos do Congresso... é o povo vibrando, gritando de alegria, pulando, empunhando faixas e cartazes, em frente ao Fórum de Santana, zona norte de São Paulo, comemorando a desvalorização da família, o fracasso da própria sociedade, os excessos midiáticos, a condenação de duas pessoas pelo resto de suas infelizes vidas. A reação da população é realmente de causar espécie. Um crime, uma família desfeita, um julgamento que antes de começar já tinha a sua sentença pronta. Infelizmente a pequena Isabela não foi a primeira criança a ser lançada pela janela de um prédio e nem será a última. Entre o acontecimento desse crime e o julgamento do casal Nardoni, a enfermeira Tatiane Damiane jogou sua filha de oito meses pela janela do sexto andar do prédio onde morava em Curitiba/PR; Tharlane Nogueira lançou seu filho de quatro anos pela janela do segundo andar em Itaúna/MG. Milhares de crianças todos os dias são submetidas à prostituição, a trabalho escravo. Sofrem maus tratos em casa. São vítimas da bullying nas escolas onde estudam. Passam fome. Não vivem em condições mínimas de dignidade e nem por isso tenho visto a sociedade perder noites de sono para se mobilizar em favor delas, ao contrário do que aconteceu recentemente em São Paulo: filas durante a madrugada para garantir um lugar na platéia do grande show jurídico que foi o julgamento dos Nardoni. Como cidadã e profissional do Direito, tinha certa a convicção de que a mídia tem o papel de informar, a política de investigar, o Ministério Público de denunciar e os juízes de julgar. Julgamentos pré-concebidos normalmente se distanciam da justiça. Não se olvidem do casal Maria Aparecida Shimada e Ikushiro Shimada, donos de uma escola infantil, e de seu funcionário Maurício de Alvarenga que, em 1994, foram acusados por duas mães de alunos da Escola Base, localizada no bairro paulistano da Aclimação de promoverem orgias com as crianças da escola. A polícia, representada pelo delegado Edélcio Lemos, logo acatou a denúncia e promoveu, com grande ajuda da imprensa, uma verdadeira 'caça às bruxas' contra os três envolvidos. A mídia os execrou: o jornal paulista A Folha da Tarde exibiu em manchete: 'Perua escolar carregava crianças para orgia' e a capa da revista Veja trazia a chamada: 'Escola de horrores'. Ao final, foi constatada sua inocência, a mesma mídia que apedrejou, teve que noticiar a falsidade das denúncias. Todos são capazes de matar, de forjar suas emoções sobre um túmulo, isso ninguém contesta, mas poucos são aqueles que reconhecem o quanto a sociedade está doente. Menos ainda são os que fazem alguma coisa para reverter essa situação."

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