Caso Luziânia

16/4/2010
Roberto Luiz Corcioli Filho - juiz substituto em Campinas

"Acerca do caso Luziânia, independentemente de a progressão ao regime aberto ter sido ou não a melhor solução para o caso, chama a atenção um outro ponto (Migalhas 2.366 - 14/4/10 - "Luziânia"). No mundo jurídico, como sabemos, em boa medida em razão da imprecisão e muitas vezes da própria inconstitucionalidade das leis – e outras vezes simplesmente por se inserir no campo social e humano do conhecimento –, acerca de diversos temas há comumente vários entendimentos tidos como defensáveis. O que não se pode conceber é o fuzilamento moral de um juiz por ter adotado tal ou qual posição, conforme as características do caso concreto. Os Tribunais Superiores, diante da lei de execução penal, sequer entendem que a prévia realização de exame criminológico seja imprescindível para a concessão de progressão de regime – havendo decisões, inclusive, no sentido de que pouco importa a gravidade do crime pelo qual foi condenado o sujeito, sendo de rigor a análise, tão-somente, de sua evolução no cumprimento da pena (HC 87156/SP e AgRg no HC 145898/SP, e.g.). Nessa linha, vale a pena refletir sobre algumas questões que afloram do caso em discussão : e se o detento tivesse sido mantido em regime fechado até o cumprimento final de sua pena, a quem a ira vingativa de alguns iria culpar pela sua soltura, ao final do cumprimento da pena, caso voltasse, em seguida, a delinquir ? E se, ao final da pena, fosse o detento civilmente interditado, mas não se tornasse possível na prática sua internação em razão da ausência de hospital psiquiátrico adequado, por conta do chamado Movimento Antimanicomial ? E se tivesse sido 'absolvido' por ser inimputável e lhe tivesse sido aplicada uma internação em manicômio judicial, mas, ao cabo de alguns anos fosse beneficiado por um decreto presidencial que concedesse indulto às pessoas 'submetidas à medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2009, tenham suportado privação da liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena cominada à infração penal correspondente à conduta praticada' (Decreto nº 7.046/2009 – assinado em conjunto com o respectivo Ministro da Justiça, é de se ressaltar) – como soe acontecer ? Independentemente das respostas que possamos dar às questões supra, duas coisas são certas : 1) atos bárbaros infelizmente ocorrem e não são explicáveis de modo simplista, com discursos vingativos, sendo que algumas vezes são, em última análise, simplesmente inevitáveis, ao menos no atual estado de coisas; e 2) injusta e muito preocupante a crítica cega dirigida ao magistrado em questão – que, evidentemente, sequer conheço. Se a decisão não foi a mais acertada – e nessa avaliação já há um grande problema, ante a ausência de um critério seguro e absoluto a ser utilizado –, que houvesse recurso e sua reforma nas instâncias superiores. Agora, 'convocar' o magistrado para prestar esclarecimentos a uma CPI isso é atentar contra a democracia, que exige um Poder Judiciário independente e imune a perseguições por razões de opinião jurídica fundamentadamente explicitada, sob pena de chegarmos ao ponto de termos um exército de sujeitos temerosos desempenhando a função que constitui a última ratio para aqueles que têm seus direitos violados. Asseguro que essas palavras não são ditas em razão de minha condição de magistrado – o que pode trazer certa suspeita de corporativo a elas –, mas sim pelo meu status de cidadão. Da mesma maneira que este informativo, sabiamente, conclamou os migalheiros a difundirem o direito de defesa diante do turbilhão provocado pelo caso Nardoni, acredito ser também nossa função, como operadores do direito, colocarmos os devidos pingos nos 'is' em casos como o presente, ainda que a contragosto de boa parte da 'opinião publicada'."

 

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