Territorialidade

26/7/2010
Alencar Leite Agner - OAB/PR 10.419

"Li a migalha e me contive (Migalhas 2.424 - 8/7/10 - "Territorial, mas na era virtual?" - clique aqui). Mas agora resolvi escrever. Parto do enfoque dado na migalha: 'O serviço, neste caso, não é o de mera e simplesmente expedir-se uma carta pelos correios. O registrador qualifica o documento quanto à sua regularidade formal, registra-o (faz constar de seu acervo permanente como prova do conteúdo e memória perpétua do fato), expede a notificação por meio de carta e controla seu recebimento, anotando, também o resultado com fé pública de prova. Por isso quando se expede uma notificação extrajudicial via cartório, não se paga apenas e tão somente o serviço de remessa postal. Os serviços de registro envolvidos são tabelados por cada estado conforme entenda conveniente, daí a divergência nos valores.' A questão não se resume ao preço do serviço. Ocorre que a alienação fiduciária é uma excrescência digna da sua origem: Dec.-lei 911, de 1/10/69, sob a inspiração do regime militar, agora piorado pela 10.931/2004, de tal modo que o bem é apreendido e o credor pode vendê-lo (Art. 3º, '§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária', antes mesmo do prazo para a contestação (Art. 3º, '§ 3º O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar'). Isso em antinomia com o disposto no art. 1.365 do Código Civil e contrariando o que dispõe o art. 1.428 do Código Civil: nulidade do chamado 'pacto comissório'. A alienação fiduciária pode ser sobre imóveis (lei 9514/97), com notificação para pagamento em 15 dias (art. 26), ao cabo do que, sem previsão de defesa, o oficial de registro de imóveis transfere o imóvel para o credor. E mais, essa garantia pode ser contratada por instrumento particular (Medida Provisória 221 de 1º de outubro de 2004, no artigo 27 § único dando a seguinte redação: 'A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário'). Um paraíso para os agiotas. Agora praticamente todas as empresas - fábrica ou comércio - têm uma financeira ou banco vinculado. Uma extensão do departamento de venda: vendas casadas com operação de financiamento, ao arrepio do CDC: art. 39 inciso I – 'É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos. 'O desencadear do procedimento está na comprovação da mora ou inadimplemento. E, no caso da alienação sobre imóveis, do procedimento de notificação pelo registrador. Daí a súmula 72 do STJ: 'A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente. 'Abstraindo a possibilidade do protesto, que também deve ser no domicílio do devedor, a notificação deve ser entregue pessoalmente ao devedor. Dentre outros: REsp. 158.035/DF – terceira turma –Rel. Min. Ari Pargendler- DJU 25/3/02): 'Civil. Busca e apreensão. Alienação Fiduciária. À Constituição da mora não basta que a notificação tenha sido processada pelo Cartório de Protesto de Títulos e Documentos; é preciso a prova de que tenha sido recebida pelo devedor. Recurso especial conhecido e provido'. Porém, ocorreu que se passou a fazer a notificação mediante expedição de carta pelo correio, o que gerou uma distorção do procedimento, porque o correio nem sempre entrega a carta ao destinatário, havendo casos de entregar ao vizinho, o que não atende ao objetivo legal. Buscar nos correios a prova da entrega é impossível na prática, porque os registros são precários. E, com base nesse precário procedimento, o bem é apreendido, vendido em 5 dias, antes mesmo da contestação. Num cotejo do que deveria ser, cabe observar o contido no art. 160 da lei 6015/1973. 'O oficial será obrigado, quando o apresentante o requerer, a notificar do registro ou averbação os demais interessados que figurem no título, documento ou papel apresentado, e a quaisquer terceiros que lhe sejam indicados, podendo requisitar dos oficiais do registro, em outros municípios, as notificações necessárias. Por esse processo, também, poderão ser feitos avisos, denúncias e notificações, quando não for exigida a intervenção judicial.' (sublinhado aqui) Com o procedimento diverso do que foi recomendado pelo CNJ o que ocorreria é a extensão das atribuições de um cartório para todo o território nacional e, quando um devedor precisar buscar uma certidão da notificação, que sequer recebeu, ficar sem ter aonde ir, porque impraticável recorrer a todos os cartórios do país. Exemplificativamente: um banco com sede em Osasco/SP, devedor com domicílio em Guarapuava/PR, onde o contrato foi firmado, a notificação foi expedida por um cartório de Cariacica/ES e a carta entregue a um terceiro sequer conhecido (AI 572317-9, 18ª Câm. Cível TJ/PR). Por essas razões, há mesmo necessidade de a notificação ser procedida pelo cartório do domicílio do devedor, o que também deve ser observado no caso de protesto do título."

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