Princípio da insignificância

13/4/2005
Breno Ferreira Martins Vasconcelos - advogado

"Prezados Senhores, Peço a este meio de comunicação com amplo alcance no meio jurídico a divulgação da notícia abaixo, publicada no caderno "Cotidiano" da Folha de S. Paulo de hoje (12/4/05):

"Maria Aparecida de Matos, 24, tenta esconder o lado direito do rosto. Passa a mão pela face várias vezes, vira a cabeça para o lado. Vaidosa, afirma que já foi bonita e pergunta o que pode ser feito para ter o rosto de antes. Empregada doméstica que só sabe desenhar o nome, mãe de dois filhos pequenos, ela completa hoje dez meses e 26 dias na prisão. Maria Aparecida é acusada de tentativa de furto (sem uso de violência ou ameaça). Teria tentado levar um xampu e um condicionar, no valor de R$ 24, de uma farmácia de São Paulo. Foi em uma cadeia de responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública que ela diz ter sido agredida vários dias por outras presas, supostamente incentivadas por um funcionário. Um líquido -água fervendo ou uma substância química- foi jogado em seu rosto. Ela teve queimaduras de segundo grau na face e perdeu a visão do olho direito. O drama de Maria Aparecida, transferida para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha (Grande SP) após a agressão, mobilizou entidades como a Pastoral Carcerária e a Acat (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura). Ela virou protagonista de uma discussão jurídica sobre a prisão para crimes de valor irrisório e de baixa periculosidade. Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) defendem a aplicação do princípio da insignificância - jurisprudência que prevê a suspensão do processo nos crimes de valor irrisório, sem violência ou ameaça. Em 2004, o STF suspendeu o processo contra dois jovens, um de São Paulo e outro de Mato Grosso do Sul, em situação semelhante à de Maria Aparecida."

O inconformismo diante de casos como esse não pode se resumir ao nosso desconforto mental. Como operadores, e muitas vezes criadores, do direito temos que nos insurgir contra essa linha de atuação de alguns integrantes do Poder Judiciário. Veja como este país é contraditório. O novo ministro da Previdência, Romero Jucá, é acusado pelo fisco federal, em um dos diversos processos que correm em seu nome, do desvio de 1,45 milhão de reais de verbas federais (na mesma Folha de S. Paulo, caderno "Brasil"), valor este que daria pra comprar mais de 60.000 xampus iguais ao que a acusada furtou de uma farmácia em São Paulo. Pergunta: alguém acha realmente possível que o ex-senador venha a cumprir metade da pena que Maria Aparecida já cumpriu? Enfim, espero que seja aberto o debate sobre o tema da aplicação do princípio da insignificância, para num futuro próximo evitarmos o absurdo jurídico, e humano, representado por esse caso. Atenciosamente,"

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