Arte

24/9/2010
Dirceu Augusto da Câmara Valle - advogado

"Não me representa (Migalhas 2.474 - 20/9/10 - "Arte - I" - clique aqui). Tá lá na Constituição Federal pra todo mundo ver que 'é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença'. Acontece que a OAB/SP - não a figura do seu presidente que individualmente poderia falar qualquer bobagem amparado no mesmo dispositivo que resolveu atacar expondo toda a classe, conseguindo solapar em instantes a construção que a fez grande por sua posição contra o arbítrio, oficiou ao Ministério Público apontando 'apologia ao crime' nos desenhos do pernambucano Gil Vicente que serão expostos na 29ª Bienal de São Paulo. Explicando o imbróglio, em uma série de auto-retratos o artista se coloca como carrasco na iminência de dar cabo na vida de figurões como Bush, Ariel Sharon, Elizabeth II, Kofi Annan e Bento XVI, partindo para Eduardo Campos e Jarbas Vasconcelos e, finalmente, Fernando Henrique Cardoso e Lula, todos sob mira de arma de fogo com exceção do atual mandatário-mor que por algum motivo mereceu uma faca no pescoço. A iniciativa da censura partida pelo battonier que não encontrou eco entre a maior parte dos advogados, reacionária ao extremo, foi rechaçada pela curadoria da exposição. Acertadamente deram de ombros à bobagem propalada que mereceu repulsa quase que geral. Depois do silêncio constrangedor do Conselho Federal da OAB que não se atreveu a fazer coro com a atabalhoada iniciativa e da crítica da OAB/RJ, sobreveio manifestação - pasmem ! - no sentido de que não se quis limitar a arte, mas sua divulgação. Se o desenho ficasse trancado em um cofre boca de lobo nenhum problema. Evidente que a emenda saiu pior do que o soneto. Dizer como se disse que o artista com seus desenhos fomentaria práticas homicidas é uma visão tacanha, estreita, limitada, daquelas de gente que não serve nem para crítico de pintura a dedo. O interesse por certo não é fustigar o fim de um ou outro retratado, mas talvez colocar termo naquilo que cada um representa na visão do 'algoz'. Não bastasse, é pedestre, básico, be-a-bá, até infantil aos que sabem distinguir usucapião de uso campeão, que o crime de apologia só é admitido na modalidade dolosa, intencional, nunca culposa, o que desnatura com mais viço o trololó, mormente quando a vontade na espécie foi outra. Nem toda arte é transgressão. Nem toda transgressão é arte. Todavia, sob pena de relembrarmos momentos não tão recentes vigorosamente combatidos pela advocacia, não cabe a fulano ou beltrano patrulhar o que é ou não digno de ser visto. Preferível a péssima arte do que a ótima censura. Definitivamente, não me sinto representado pela OAB/SP."

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