Células-tronco

6/6/2005
Ulisses Brandão - empresário

"O editorial de hoje (3/6/05) do jornal O Estado de S. Paulo intitulado "Fé não é direito" expõe uma atitude preconceituosa e autoritária que fica distante do que requer a ética jornalística. Preconceituosa porque, para criticar o procurador Cláudio Fonteles, o editorialista desqualifica a Adin por ele ajuizada como sendo um "laivo de proselitismo religioso" e afirma que a interpretação se "fundamenta, inteiramente, em convicções religiosas".  Difícil é entender que tais afirmações não tenham sido feitas de má-fé, pois o editorialista certamente leu a Adin, onde nada há que permita tal conclusão.  Aliás, de tão taxativa, tais afirmações deveriam ser acompanhadas da transcrição dos trechos em que teriam sido baseadas, porém ele se abstém de qualquer citação, mesmo que fora de contexto. Autoritário porque advoga que o procurador pode até ser católico, desde que se torne uma outra pessoa quando investido de suas funções - como se fosse possível separar a pessoa de suas convicções - e produza suas interpelações a partir do único ponto de partida correto, ou seja, o seu. Lembra, com correção, que para a Igreja católica, a vida humana se inicia na concepção, porém contrapõe-se a isso argumentando que "No direito positivo brasileiro, no entanto, ... a pessoa física só surge em razão do nascimento com vida"Se fosse verdade que o direito brasileiro reconhece a existência da pessoa somente após o nascimento, ele estaria tacitamente amparando o livre aborto...  Poder-se-ia abortar nascituros em qualquer idade... com 8 meses...  e por aí vai.  Este argumento é que pode ser qualificado como filigrana interpretativa! O direito brasileiro, na verdade, tutela a vida humana e espero que o editorialista não considere isto um erro.  E é nisso que se baseia a Adin, apresentando justificativas cientificamente consistentes, emanadas de renomados cientistas do campo médico (e não clérigos ou teólogos), para demonstrar que o ser humano tem seu início na fecundação do óvulo, tendo direitos iguais a nós adultos, sendo portanto tutelado pela lei. Se se pretende ser honesto ao refutar a Adin, tem que se apontar - de modo fundamentado - onde está o início do ser humano. Se assim não for, desfoca-se da questão de princípio para cair em um relativismo utilitarista como o do editorial, cuja proposta é a de aproveitar sobra que será jogada no lixo em nome do bem da ciência, a qual assegura o bem da coletividade e a sobrevivência de alguns.  Qual coletividade? Quais alguns? A dos mais fortes? A dos mais ricos? Se a "sobra" de hoje é o embrião, amanhã serão os mentalmente incapazes, os loucos, os improdutivos ou - como o foi para os nazistas - alguma raça indesejada pelos que ocupam o poder... Afinal, se o princípio for relativo, não é princípio, e qualquer posição pode ser justificada. Se for assim, que desdobramentos podemos esperar?"

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