Crise no governo

16/6/2005
Wilson Silveira - escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados e CRUZEIRO/NEWMARC Propriedade Intelectual

"O Padre Antonio Vieira (Sermões, tomo III), da Companhia de Jesus (Lisboa, 1608-1697), conta que El-Rei D. João III encomendou a São Francisco Xavier que o informasse do estado da India. Diz Vieira que o que o Santo "escreveu de lá, sem nomear offícios nem pessoas, foi que o verbo rapio na India se conjugava por todos os modos":

"Conjugam por todos os modos o verbo rapio, porque furtam por todos os modos da arte. Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos, é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque, como têm o mero e mixto imperio, todo elle applicam despóticamente ás execuções na rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque acceitam quando lhe mandam: e, para que mandem, todos os que não mandam não são acceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e, gabando as cousas desejadas aos donos dellas, por cortezia sem vontade as fazem suas. Furtam pelo modo conjunctivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o d’aquelles que manejam; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem quanto menos meieiros na ganancia.

 

Furtam pelo modo potencial, porque sem pretexto nem cerimonia usam da potência.

 

Furtam pelo modo permissivo, porque permittem que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre já deixaram raízes, em que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas, porque a primeira pessoa do verbo é a sua; as segundas, os seus criados; e as terceiras, quantas para isso têm industria e consciencia.

 

Furtam juntamente por todos os tempos; porque do presente, que é o seu tempo, colhem quanto dá de si o triennio; e, para incluirem no presente o preterito e o futuro, do preterito desenterram crimes de que vendem os perdões, e dividas esquecidas, de que se pagam inteiramente; e do futuro empenham as rendas e antecipam os contractos, com que tudo o cahido e não cahido lhes vem a cahir nas mãos.

 

Finalmente, nos tempos não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plus-quam perfeitos, e quaesquer outros; porque, furtam, furtaram furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em summa, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: - a furtar, para furtar. E quando elles têm conjugado assim toda a voz activa, e as miseraveis provincias supportado toda a passiva, elles, como se tivessem feito grandes serviços, tornam carregados de despojos e ricos; e ellas ficam roubadas e consumidas."

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