Dupla maternidade

2/11/2014
Pedro Luís de Campos Vergueiro

"Talvez seja dificuldade da minha geração e da seguinte também, embora para o fato nessas gerações possam ter havidos pessoas flexíveis, ou tolerantes, ou indiferentes, ou seja lá o que for (Migalhas 3.483 - 28/10/14 - "Miga 2" - clique aqui). O fato é que é difícil de aceitar o que está ocorrendo e sendo feito. Classificar como casamento a união de duas pessoas do mesmo sexo não é coisa fácil de aceitar e assimilar. Ademais, essa modalidade de casamento, a rigor, contraria o que estabelece a legislação vigente, o Código Civil brasileiro, na exata medida em que nele está disposto, com a devida, necessária e suficiente clareza, que o casamento se realiza no momento em que um homem e uma mulher formalmente manifestam o desejo de estabelecer vínculo conjugal perante um juiz e por este são declarados casados. Nesses termos está conceituado, definido o que é o casamento como instituição, a qual, portanto, se consuma legalmente pela união de um homem com uma mulher e, complementando, O Código Civil ao conceituar o que é uma união estável (nova modalidade de entidade familiar), define-a como a 'união entre o homem e a mulher' -, reproduzindo a definição que consta da Constituição de 1988 - 'união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento'. No início de minha vida como trabalhador remunerado, então estudante de Direito (1962/1966) e trabalhando na 3ª Zona Eleitoral, pude constatar que várias pessoas, sobretudo se homens, ficavam constrangidos quando de sua certidão de nascimento, ou casamento, não constava o nome de um pai. Alguns, não obstante, escreviam no impresso dos dados o nome do pai que lhes era conhecido (natural ou padastro ou outro que como tal fosse considerado); e, então, por causa do documento apresentado, tínhamos de esclarecê-los que o nome do pai não poderia constar da sua filiação, apenas o da mãe. Vi um rasgar o título de eleitor que lhe fora entregue. Daí o inevitável constrangimento. E o que poderá acontecer agora, se vingar o entendimento da juíza de Direito de Novo Hamburgo/RS, dra. Traude Beatriz Grabin, que em sua sentença determinou que constasse do registro de nascimento, como ascendentes da criança, os nomes das duas mulheres que a criavam, sendo uma delas a doadora do óvulo fecundado por um espermatozóide de pai desconhecido (mas não desconhecido para o laboratório certamente). Com esse precedente, a mesma orientação poderá ser por ela seguida no tocante à uma criança na posse de dois homens e estes queiram também fazer constar seus nomes do registro de nascimento da criança que criam (um deles poderá até ser o pai natural da criança se tiver ido o doador do espermatozóide). Nesses casos ter-se-á uma criança com dois progenitores do sexo feminino, ou dois progenitores do sexo masculino: em suma, uma imprecisão biológica. Com a devida vênia jurídica, para ser reconhecida a união homoafetiva com efeito de casamento ela deveria estar prevista no texto constitucional, o que não ocorre, e/ou no Código Civil, o que também não ocorre. A união homoafetiva de direito (ressalva-se as uniões de fato que podem gerar direitos) não é passível de ser institucionalizada pelo casamento, com a devida vênia de quem pensa de forma diversa, visto que não foi, nem está, reconhecida em algum texto normativo legal, disciplinando essa relação. Diante dos textos normativos vigentes, ao lado da impossibilidade biológica, social e legalmente o casamento é, como sempre foi, a união formal e solene de duas pessoas de sexos diferentes. É por isso duvidoso o argumento de respeito à dignidade da pessoa humana o determinar fazer constar do registro de nascimento de uma criança, que não tem o direito de se manifestar, o nome de duas mulheres como progenitores da criança. Nem mesmo o princípio da igualdade dá sustentação à mentira da criança ter em seu registro, como progenitores, duas mães ou dois pais. Para contornar e dar uma satisfação ao afeto possível de criar uma criança, um dos companheiros da dupla homoafetiva pode muito bem lançar mão do instituto da adoção para legitimamente colocar dentro de sua casa uma criança. Esse é o caminho jurídico mais que suficiente e hábil para regularizar, na forma da lei, o registro do nascimento da criança acolhida, instituindo-se o vínculo artificial de filiação com todos os direitos decorrentes previstos em lei. Assim, um companheiro adota formalmente criança e o outro acolhe a criança nomeando-a mediante testamento seu herdeiro universal: dessa forma está feita a proteção integral da criança, especialmente os hereditários. A adoção preenche as necessidades afetivas tanto do(a) adotante como de seu parceiro(a). Não existe nenhum fundamento legal, nem mesmo um princípio constitucional implícito que albergue e dê sustentação à orientação seguida pela MM. Juíza de Direito de Novo Hamburgo. Além disso, uma decisão judicial não pode estabelecer vínculo de parentesco que não conte com previsão legal. Os vínculos previstos são a consanguinidade e a adoção. E quanto a esse parentesco mentiroso de duas mães ou de dois pais, o que poderá acontecer no futuro? Quando atingir a idade da razão, o filho poderá não gostar do que está constando do seu registro de nascimento. Esta é uma hipótese plenamente viável, pois na escola, entre os amigos, poderá até estar sendo submetido a bulling por causa isso. Então, essa pessoa somente após atingir a maioridade poderá postular modificação da causa do mal-estar que consta do seu registro civil. Aí, o estrago emocional já estará consumado e, então, a modificação poderá vir tarde demais. Afinal, o que, no caso judicial citado, foi determinado é que constasse do registro de nascimento uma mentira, mentira que nem a todos agrada. E será que agradará à pessoa diretamente envolvida, quando estiver na puberdade e entrando na idade da razão?"

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