Impeachment

23/12/2015
Pedro Luís de Campos Vergueiro

São Paulo, 22 de dezembro de 2015. Juridicamente não há dúvida alguma: está decidido que a Lei nº 1059, de 1950, lei que disciplina os crimes de responsabilidade do Presidente da República e o procedimento do Impeachment, foi recepcionada integralmente pela Constituição de 1988. E está dito com toda clareza possível pelo Supremo Tribunal Federal. Ponto. E de outro lado, não há divergência alguma entre a Constituição e a Lei 1.059, ou melhor dizendo, há praticamente total igualdade conceitual na descrição dos atos praticados pelo Presidente da República que configuram crime de responsabilidade – Artigo 85 da Constituição e artigo 4º da Lei nº 1.079. Apenas redação diferente e de acordo com a linguagem da época em que foi editada encontra-se no inciso II de ambos artigos referidos; a diferença das redações não enseja questionamento algum (“O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados” – “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes Constitucionais das unidades da Federação”, respectivamente). Mas, o mesmo artigo 4º da Lei 1.059 contém um inciso a mais redigido com clareza meridiana: cuida da forma como o Presidente da República tem a obrigação de atuar no trato do dinheiro público - “A GUARDA E O LEGAL EMPREGO DOS DINHEIROS PÚBLICOS” – para não configurar um crime de responsabilidade. Nada de novo. Ponto. Isto posto, a conclusão inevitável é que realmente as chamadas “pedaladas” constituem uma medida que dissimula, disfarça, procura ocultar o mau emprego do dinheiro público. Ponto. “Mau emprego do dinheiro público”: evidentemente o que está sendo qualificado de mau tanto pode ser uma ação como uma omissão, pois de acordo com as lei penais, pode configurar um crime tanto uma ação como uma omissão. Ponto. Finalmente, considerado que na Constituição democrática brasileira, para salvaguarda da observância da lei, foram arrolados motivos que constituem crime de responsabilidade do presidente da República (cópia quase que integral do texto da Lei nº 1.059), a instauração de um procedimento de impeachment é portanto uma medida saneadora constitucionalmente prevista para repor o país no caminho do Estado de Direito que na Constituição está muito bem prestigiado. Ponto. No caso que ora este país vivencia, temos uma presidente, eleita é fato, que no passado, diga-se, não soube bem se conduzir quando membro e presidente do conselho da Petrobrás. Nessa ocasião permitiu a celebração de um negócio altamente prejudicial para este país, o que já está demonstrado à saciedade: o mau negócio realizado com a compra da Pasadena. Esse é um precedente que a ninguém recomenda faça parte das atividades constantes de um curriculum vitae. De outro lado, a resistência governamental está lastreada também no argumento da existência de “pedaladas” levada a efeito em governos anteriores, embora sejam reconhecidas como uma prática administrativa vedada por lei. Tendo a presidente muitos aconselhadores que são profundos conhecedores desse assunto, os quais parece que admitem que as pedaladas podem ser feitas, na realidade então não são bons conselheiros. Ponto. Uma pessoa eleita para ocupar a presidência da República num Estado de Direito Republicano não tem direito vitalício ao cargo. Sua titularidade é temporária e se extingue (deixemos de lado as hipóteses de morte ou doença debilitante incurável e impeditiva do exercício das funções do cargo ou para quaisquer atos da vida civil) quando vencido o prazo do mandato, ou em decorrência de uma decisão dos órgãos competentes que de direito a afastam do cargo. Esta última hipótese é exatamente o impeachment previsto na Constituição para esta exata finalidade: não permitir que desatinos políticos e ilegalidades continuem a ser praticadas pelo presidente da República e sua troupe. Portanto, instaurar esse procedimento, decididamente, neste país democrático que privilegia o estado de direito, não significa “rasgar a Constituição e golpear a democracia”, como quis fazer ver Miguel Rosseto no seu “A Farsa do Impeachment” (Folha de São Paulo, 18/12/15). O “estado” lastimável em que se encontram a população e o Estado brasileiro por si só já é um motivo mais que suficiente para a instauração daquele procedimento tendo por pauta ato (ação ou omissão) que atenta contra as regras do bem administrar as coisas públicas, como: “a probidade na administração”, o “cumprimento das leis” em especial a observância imprescindível da “lei orçamentária”, e por aí vai. É o caso de ser dado destaque ao fato legal de que se configura o crime de responsabilidade mesmo quando apenas tentado (Artigo 1º da Lei nº 1079: “...Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo...”). Ponto. É um desatino de toda natureza argumentar, no caso presente deste país, que a medida saneadora constitucional representa uma retaliação de Eduardo Cunha. A pequenez do argumento é evidente, em face do grande clamor público que vem pedindo a instauração do processo de impeachment (tal qual ocorreu no precedente). Não é uma represália; é a exigência de uma população sofrida. E também, não há conluio algum. O que há e vem se manifestando publicamente nas ruas é a exigência de uma mudança na direção deste país para que o dinheiro público, arrecadado do rendimento do estafante trabalho dos cidadãos, não continue, como vem acontecendo sob a vista complacente da presidente da República, a ser mal utilizado, mal aplicado e, ainda, usado para negociações espúrias e corrupção. O dinheiro da arrecadação fiscal não é para ser esbanjado entre personalidades que não prezam os interesses públicos e sociais. As tais pedaladas que demonstram que o dinheiro público está sendo aplicado contra normas orçamentárias (atentar contra as normas orçamentárias também é crime de responsabilidade), constituem a prática de ato ilícito que enseja a instauração do procedimento do impeachment. Ponto e simples assim. Isso é o golpe (há muitos outros golpes que já estão sendo objeto de investigação da Polícia Federal, alguns já com decisão do Poder Judiciário), é esse o desqualificado golpe que está sendo e vai ser objeto de exame no processo de impeachment. Enfim, o ilegal uso do dinheiro público.

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