Gramatigalhas 10/2/2016 Jamil Lasmar Ao dr. José Maria da Costa, ao ensejo de suas explicações sobre a palavra 'nenhures' (clique aqui), encaminho uma poesia escrita por mim há 43 anos. Nela utilizei a citada palavra, exatamente como seus valiosos ensinamentos indicam. Agradeço pela atenção que for dispensada ao meu comentário. Rosa nefandaRamsal Limaj (BH, 25/2/73)Dia de sol. Rosa vermelha de sangue. Corada, solífera, suas pétalas macias esperam uma presa. Uma abelha ou mosquito, ou mosqueteiro. Astuta e viva. Seu caule-radar vigia o lote do jardim de roseiras. Vigia os inimigos, os espinheiros. O farfalhar da grama seca ou um ruído invisível despertam a ânsia de prender. Vive de presas. Presas. Ao meio-dia espera e espia ao redor do jardim. O painel do radar modifica-se. Há um estranho intruso, uma vítima da fome, talvez. Um zumbir de avião planando no ar, contrariando a gravidade e o espaço. Peludo, de antena em pé, fita a roseira. Observa. Fita o caule. Fita a folha. Fita a rosa. Aproxima-se do recanto. Bote armado para uma picada. Pousa nas macias. Por um momento breve, goza o perfume de pinho. Faz pontaria certeira e prepara o ataque. Zás!!! Tarde demais. As macias fecharam-se num só ângulo. A fome vencia a vontade. O inseto foi feito caça. Mais uma caçada de meio-dia. Digere saborosamente o alimento abatido. Meia-noite do dia, do mesmo meio-dia. Rosa em pé. Em pé de guerra. Apetitosa, sedenta, dentro do alçapão da noite. Espera uma presa. Uma abelha ou mosquito, ou mosqueteiro. Nada! ... O jardim imóvel, clauso. O radar intacto no painel. Espera ... espera ... Nada! Nenhures! ... Impacienta-se. As raízes frouxas se agitam suplicando alimento. O caule torna-se fraco. Delira. As folhas verdes descoram-se. O sereno torna-se uma geada. Nenhuma presa ... Livres ... As pétalas se fecham, vazias. As macias se recolhem ... Mortas! Seu mundo acabou! Envie sua Migalha