Artigo - A questão das quotas nas universidades e sua ineficácia para um verdadeiro acesso ao ensino superior

18/7/2006
Lucas Laurentiis

"Mesmo não concordando com a maioria das afirmações, em geral totalmente infundadas, deste texto, não pretendo contestá-las (Migalhas 1.455 – 17/7/06 – "Cotas nas universidades", Francisco das Chagas Lima Filho – clique aqui). Gostaria de apenas salientar alguns pontos que me parecem óbvios, mas foram completamente omitidos pelo autor. O professor universitário e escritor Boris Fausto afirmou em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de domingo, que há grande confusão no debate das ações afirmativas quanto ao critério de diferenciação entre as raças. Realmente, no Brasil, ao contrário do que ocorre na América do Norte, a diferenciação de etnias gera certo repúdio tanto na população em geral quanto nos meios universitários. É que aqui paira na consciência geral a afirmação tácita da democracia racial, conceito antropológico tupiniquim segundo o qual a miscigenação fez com que as etnias dominadas tornassem-se primas irmãs das dominantes. O povo Brasileiro seria por isso uma massa amorfa de raças indiferenciadas, sem distinção de dominantes e dominados. Tomando isto como pressuposto cabe sempre perguntar, como alias faz o texto que ora comento: porque diferenciar negros e brancos se somos todos iguais? Porque dar cotas para negros e índios se eles têm a mesma capacidade de aprender e subir na vida que um branco? Este é o tipo de questão que não está errada na forma, mas erra pelo pressuposto. Com efeito, o pressuposto da democracia racial é extremamente errado, além do que gera comodismo, sujeição e conformismo com o estatus quo vigente. A igualdade das raças já foi firmada, afirmada e reafirmada desde a elaboração e sanção da Lei Áurea, mas tudo continua como se nada houvesse acontecido. As grandes universidades, os grandes cargos, os grandes postos de comando são quase todos ocupados por brancos. Resultado: aqueles que sempre foram oprimidos dificilmente deixarão de sê-lo, não só porque o sistema lhes fecha as portas, mas também porque eles não têm a quem recorrer, eles não têm representantes que possam fazer ouvir suas reivindicações e exigir, com força econômica ou política, que elas sejam atendidas. Este fato, e não a diferença de oportunidades educacionais, é que exige a implantação do sistema de quotas. Os que foram e os que ainda são extremamente excluídos precisam, muito mais que os que sempre dominaram, de canais de representação intelectual, econômica e política, o que só será alcançado com programas de ação afirmativa. Só mais uma afirmação. Ao contrário do que o texto do digno Magistrado faz crer, diferenciar não quer dizer, necessariamente discriminar. Isso parece ser muito claro em países como Canadá, onde a minoria francofônica quer afirmar suas diferenças culturais em relação à maioria inglesa, ou mesmo na Espanha, que reconheceu a independência cultural e étnica da Catalunha. Será que isso é violar a igualdade material? Ou será o exato contrário: fazer igual os desiguais?"

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