Combate ao crime

8/8/2006
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Abaixo, texto da coluna de Carlos Brickmann, publicada no Diário do Grande ABC: 

'Carlos Brickmann – Diário do Grande ABC

 

'A culpa é da vítima' – Panorama Político – Coluna de 2 de agosto

 

A Culpa é da vítima

 

Lembra daquela senhora já velhinha que, por trás da cortina de seu apartamento de Copacabana, no Rio, filmou todo o trabalho dos traficantes?

 

Essa senhora teve que deixar seu apartamento, em que morava há 38 anos, já que ali não seria difícil identificá-la. Teve de esconder seu nome, e é hoje chamada pelo apelido de Dona Vitória. Seu trabalho rendeu 33 horas de gravação da atividade do tráfico e levou 34 pessoas à prisão, entre elas nove policiais – o que talvez explique por que ela teve de fazer o trabalho que a Polícia não fazia.

 

Esta senhora cumpriu o seu dever, e com isso perdeu seu ambiente, seus vizinhos, seus amigos. E pediu uma indenização ao Estado: as perdas que teve foram provocadas pela falta de ação do Poder Público, que deveria ter policiado as ruas para evitar que, à vista de todos, os traficantes exercessem seu ofício.

 

Dona Vitória não pediu nada de excessivo: 500 salários mínimos, algo como R$ 175 mil, por danos morais e materiais. É barato, é um preço baixo que a sociedade paga para se livrar de tantos bandidos, para limpar (ao menos um pouco) a Polícia. E perdeu: de acordo com a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, "o pagamento de indenização a Dona Vitória iria estimular outras vítimas da violência a entrar na Justiça com pedidos semelhantes". Dona Vitória só não teve de pagar as custas porque lhe havia sido concedida a gratuidade do processo.

 

O recado está dado: que ninguém se meta a besta denunciando crimes. Pobre Dona Vitória: ela é do tempo que honestidade era um valor a ser preservado.

 

Bagaço

 

A coragem de Dona Vitória permitiu que o Governo prendesse os bandidos e deu excelentes imagens às emissoras de TV. Todos ganharam – menos ela.' 

É realmente, edificante, a motivação da 16ª Câmara Cível do TJ do Rio de Janeiro, ao considerar que 'o pagamento de indenização a Dona Vitória iria estimular outras vítimas da violência a entrar na justiça com pedidos semelhantes'. Ora, pois! Não deveria a atitude de Dona Vitória, cidadã exemplar, justamente estimular outros cidadãos às mesmas práticas, correndo riscos pessoais no intuito de ajudar as autoridades a identificar e prender traficantes? Por outro lado, que interessante a 16ª Câmara do TJ do Rio de Janeiro, ao considerar que Dona Vitória deve encarar, sozinha, a luta contra o crime, assumindo os riscos que isso gera. 'Estimular outras vítimas da violência...?'. Essa é de 'cabo de esquadra', como diria meu hoje falecido velho avô. Então é natural que haja violência e vítimas da violência em um Estado de Direito? Ou é a inércia dos que deveriam combatê-la que gera o crescimento dessa mesma violência? Não será lícito ao cidadão exigir ? exigir, sim ? das autoridades, que aí estão para trabalhar em suas respectivas áreas, o controle da violência e a segurança para os cidadãos? Resumo da ópera: as assim chamadas 'autoridades' que permitem que o povo conviva com absurda violência e são incapacitadas e incompetentes em controlá-la, tem de se servir de cidadãos exemplares, com Dona Vitória, para desbaratar um ponto de drogas. Até um mísero ponto de drogas! Dona Vitória, que não é autoridade, não anda em carro de autoridade, não tem os guarda-costas e a proteção das autoridades e não ganha o salário destinado às autoridades, mesmo assim investe seu tempo e saúde no combate ao crime. Daí, corre risco de vida, e solicita indenização suficiente apenas para ir morar em outro lugar e se manter viva. E é então que o TJ/RJ diz que pessoas como Dona Vitória devem ser desestimuladas. É o fim da picada... (para dizer o mínimo)..."

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