Caixa de Pandora

7/10/2020
Milton Córdova Júnior

"A condenação sem provas é uma afronta ao Estado Democrático de Direito. Equivale ao retorno da Santa Inquisição. De um lado, basta a delação de alguém e de outro lado, a mera opinião pessoal do julgador, bem ao estilo de Tomás de Torquemada, o Inquisidor. Por três votos a dois, a 2ª Turma do STF acatou irresponsável acusação da Procuradoria-Geral da Republica - PGR, no sentido de que o ex-senador Valdir Raupp teria recebido vantagem indevida de R$ 500 mil da Queiroz Galvão, travestida de doação eleitoral na campanha eleitoral de 2010. A estranheza e impropriedade da acusação da PGR é natimorta, começando pelo valor envolvido e pela dimensão do candidato: R$ 500 mil. Até as pedras dos rios sabem que numa reeleição de senador (que já foi governador), esse valor é insignificante para o candidato, principalmente quando a doação for proveniente de empresa do porte de uma Queiroz Galvão. No caso, por qualquer ângulo que se analise a questão, não haveria a menor necessidade de 'simular' a doação de meros R$ 500 mil ao Diretório Regional do PMDB, em vez de fazer diretamente ao candidato. É dizer: essa conta não fecha, não faz qualquer sentido. Ocorre que a modestíssima doação foi destinada ao Diretório Regional do PMDB em Rondônia, devidamente registrada e não havendo qualquer prova de irregularidade (como demonstrado por dois ministros). A condenação ocorreu com base em delírio e ilação do fantasioso Fachin (que deve ter incorporado o espírito de Franz Kafka), por meio de teratológico voto que entendeu - acreditem! - que a doação foi simulada. Ou seja: no Brasil, receber doação eleitoral devidamente registrada passa a ser perigoso, pois qualquer tercfeiro poderá dizer que é 'simulação'. A prosperar esse entendimento, receber 'por fora' (Caixa 2) parece ser o caminho mais seguro, por mais absurdo que isso possa parecer. Simulação por simulação, o que dizer da óbvia simulação do ilegal Inquérito 4781 (Fake News), que nada mais é do que o 'exercício arbitrário das próprias razões' (art. 345 do Código Penal), ou seja, fazer justiça pelas próprias mãos para satisfazer sua pretensão? A decisão kafkiana e perigosa da 2ª Turma do STF viola o art. 8º (Garantias Judiciais), item 2, do Pacto de San José (Convenção Americana de Direitos Humanos): 'Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa'. Mera suposição, achismo ou opinião pessoal não é prova legal. No caso não houve qualquer comprovação legal, nos termos da lei, pois não há prova alguma. Assim, de forma parcial e rasgando vergonhosamente a Constituição, Celso de Mello, na condição de revisor, considerou como 'farta prova da materialidade e da autoria do crime de lavagem de valores' os meros depoimentos de Alberto Youssef. A condenação sem provas é um precedente gravíssimo no ordenamento jurídico, cujos desdobramentos podem ser imprevisíveis, pois a Caixa de Pandora pode ter sido aberta, dando azo a um festival de horrores. Por outro lado, pode ser que o decano quis dizer 'falta prova da materialidade e da autoria do crime de lavagem de valores', mas na digitação erraram o 'L' por um 'R' (era falta em vez de farta)...e ficou o dito pelo não dito. O ponto positivo dessa aberração, caso ela se mantenha (certamente cairá no Plenário) é que como a lei vale para todos, a partir de agora ministros do STF e demais magistrados e membros do Ministério Público (incluindo o PGR) também podem ser processados, condenados e afastados em razão de mera suposição do julgador, sem provas. Bastará a delação do vizinho, tal como ocorria no Santo Oficio. Se o Plenário do Supremo Tribunal Federal não reverter o perigoso precedente, cabe recurso à Convenção Americana de Direitos Humanos, eis que o Supremo nunca foi o limite."

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