Reforma do Judiciário

15/3/2004
Pedro Augusto Lopes Sabino - Advogado

"Verifica-se, atualmente, intensa discussão acerca da possibilidade da existência de um órgão de controle externo ao Poder Judiciário. O debate sobre a proposta de emenda à Constituição que objetiva a reformá-lo está na ordem do dia. Para alguns, a meu ver equivocadamente, haveria uma violação do princípio da separação de poderes que rege a atuação estatal brasileira. Todavia, como se pretende demonstrar, a existência de um órgão de controle integrado por pessoas alheias ao Poder Judiciário, por si só, não implica na violação da separação de poderes. O Estado desempenha múltiplas funções – fato já identificado desde a Antiguidade. Modernamente, prevalece a idéia de que as diversas funções estatais devem ser exercidas por órgãos distintos, independentes e harmônicos entre si. Mais do que isto, nenhum Poder exerce com exclusividade uma função. Assim ocorrendo, cada Poder possui uma "função típica" (em cujo exercício sua vontade prevalece) e uma "atípica". Por conseqüência, no Brasil, o Poder Legislativo não só legisla, como julga (o Senado julga o Presidente da República no caso de impeachment) e administra. O Executivo administra, legisla (a exemplo das medidas provisórias) e julga (processos administrativos e pode conceder a graça a um condenado). O Judiciário, por seu turno, julga, administra e legisla (participa do processo legislativo). Em síntese, todos os Poderes exercem múltiplas funções sem exclusividade em qualquer delas. Enquanto a "função típica" exercida constitui o núcleo essencial do Poder, suas "funções atípicas" não são intangíveis. É possível limitar um Poder em suas "funções atípicas" sem violar o princípio da separação de poderes. Exemplo disto foi dado pela Emenda Constitucional n.º 32, que limitou as possibilidade de edição das medidas provisórias. Ora, houve, evidentemente, redução de poderes do chefe do Executivo. Isto, contudo, não implicou em inconstitucionalidade por ser possível a limitação do exercício de funções atípicas de um Poder. Se este órgão externo for julgar ações ou recursos processuais, haverá inconstitucionalidade, pois a "função típica" é a essência inalterável de um Poder. Não observar este fato importa na invalidade jurídica de uma proposta neste sentido. Diversamente, um órgão de controle externo ao Poder Judiciário que for criado para fiscalizar o exercício de funções administrativas não será, necessariamente, inconstitucional. Escândalos como o da construção do Tribunal Trabalhista em São Paulo são demonstrações da conveniência de um controle desta natureza. Implementar a transparência na atuação dos órgãos estatais é um imperativo democrático. A busca de alternativas aos ineficientes e corporativos órgãos de controle interno é exigência da moralidade pública."

Envie sua Migalha