Artigo - Estatuto das famílias

29/11/2007
Dávio Antonio Prado Zarzana Júnior

"Com relação ao PL 288.285/07, de autoria de um deputado do PT, que começou a tramitar no Congresso Nacional, e que trata do chamado 'Estatuto das Famílias', a despeito do texto bem redigido pelo ilustre Dr. Rodrigo da Cunha Pereira, não posso deixar de observar alguns detalhes (Migalhas 1.788 – 28/11/07 – "Direito de Família – Novidades" – clique aqui). Referido 'Estatuto' deveria receber alguns questionamentos, dentre os quais aponto (e provavelmente não serei o único) os seguintes: a) Sobre o casamento: No parágrafo único do artigo 22 do referido Projeto, é dito literalmente que o casamento religioso só terá 'validade' se for levado a registro dentro de 90 dias de sua celebração. Há uma sutileza aí, pois a validade do casamento religioso perfeitamente realizado não depende de nenhum ato posterior para a sua existência enquanto manifestação da vontade dos contraentes. É por isso que se diz que 'Validade' e 'Validade Civil' não são a mesma coisa; o registro indica o dever relativo à realidade jurídica, e não um condicionador dos pressupostos metajurídicos inerentes à realidade religiosa. Assim, o casamento é válido 'juridicamente' com o registro - validade civil -, mas não depende do registro para ser 'válido' - validade decorrente da perfeição da celebração no religioso. Creio que falta ao texto a expressão 'validade civil' no mencionado parágrafo (inclusive para a coerência lógica com o art. 161 do mesmo PL); b) O PL não traz uma definição do que seja 'convivência familiar'. O que é isso? Convivência sob o mesmo teto, durante algum tempo? Vejam: se se pretende modificar o conceito de 'família', os próprios termos que se desejam implantar como novos obedecerão a paradigmas antigos ou aos novos? Em outras palavras: a família é 'o berço de tudo', como diz a maior rádio de SP, é a base da sociedade. Formada tradicionalmente por pai, mãe e filhos. Há hipóteses nas quais um desses três não pode estar presente (falecimento, separação, enfim, inúmeros fatores), mas essa é a constituição básica (inclui avós, netos, tios, irmãos etc.). Pois bem. Quando se diz 'convivência familiar', e se diz em outro momento que a 'socioafetividade' forma uma família, sem nenhuma explicação sobre o que seja isso dentro da Lei, temos um problema. Os estudantes que moram em 'repúblicas', juntos, por cinco anos, perseguindo os mesmos objetivos estudantis e se ajudando mutuamente e até mesmo afetivamente, são 'família'? Há uma série de exemplos que poderiam ser levantados para demonstrar que o conceito de 'socioafetividade' é extremamente vago, ambíguo e, por que não dizer, arriscado num texto legal. 'Amizade' é ou não é 'socioafetividade'? Existem amizades com compromisso mútuo patrimonial - esses 'amigos' se tornam 'família' e deixam de sê-lo alcançado o objetivo particular? E mais, o que esse PL quer dizer com 'afinidade' ou 'afetividade'? O 'gostar de alguém' torna o sujeito que gosta, e o sujeito admirado, membros de uma família? Será que, na eventual ânsia desenfreada de se proteger alguma minoria, não estará dando o legislador um tiro no próprio pé? Bem, especificamente com relação ao texto do Presidente do IBDFAM, há algumas curiosidades que merecem ser revistas. Tratando o PL como uma verdadeira 'revolução de idéias', concebe a expressão 'concepções morais completamente ultrapassadas'. Quais seriam essas concepções, exatamente? O povo quer saber, como diria um apresentador. Quem diz quando, e por quê, uma 'concepção moral' - que não é jurídica - está ultrapassada ou não? O leitor vai percebendo que alguém parece 'saber' o que deve ser feito, e quando deve ser feito. Mas o leitor não tem acesso à informação dos porquês. Interessante. 'A realidade sócio-econômica transformou valores...'. Quais? Que valores, meu Deus? Não está tudo meio 'no ar'? É preciso uma explicação detalhada, pormenorizada. 'Quem' quer mudar os valores? 'Quem' quer estabelecer critérios axiológicos 'novos'? E sobretudo, por quê? Vejamos a seguinte frase: 'sabemos hoje que para um casamento dar certo é preciso que os cônjuges não misturem suas identidades e sim, as preserve' (sic). Ora, mas alguém, em algum lugar da Terra, achava que o sobrenome do marido, sozinho, tirava a identidade da esposa? O Estatuto das Famílias não encontrará resistências de alguns parlamentares. Ele encontrará a aprovação somente de alguns parlamentares, é o inverso. Interessante também foi a frase 'Direito é também um instrumento ideológico que vai incluindo ou excluindo pessoas ou categorias do laço social, na medida em que legitima ou ilegitima determinados tipos de família'. Ora, mas a família é anterior ou concomitante ao Direito, 'for God's sake'! O Direito 'antigo' 'exclui pessoas', e as novas Leis não o farão? Espero que não, realmente. Se a razão das exclusões é puramente de ordem moral, por que foi dito na frase anterior que é o Direito quem exclui? É o Direito ou a Moral? Ficamos sem saber. A história do Direito de Família sem dúvida tem injustiças e exclusões, mas a maior delas será analisada pelo Congresso, em breve, não em razão das nobres intenções, mas em razão das sutilezas do PL que, se não forem questionadas em debate aberto, trarão prejuízos incomensuráveis à tradicional família brasileira, religiosa por natureza, e tratada em outros locais com o mais absoluto desrespeito. A moral vem sendo sistematicamente atacada nos meios de comunicação - falou em moral, 'eita, é moralismo'. A religião vem sendo igualmente atacada. Falou em religião, 'opa, é fundamentalismo'. A moral passou a ser uma coisa 'do mal'. A religião, idem. Agora, o 'todo-poderoso Estado Laico, nossa fé', esse não, esse pode tudo. Até dizer quando começa a vida humana. Até mesmo dizer o que é família, e o que não é. Talvez ainda diga no futuro: 'família não existe'. George Orwell e Adous Huxley precisavam ver o que está acontecendo, eles já haviam predito a 'supressão do indivíduo pelo Estado', ou 'Grande Irmão'. O que quero dizer aos colegas migalheiros, nessa exposição acalorada, é que o 'Estado' jamais poderá dizer o que é família, quando começa a vida, o que é certo moralmente, o que é errado moralmente, se a fé pode ou não interferir nas convicções íntimas e pessoais de qualquer um, inclusive dos juristas. Invocando o artigo 19 da CF/88, ataca-se a religião. Ultimamente, vemos operadores do Direito impondo 'condutas morais' através de Leis 'morais', vejam se é possível uma coisa dessas. 'Sai fora a sua moral, entra a moral do Estado'. Tudo bem, o Brasil tem muita coisa pra ser melhorada. Mas, elaborar uma legislação desse porte, dessa importância, sem a ampla, demorada, debatida e aprofundada consulta popular? No mínimo, é muitíssimo estranho. Não há vanguarda sem valores fundamentais da pessoa humana, incluindo os religiosos e morais. Sem eles, não há vanguarda! Por que o Estatuto trará incômodos e arrepios, conforme o Presidente do IBDFAM diz? Esses incômodos são os dos que estão preconceituosamente 'errados'? Talvez o IBDFAM devesse ouvir mais esses incomodados e arrepiados. Porque constituem a imensa maioria do povo brasileiro, que não está gostando nem um pouco de ver a família sendo tratada como lixo por telenovelas e outros meios, apenas para citar um exemplo."

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