Crise aérea

3/12/2007
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Éramos felizes... e não sabíamos. Muita gente ainda se lembra do passado, não muito remoto, de quem queria viajar de avião. Bastava comprar uma passagem, ir ao aeroporto na hora marcada, fazer o check-in, aguardar a chamada lendo uma revista e, após tomar um cafezinho, dirigir-se para a sala de embarque e entrar no avião, fingir que prestava atenção nas instruções da comissária de bordo - naquela época aeromoça -, aguardar a refeição, retomar a leitura e... pronto... chegar ao destino. Simples assim. Às vezes, às vezes mesmo, havia um contratempo. Um atraso aqui ou acolá, um vôo cancelado que era prontamente reposto, ou os passageiros imediatamente assistidos, especialmente se fosse a VARIG, mas tudo bem, viajar era uma festa, uma alegria. Naquela época, e eu ainda me lembro, o ápice da carreira de um magistrado era o Supremo Tribunal Federal. Daí, talvez, muito talvez, a Presidência da República, coisa séria, muito séria. Controle de aviação era coisa militar, assim como exército, marinha e aeronáutica. Cada coisa no seu lugar. Deputado fazia Leis, não presidia empresa pública, principalmente não ocupava cargos técnicos em empresas estatais. Ministro da Saúde era médico. E político, então? Político fazia política, e política, naquela época, até que era levada a sério. Quando político era entrevistado, ninguém ria às gargalhadas. Isso acontecia nos programas humorísticos. Presidente do Senado Federal era uma coisa e Revista Playboy era outra. Travesti dançando quase nu não saía no Diário Oficial. Eram outros tempos, mais fáceis de entender. Um advogado, por exemplo, se preparava para... advogar, e para isso cursava Direito, não como hoje, que os cursos de Direito servem, como se explica, para que os formados sejam taxistas aptos a solucionar conflitos. Assim como os médicos, formados sem residência, aprendem na prática a abrir crânios usando furadeiras domésticas de abrir buracos em paredes. Naqueles tempos, mas tudo passa, sindicalistas aspiravam dirigir sindicatos e não países, e seus companheiros churrasqueiros não pretendiam presidir bancos estatais. Podem não acreditar, mas antigamente, quem não alcançava nota mínima repetia de ano, até que estivesse preparado para passar. Mas, tinha uma vantagem, pequena talvez, chegava-se ao fim do curso sabendo escrever. Coisa boa, dava para ler jornal, acompanhar legenda de filme de televisão, até ler um livro, se quisesse. As palavras valiam por mais tempo. Seja, por exemplo, foi usada por anos, antes que o 'seje' se instalou, assim como o gerúndio, que aumentou desnecessariamente, o tamanho das frases. Time de futebol não era empresa, presidente de time de futebol não ia preso, deputado não ia preso, empresário não ia preso, prefeito não ia preso, policial não ia preso. E, é espantoso, criminoso ia preso. Sei que é difícil acreditar, mas criminoso ia preso, sim senhor. E ficava preso. E existia governo. Um governo Federal, alguns governos Estaduais, um para cada Estado e outros tantos, Municipais, um para cada Município. E Estados e Municípios eram conhecidos, assim como os planetas. Não ficavam inventando Estados, Territórios e Municípios todos os dias. Também tinham funcionários públicos, e não eram quase a metade da população, não senhor. Até existiam serviços públicos, hospitais, estradas, postos de saúde e polícia. Dava até para distinguir entre polícia e ladrão. Coisa boa, dá saudade até. Mas, os tempos mudam, e temos todos que nos adaptar para viver, que a coisa não está fácil, principalmente em um país no qual, voltando ao início, só agora ficamos sabendo, éramos felizes e não sabíamos. Ao menos em questão de aviação civil, em que um ex-jurista, que chegou ao ápice da carreira, no Supremo Tribunal Federal, houve por bem derivar para o lado militar, antigo anseio juvenil, talvez, e comandar nossas forças armadas, provendo a defesa do país, mais especificamente, afastando o general de plantão, que não agiu e não fez, para resolver o problema que não resolvia, para, finalmente, depois de muitas ordens fulminantes para as quais ninguém deu a mínima, chegar à solução final: Agora, a idéia é desencorajar empresas aéreas e passageiros e obrigá-los a buscar alternativas! ‘Eureka’! Obviamente, a falta de preparo de seus antecessores não permitiu viessem solução tão evidente, claramente posta diante de seus olhos. Só quem habituado ao estudo diário de grossos autos processuais para extrair dessa confusão aérea que vive o país solução tão simples, tão clara, tão barata e tão óbvia. Que vão todos procurar sua turma! Alguém quer ir de São Paulo para o Rio de Janeiro ou Brasília e pensava naquela opção de sempre que o bondoso governo deveria oferecer: o avião? Ora tenha a santa paciência. O governo tem mais o que fazer. Só um insensível cidadão não vê que o governo está ocupado com o problema da CPMF, por exemplo, com as listas de cargos políticos exigidos pelo PMDB que lhe tira o sono, com os aborrecimentos provocados pela oposição. E ainda vem aborrecer com essa história de querer viajar? Um bom cidadão deve ajudar, e não complicar, principalmente nesse momento delicado da política nacional. Deve buscar alternativas. É o que todo mundo deve fazer. Se não tem avião, vá de carro, de ônibus, de bicicleta, a pé. Há um monte de alternativas. Ficar batendo o pé nessa história de querer viajar de avião, tenha paciência, é coisa de gente chata. E a história não deixa mentir. Maria Antonieta, também incomodada por aqueles pobres que insistiam em querer pão, pão, pão... e só pão, disse a mesma coisa: porque pão? Comam brioches. O princípio era o mesmo: busquem outras alternativas. Falando em saudades, alguém sabe onde anda o Waldir Pires? Às vezes, é melhor um militar vestido de civil, silencioso, do que um civil vestido de militar, barulhento, que fica e não sai, que age mas não faz."

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