Rodízio

10/12/2007
Romeu A. L. Prisco

"Muito já se falou sobre esse direito e muito sobre ele já se escreveu, porém, nunca o suficiente. Antes de mais nada, entendo que o 'ir e vir' não deveria ser tratado, tecnicamente, como um direito, tal como consta na nossa Constituição, a título de 'liberdade de locomoção' (artigo 5º, inciso XV). Afinal, direito soa como algo concedido, outorgado, ou permitido. 'Ir e vir' é a mais primitiva, elementar e natural condição dos seres humanos. Se devêssemos considerá-lo um direito outorgado, ele nunca teria como outorgante outro ser humano, mas sim, um ser divino. Pois bem, esse direito está sofrendo sucessivas restrições, sob os mais diversos pretextos, ainda que justificáveis, restrições essas que não foram impostas pelo ser divino, ou pela natureza. Refiro-me aqui, particularmente, ao trânsito na cidade de São Paulo. Dependendo do final das placas, se par, ou ímpar, veículos particulares não podem circular em determinados horários, de determinados dias. Com as exceções ditas de praxe, trata-se do chamado 'rodízio', que objetiva controlar, nesta metrópole, o incontrolável, ou seja, o fluxo de um trânsito caótico. Agora já se pensa estender o rodízio ao longo do período integral dos dias pré estabelecidos e, ainda, também implantá-lo nos sábados e domingos. Como se vê, estamos na iminência de outra séria e grave restrição àquele direito. Não bastasse a montanha de tributos que se paga na aquisição de um veículo, como IPI, ICMS, repasse de CPMF, IPVA, taxas de transferência, de licenciamento anual, seguro obrigatório, de estacionamento 'permitido' em vias públicas, de pedágios e, brevemente, também as destinadas à 'inspeção veicular', sem contar multas pela 'circulação proibida', a liberdade do cidadão-proprietário-usuário de carro particular, de ir e vir, vai ficar ainda mais limitada. Dizer que a indigitada restrição se aplica ao veículo, constitui verdadeira heresia jurídica, posto que o carro não circula por vontade própria. Já foi o tempo em que possuir um veículo era luxo, ou supérfluo, destinados à ostentação, ou ao lazer. Atualmente, em tempos de crise, é uma necessidade, para quem trabalha, para quem estuda, para se transportar doentes e deficientes. Destarte, limitar o direito de circular, para 'aliviar' o trânsito, gera outras conseqüências, como limitar os direitos de trabalhar, de estudar e de socorrer doentes e deficientes. Claro é que o ideal seria a utilização do transporte público, ou comunitário, ou fornecido pelas empresas aos seus funcionários, ou colocado à disposição pelos poderes constituídos, em quantidade suficiente, nos casos de emergência, como são as ambulâncias. Todavia, sabidamente, isso tudo nem sempre é possível, mormente aqui em São Paulo. Tenho um filho, profissional da área de esportes, com formação superior, que trabalha com vínculo empregatício em clubes e academias, bem como 'personal trainer', com atendimento domiciliar. Sua primeira aula se dá às 6h e a última às 21h. Para se deslocar de um lugar para outro, via de regra distantes, ele necessita usar o carro, sem limitações, sob pena de comprometer seu trabalho e sua subsistência. Sem dúvida, o exemplo do meu filho não é o único, entre os incontáveis existentes. No decorrer do estudo das ciências jurídicas e sociais, os alunos logo se familiarizam com o seguinte princípio básico: 'onde a lei não distingue, ao intérprete não é lícito distinguir'. Equivale dizer: como a lei não diz, e nem teria cabimento dizê-lo, que o direito de ir e vir só pode ser exercitado nestas ou naquelas circunstâncias, a ninguém é permitido estabelecer qualquer distinção. Grosseiramente falando, os cidadãos deveriam poder exercitar o seu direito de ir e vir como melhor lhes aprouvesse, a pé, a cavalo, de bicicleta, de motocicleta, de barco, de carro, de avião e de helicóptero, respeitadas, tão somente, as habilitações exigidas."

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