Artigo - O fim da CPMF e o sigilo bancário

30/1/2008
Tânia Nigri

"Caro Dr. Adriano Pinto, Antes de analisarmos a debatida questão da constitucionalidade da Instrução Normativa RFB nº. 802/2007, há que se esclarecer que apesar de vislumbramos no inciso X da Lei Maior uma regra protetiva de suma importância para o cidadão, entendemos que esse dispositivo não seria a sede do sigilo bancário, se relacionando propriamente à liberdade individual de ser, estar e agir, agregando aquelas informações de interesse unicamente do seu titular, destituídas de quaisquer reflexos sociais. Parece claro não ser esse o caso do dinheiro que possuímos nos bancos, que, por óbvio, deve ficar protegido da curiosidade alheia, mas não pode ser erigido em escudo para que os contribuintes se furtem à fiscalização da Administração Tributária, sob pena de grave transgressão ao mandamento constitucional de observância do princípio da pessoalidade e da capacidade econômica, para uma justa e legítima exação. Relembre-se que muito antes da edição da Instrução Normativa RFB nº. 802/2007, a Lei nº. 10.174/01 já havia permitido a utilização das informações decorrentes do cruzamento entre os dados da CPMF e as declarações de renda, tendo o STJ reconhecido a sua absoluta adequação ao Texto Constitucional1, inclusive para o efeito de tributação retroativa, ressaltando que a Lei poderia ser plenamente aplicada ao ato de lançamento de tributos cujos fatos geradores tivessem ocorrido anteriormente à sua vigência, desde que a constituição do crédito não estivesse alcançada pela decadência. Em sua crítica, o dr. Adriano diz que 'fica evidente que a dra. Tânia Nigri não faz diferença entre a Autoridade Fazendária ter direito a acesso a dados bancários dos contribuintes e o exercício desse direito sob curso forçado diretamente imposto a terceiros que tenha o dever profissional de guardar sigilo de informações e dados que lhe tenham sido confiados (Migalhas de leitores - 29/1/08 - "Artigo - O fim da CPMF e o sigilo bancário") sobre essa questão, valho-me do professor Aliomar Baleeiro, que ao abordar a questão da preservação do sigilo profissional, assinalava que 'os banqueiros não seriam depositários desse sigilo, não estariam adstritos às mesmas regras éticas e jurídicas da reserva, já que só deveriam aceitar ser procurados para negócios lícitos e confessáveis, o que não acontecia com o advogado, o médico, o padre, cujo dever profissional não lhes tranca os ouvidos a todos os desvios de procedimento ético ou jurídico, às vezes, conhecidos somente da consciência dos confidentes'. No tocante ao alegado 'equívoco dos que interpretam a Constituição a partir das normas infraconstitucionais, destruindo, pois, a supremacia da ordem constitucional', devo dizer que não interpreto a Lei Maior utilizando como fonte de hermenêutica as normas infraconstitucionais, ao contrário, interpreto toda a legislação a partir da sua fonte primária, a Constituição de 1988, documento esse que não se refere, nem uma única vez, ao sigilo bancário, o que foi inclusive objeto de manifestação do Ministro Francisco Rezek que por ocasião do proferimento de seu voto no Mandado de Segurança n°. 21.729 - DF ensinou:

'Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à corte neste mandado de segurança não tem estatura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário — do qual já se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio — de resto nada transcendental, mas bastante prosaico — da vida das pessoas e das empresas, contra a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência.' (grifou-se)

Há tempos viceja no Brasil uma fácil associação entre o instituto da propriedade e o da intimidade, mas é curioso observar que não se lance mão dessa analogia em tantas outras situações corriqueiras da vida. Há muitos anos vigora legislação determinando o registro dos bens imóveis que adquirimos de terceiros, e sendo esse registro público, qualquer pessoa poderá obter uma certidão da transação, tomando conhecimento do nome de quem vendeu, o nome de quem comprou, o preço do imóvel, o seu tamanho, além de outros detalhes....isso verdadeiramente não violaria a intimidade? Em viagens internacionais somos obrigados a parar nos postos alfandegários dos aeroportos, e passar pela constrangedora situação de ver as nossas bagagens transitando pelos aparelhos de Raio X, isso quando não somos obrigados a abri-las completamente para que os agentes tributários exerçam as suas funções, situações em que, invariavelmente, entram em contato com os nossos objetos pessoais, peças íntimas, fotografias, e outros objetos que constituem, isso sim, nítido reflexo da nossa vida privada, sem que ninguém busque o Judiciário. Jamais soube que alguém tenha se insurgido contra a violação de sua intimidade em casos como os acima relatados, nem nunca li a mais tênue manifestação de indignação contra tais práticas, mas sempre que o Fisco vale-se de seu dever para o crédito tributário devido, mesmo sem qualquer divulgação dos dados apurados (absolutamente vedado por lei, além de se constituir em crime), um inconformismo generalizado assola este país. Com relação a sua alegação de que eu concordaria com o fato da 'Autoridade Fazendária, a qualquer tempo, baixar uma instrução normativa determinando que os advogados forneçam, em tempo real, sem processo formado e sem ordem judicial, os dados financeiros de seus clientes', confesso que não consegui vislumbrar quais os tipos de 'dados financeiros' em poder do advogado, que corriqueiramente poderiam interessar ao Fisco, devendo nesses casos, ser requerida uma ordem judicial específica para tal finalidade, situação bem diferente da vigente requisição dos dados dos contribuintes aos bancos, já que imagina-se que ninguém (ou quase ninguém), ao menos hoje em dia, guarde dinheiro embaixo do colchão."

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1 Uma reportagem publicada pela Revista Veja de 20 de setembro de 2000, referia-se a um estudo da Receita Federal, onde foram cruzados os dados obtidos da CPMF com os dados sobre pessoas físicas e jurídicas que não apresentaram declaração de Imposto de Renda ou se declararam isentos no ano de 1998. De acordo com o texto, 'muitos milionários brasileiros conseguem escapar do Fisco e não pagam um único centavo a título de Imposto de Renda'.

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