Cartão Corporativo

7/2/2008
Pedro José Alves – advogado, Rio de Janeiro

"Bom dia a todos. Já sei, estão dormindo ou dormitando, porque chegaram tarde do baile, do desfile dos blocos ou das bandas, e ainda não despertaram para o Mundo, que se vive aqui fora. Ah, lá vem, de novo, um macarthista social, um retrógrado social empedernido, que não se adequa à mundialização do prazer! Bom, sei lá, acho que não é por aí, mas até compreendo e aceito as críticas. Aceito-as, porque sou um daqueles que não assiste ao Big Brother Brasil! E, parece, um dos poucos, porque, como assevera o Prof. Miguel Reale Junior, num belo artigo (O gosto do mal e o mau gosto) publicado em plena segunda-feira de carnaval, no Estado de São Paulo, a fls. A2, '...o público concede elevadas audiências de 35 pontos e aciona, mediante pagamento da ligação, 18 milhões de telefonemas para participar do chamado 'paredão, quando um dos protagonistas há de ser eliminado.' Mas tal artigo me despertou para o teclado de um computador e não de um piano – que até tinha estudado entre os quatro e os dezesseis anos! -, porque fui violentamente afetado pela afirmação da Ministra da Igualdade Social, a Sra. Matilde Ribeiro, de que 'Não estou arrependida' e do boato de ativistas do movimento negro, de que '...a ministra errou, mas afirmam que sua queda está relacionada ao fato de ela ser negra e mulher.' (O Estado de São Paulo, capa, de 2/2/08 e fls. A4). O que mais me intriga é que os jornais publicaram que a ex-Ministra, que é fã de free shop (o engraçado é que o partido dela está com um projeto que proíbe o uso de expressões estrangeiras!), e também de aluguel (ainda bem que não disseram que é leasing) de carros com motorista (porque afinal ela era Ministra, minha gente, onde está o senso de representação?) teria saído porque o Presidente pediu o cargo, embora alguns estejam dizendo que a questão não era essa, mas aquela que inicialmente afirmei. Vá se dormir com um barulho desses! Ninguém se entende, neste País! Aqui está um ponto delicado, que me obriga (moralmente, por óbvio, até porque 'ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei', conforme prescreve o art. 5º, inciso II, da Constituição) a fazer uma breve pausa. É que devo sugerir o tema que desenvolvo abaixo ao estudo e aprofundamento dos bacharéis não habilitados no Exame de Ordem, e que insistem em derrubar o referido 'teste de habilitação profissional'. Talvez uma pesquisa neste campo, que indico adiante, possa lhes ajudar a reverter ambas as expectativas que tanto provocam desentendimentos. Refiro-me ao estudo da chamada Vitimologia. Explico: 1. não há qualquer crime em não passar no Exame de Ordem; 2. haveria, no entanto, um crime em se submeter ao Exame de Ordem, porque ele é a expressão do 'corporativismo profissional' , do 'poder constituído' sobre os bacharéis, legalmente diplomados (não falei em legalmente habilitados!), para o exercício de, até, 'ciências sociais', como consta de alguns diplomas! 3. não há crime em ser Ministro; 4. mas haveria um crime em se deixar cair do Ministério por razões que aos princípios constitucionais repugna; 5. em ambos os casos, há que se 'buscar' as razões dos 'crimes', que apressadamente os 'Ativistas' encontram em atitudes que estariam ferindo, respectivamente, os arts. 1º, inciso II, art. 3º, inciso IV e, quem sabe, art. 5º, todos da Constituição! Notaram bem, especialmente o art. 5º? É que o preceito dispõe que 'Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...' Ora, se todos são iguais, por que o Exame de Ordem? Todos deveriam poder 'sair' de seus cursos e simplesmente 'entrar' nas atividades para as quais se diplomaram! Por que cair uma Ministra por usar um cartão de crédito? Se todos somos Cidadãos deste País, todos deveríamos receber do Governo um Cartão de Crédito, para nosso custeio pessoal! Afinal, todos estamos trabalhando para, especialmente, o Governo, quando produzimos, com o nosso trabalho, atividades que permitem ao Governo 'abiscoitar' uma fatia do que ganhamos. E, atenção, nós mesmos concordamos com as 'regras deste jogo', quando elegemos Políticos que nos representam no momento de 'autorizar' os Governos a nos impor a perda de uma fatia do que ganhamos, para que ele, governo, possa comprar: a. os aviões de que carece; b. gerar os 'cartões' que alguns merecem ou de que precisam, tais como os 'cartões de crédito ministeriais', os 'cartões bursísticos', que se arrolam com qualificativos próprios, como 'família', 'pro leite', 'educativo', etc. A questão da Vitimologia entra no contexto da 'exposição pública', do achincalhamento público! É que tudo está ocorrendo com base em leis, que contradizem o princípio de que 'todos somos iguais perante a lei'. Afinal, quando cai uma Ministra, por óbvio mulher - senão seria Ministro (e provavelmente não cairia! – será que foi o uso do sapato alto?) – o destaque feito pelo 'Ativista' de que caiu por ser 'Mulher' e 'Negra' não é uma ocorrência repugnante, porque fere o princípio da igualdade e, especialmente, a norma de que a República – eu não disse o Governo! – deverá 'promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação'? Ora, raciocinem comigo: 1. se a Ministra caiu por ter usado o tal 'Cartão de Crédito' , que eu não tenho, mas ela possuía (ela tinha fica horrível!), cometeu-se uma injustiça dupla, porque nós, eu pelo menos, não tinha o cartão, e porque não se cai pelo cartão, mas talvez quando se abaixa para pegar o cartão que, ele sim, caiu no chão! 1.1. todavia, se não foi nada disso, mas caiu por ser 'mulher' e 'negra', o Presidente da República descumpriu os princípios constitucionais, porque: i) deu a ela um Cartão de Crédito que não nos deu (a mim, pelo menos, posso garantir que não deu e, se o fez, o cartão não chegou até mim, até hoje!). Assim, se o deu a ela, por ser Ministra, também, feriu o princípio de que 'todos somos iguais perante a lei'; ii) ao aceitar uma renúncia de uma 'Mulher', 'Negra', que estava sendo perseguida por razões tão fúteis, feriu o preceito que lhe impunha, como Governo da República, que é a promoção do 'bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação'. Portanto, Senhores, é mister que se reconheça como uma antiga ciência 'desponta', para gáudio dos bacharéis, que poderão, portanto, através dela, desenvolver e aprimorar seu adestramento para o Exame de Ordem, aprofundando-se no desenvolvimento de uma ciência que não tem merecido o devido 'respeito'! Assim, feita a pausa (que normalmente refresca o nosso espírito!), retomo o interessante artigo do Professor Miguel Reale Junior (É aquela história do 'filho de peixe, peixinho é!'). O Professor Reale, pois, no mencionado artigo, procura abordar a questão da quebra da intimidade, da transparência de ações e atos que, antes, o Cidadão jamais imaginaria expor à opinião pública, ao debate público. Assim, arrola o BBB, dentre um dos exemplos deste comportamento atual e indica que 'O habitante do tempo, e não mais do espaço, vive o desenraizamento: está a todo o tempo em toda parte. Como destinatário de completas informações sobre o acontecimento a cada instante, não mais se permitem ao homem o silêncio, o recolhimento, a reflexão, a intimidade.' Mas, adiante, complementa o Professor: 'Dentro dessa atmosfera, as relações interpessoais fundamentam-se apenas na possibilidade de a outro satisfazer necessidades sensíveis. O outro se torna um objeto e logo cada qual vira também objeto do outro, com perda do recíproco respeito.' Ora, tudo isso, o excelente artigo do Professor, a notícia da demissão 'injusta' da Ministra (como vimos acima, pelo menos discutível), chega aos jornais num dia de Carnaval! Puxa, quero explicar, não intento diminuir ninguém e nada, com a expressão 'num dia de carnaval'! Mas é que, num dia de carnaval, só alguns chatos, alguns maníacos, estão preocupados com posicionamentos sócio-filosóficos do Professor Miguel Reale (Não sei por que, mas toda hora o meu dedo corre para o 'i', e eu escrevo 'Reali') e as questões ministeriais de nosso DD. Presidente da República, com seus problemas de eventual desrespeito aos princípios republicanos a que acima me referi. A questão da Ministra, como tinha assinalado no início destas reflexões carnavalescas – e por isso tão entremeadas de interrupções de raciocínio! – veio-me ao espírito, após a leitura do artigo do Ínclito Professor, pelas declarações que deu aos jornais. Foi enfática, foi decisiva. Achei bonito isso. Assumiu os fatos, como 'nunca dantes, na história deste País, tinha ocorrido', para lembrar a história numa frase que tem sido pronunciada com muito entusiasmo. Explicou ela – a Ministra, por óbvio! – lendo uma carta de sua autoria (não foi esclarecido se foi de próprio punho ou se ditou!), 'em que culpou dois funcionários por recomendarem o uso do cartão para pagar hospedagens, alimentação e locação de veículos... Não estou arrependida. Até então estava sendo orientada a usar o cartão como instrumento para essa agenda que eu tenho.' Emocionada, não explicou porque fez compra em free shop. Aí, eu me lembrei do pobre francês, trader do Banco Société Generale, que recebia bônus por sua performance como funcionário, e que acabou sendo mandado embora, por fraude! Mas que fraude pode haver, se já foi admitido que não houve proveito pessoal e que recebeu até bônus, pela brilhante e corajosa atuação como trader? Aí, decidi parar de pensar. Voltei o olhar para a Carta (com letra maiúscula, porque me refiro à Carta do Presidente da República) pela qual afirmou à injustiçada Ministra: '...Sei das imensas dificuldades, arraigadas por séculos de preconceito, que vossa excelência teve de enfrentar no exercício de suas funções. Agradeço-lhe pela firmeza e serenidade demonstradas durante todo esse período. Por entender as razões políticas do gesto, aceitei seu pedido de demissão.' Só aí, então, compreendi a profundidade do artigo do Professor Miguel Reale. É que aquele Mestre aponta para o mal do nosso século, indica um dos maiores problemas da sociedade atual. Diz o Professor Reale, em certo ponto de seu artigo, que 'Assim, expõe-se ao grande público a realidade íntima das pessoas por meios virtuais, com absoluto 'desvelamento' das zonas de exclusividade. A privacidade passa a ser vivida no espaço público.'! E foi nesse ponto que entendi porque o Sr. Dogival Vieira, do Movimento Brasil Afirmativo, afirma que a ex-ministra '...foi usada como bode expiatório!' (confesso-lhes que preferiria que ele tivesse usado a expressão scapegoat, porque seria mais nobre para uma ex-ministra!) E também fiquei seriamente preocupado com o Presidente Lula, que representando nossa República não soube coibir as ações '...arraigadas por séculos de preconceito...' e que a Seppir, da referida Ministra, '...Durante os últimos cinco anos...' estava realizando. Estou convencido de que a ex-ministra foi vítima, assim, d''O gosto do mal e o mau gosto!', se O Professor Miguel Reale me permite pedir emprestado o título de seu artigo, já que ele veste, mais uma vez de forma oportuna, a situação social em que estamos, na qual 'O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.'! Mas temos de admitir que, além do problema da Ética, temos aqui um belo caso de inexistência de Boa Governança, que é a vertente pública da Governança Corporativa! Falta tudo: transparência, gestão e, finalmente, critérios de igualdade, equilíbrio e boa aplicação de recursos públicos. E, assim, mais um caso de desrespeito ao art. 37, da Constituição, que recomenda à Administração Pública obedecer aos princípios, dentre outros, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da eficiência. O único princípio que tem sido arrancado a duras penas, pelas entidades privadas da mídia, é a publicidade que, antes tarde do que nunca, chega para sustar os desmandos do Poder."

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