Lista

20/2/2008
Tyndaro Meirelles

"A polêmica trazida à luz pela divergência que atualmente ocorre entre OAB e AMB deve ser tratada com muito cuidado e atenção, sob pena de nos deixarmos levar pelo calor das emoções da hora, deixando passar, de forma escorregadia, um excelente momento para avaliarmos e decidirmos acerca dos assuntos trazidos à baila, em especial, o dispositivo constitucional que trata do, assim chamado, quinto constitucional. Ao contrário do dito popular no qual se diz que 'em casa que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão', aqui, no caso sobre o quinto constitucional, todos estão 'gritando', porém a todos assiste alguma razão. Quando o Presidente da AMB, Juiz Mozart Valadares, afirma que, no que diz respeito ao quinto constitucional '...não há mais sentido nessa chamada oxigenação dos tribunais...', encontra aí a sua razão nessa contenda. De fato, e mesmo na condição de advogados, devemos admitir que tal mecanismo constitucional em nada colabora para um melhor e efetivo controle do poder judiciário por parte dos advogados. O argumento usado pelos defensores do dispositivo constitucional, de que 'O artigo 94 da Constituição Federal enuncia a regra do quinto constitucional como elemento da estrutura do Poder Judiciário, refletindo o pensamento de que a pluralidade das experiências vividas pelos profissionais não oriundos da magistratura de carreira é essencial ao revigoramento dos tribunais e ao dinamismo do Direito', como fez o sempre combativo MDA, não chega a convencer ao advogado que, de fato vivencia o dia-a-dia dos tribunais. Nem tudo o que vai escrito na Constituição corresponde à verdade factual. Tal dispositivo não insere um advogado no meio Judiciário que, por sua vez, despende seu tempo de trabalho a fiscalizar o proceder dos tribunais, ou a aperfeiçoá-lo, nem tampouco se tem notícia de que tais advogados – agora magistrados- gastem parte de seu tempo de trabalho laborando pela defesa de prerrogativas de sua categoria de origem, muito menos que levem aos presidentes de seus Tribunais as reivindicações de seus antigos colegas. O que ocorre, na verdade, é um abra-cadabra, é o brandir de uma varinha de condão que transmuta, da noite para o dia, um advogado em um membro do poder judiciário. No mínimo, um desembargador. Daí em diante, transmutado em Vossa Excelência 'O Desembargador', passa automaticamente a ser 'um deles'. Suas preocupações agora são com a Câmara, com a Turma, com os julgados, com a salinha de espera cheia de inconvenientes e insistentes advogados, com seu carro oficial e respectivo motorista, sua aposentadoria oficial, enfim, ele agora é um magistrado, é um Desembargador, suas preocupações são de magistrado, preocupações de Desembargador e, rapidamente, muito rapidamente, vai ficando longe, muito longe, a realidade de outrora que, assim como um migrante estrangeiro, vê desaparecer no azimute sua terra natal, que sabe, nunca mais pisará! Quanto a ser magistrado? Nada, absolutamente nada contra. Acredito cegamente que todo aquele que almejar uma carreira pública, deve ter acesso irrestrito aos concursos públicos, garantido o direito de igualdade para todos os cidadãos. Inclusive com isenção de taxas, emolumentos e quejandos, independentemente de ser ou não necessitado financeiramente. É verdade. Não vejo qualquer benefício para nós, advogados, no dispositivo da Carta Magna que trata do Quinto constitucional. Devemos fiscalizar e controlar cada vez mais o Judiciário, sim, visto ser um poder da República como qualquer outro, mas devemos lutar por algum controle realmente efetivo, e não pelo quinto constitucional, a meu ver, um controle natimorto. Antes que a OAB – minha querida OAB – possa imaginar que estou me posicionando contra ela, devo dizer que o que escrevo aqui, é totalmente a seu favor e de todos os advogados. Acima, quando disse que a todos assistia alguma razão no episódio em apreço, me referia também à razão que assiste à OAB, quando denunciou que o momento em que foi lançado pelo presidente da AMB o argumento contra o quinto constitucional, foi totalmente oportunista. E foi mesmo. Sou absolutamente contra o famigerado quinto, mas, no caso em questão, deve-se cumprir a constituição sem maiores tergiversações de qualquer das partes. Na entrevista que o Presidente da AMB concedeu ao 'Jornal do Commercio' em 19.11.2007, e transcrita no site da própria AMB (clique aqui) existem vários elementos que deveriam –e devem – ser objeto de discussão, debates e embates por parte da OAB, tais como a existência do CNJ. O Juiz diz que já existe um controle externo do Judiciário, que seria o CNJ. Pois eu sugiro que sejam feitas duas modificações na Constituição: o fim do quinto constitucional e a mudança da composição do CNJ. Segundo o art. 103-B do Diploma Maior, O Conselho Nacional de Justiça deve ser composto de 15 membros, sendo que destes, 9 são oriundos do Judiciário e somente 2 provenientes da classe dos advogados. Pois bem. Sugiro à OAB que, para maior e melhor controle do Judiciário os números se invertam: 9 advogados e 2 magistrados. Dois motivos básicos e elementares para tal sugestão. O primeiro é que, mesmo que absolutamente isentos os nobres representante do Judiciário que ali compõem o CNJ, não é recomendável que membros de uma categoria sejam também os controladores e fiscais dessa mesma categoria. É o que se diz sobre a mulher de César: 'não basta ser honesta, tem que parecer honesta'. E o segundo é o fato de que, tanto no Legislativo e no Executivo, quanto no Judiciário, o povo é quem deve exercer o poder de fiscalização desses poderes. Ninguém menos que o advogado é que é o representante do povo junto ao Poder Judiciário. O cidadão, quando precisa de providências do Judiciário não procura um Juiz ou um Desembargador, raríssimas vezes é assistido por um promotor de Justiça. O cidadão lida com o Judiciário por intermédio de seu representante, o advogado – aí incluída a sempre briosa Defensoria Pública. Eis aí uma sugestão à OAB e uma boa causa a se defender. Apenas para que não passe em branco o último comentário do presidente da AMB, no qual ele diz que o grande mal do Judiciário é a morosidade e, ipso facto, deveriam ser eliminados os recursos dos códigos de rito, aceno com mais um alerta à OAB. Não deixem que retalhem mais as leis processuais do Brasil a pretexto de se terminar com a morosidade. A morosidade do Judiciário é culpa única e exclusiva do Judiciário e sua administração. As leis nada têm a haver com o problema. Eliminar recursos só beneficia aos magistrados que menos têm que trabalhar, mais poderes concentram em suas mão, na proporção inversamente direta em que se vão eliminando as possibilidades de ampla defesa, na medida em que vão deixando de existir recursos. Vide a excrescência que é a Lei 9.099/95 com seus Juizados Especiais Cíveis! Eis aí mais um bom embate para a nossa gloriosa OAB. No mais, somente para terminar, relembro o episódio, já bastante conhecido entre um policial (Mariel Maryscotte) e um bandido (Lúcio Flávio): Convidado por Mariel Maryscotte para 'trabalhar' a seu lado no roubo de automóveis, o bandido Lúcio Flávio recusou com uma frase que ficou célebre: 'Bandido é bandido. Polícia é polícia'. É evidente que aqui, no caso em tela, ninguém é polícia e nem bandido. Apenas atento para o fato de que, naquele momento, Lúcio Flávio conseguiu discernir onde é o lugar de cada um. Nada de 'o bem' e 'o mal' ou qualquer associação fácil assim. Apenas temos que saber quem somos e qual nosso mister. Advogado é advogado. Juiz é juiz."

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