Flatuosidades

28/2/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Fart em inglês, Pet em francês, Pedo em espanhol, ou Furz em alemão, todos são sinônimos de nosso velho Traque ou, em português chulo, como ensina o mestre Aurélio, Peido, Pum ou simplesmente Pu, tudo para significar certas ventosidades emitidas pelo ânus, assunto que até chegou ao Supremo Tribunal Federal, através do livro do Ministro Eros Grau que ao descrever o relacionamento sexual anal de alguns de seus personagens, mencionava a 'válvula de sucção' que liberava 'sonoras flatulências vaginais'. Mas o lançamento do livro 'Triângulo no Ponto', do Ministro, não chegou a criar jurisprudência, como no caso do julgamento do TRT-SP, cujo relator foi o Juiz Federal Ricardo Artur Costa e Trigueiros (Migalhas 1.847 -28/2/2008 - "Gases na Justiça" - clique aqui), no processo 01290-2005-242-02-00-9-2007-4ª turma, cuja ementa é a seguinte: Pena Disciplinar. Flatulência no local de trabalho. Por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor). Na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu. Daí porque, a atenção dispensada à inusitada advertência que precedeu a dispensa da reclamante. Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal. Abusiva a presunção patronal de que tal ocorrência configura conduta social a ser reprimida, por atentatória à disciplina contratual e aos bons costumes. Agride a razoabilidade a pretensão de submeter o organismo humano ao jus variandi, punindo indiscretas manifestações da flora intestinal sobre as quais empregado e empregador não têm pleno domínio. Estrepitosos ou sutis, os flatos nem sempre são indulgentes com as nossas pobres convenções sociais. Disparos históricos têm esfumaçado as mais ilustres biografias. Verdade ou engenho literário, em ‘O Xangô de Baker Street’ Jô Soares relata comprometedora ventosidade de D. Pedro II, prontamente assumida por Rodrigo Modesto Tavares, que por seu heroísmo veio a ser regalado pelo monarca com o pomposo título de Visconde de Ibituaçu (vento grande em tupi-guarani). Apesar de as regras de boas maneiras e elevado convívio social pedirem um maior controle desses fogos interiores, sua propulsão só pode ser debitada aos responsáveis quando deliberadamente provocada. A imposição dolosa, aos circunstantes, dos ardores da flora intestinal, pode configurar, no limite, incontinência de conduta, passível de punição pelo empregador. Já a eliminação involuntária, conquanto possa gerar constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, não há de ter reflexo para a vida contratual. Desse modo, não se tem como presumir má-fé por parte da empregada, quanto ao ocorrido, restando insubsistente, por injusta e abusiva, a advertência pespegada, e bem assim, a justa causa que lhe sobreveio. Com razão o julgado, até porque trata-se de direito garantido constitucionalmente, inscrito entre as cláusulas pétreas de nossa Constituição, em seu artigo 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. E, de fato, lei não há, e nem decreto – graças a Deus – que impeça, ‘essas indiscretas manifestações da flora intestinal, sobre as quais empregado e empregador não têm pleno domínio’. A contrario sensu, obviamente a flatulência patronal não é justificativa para alegação de despedida indireta. Mas, Justiça do Trabalho a parte, é preciso considerar que a tal ventosidade, se contiver enxofre, o que não é raro, terá odor intenso e desagradável, caso das assim chamadas ‘bufas’ que, embora silenciosas, deixam sua marca indelével no ambiente e denunciam o culpado. Foi exatamente para fugir a essa culpa que, recentemente, uma passageira de um vôo da American Airlines provocou o pouso forçado da aeronave em Nashville, no Tennessee que, para ocultar o odor de suas flatulências, acendeu diversos fósforos dentro do avião, esperando com isso eliminar o cheiro desagradável. Que eliminou, eliminou, mas restou o cheiro dos fósforos queimados o que, em um avião, assusta mais do que um mero e constrangedor flato. Deixando a flatulenta passageira em terra, o avião prosseguiu seu vôo para Dallas, no Texas. A mesma sorte teve Maurice Fox, que recebeu uma carta se seu clube, o Kirkhan Street Sports and Social Club, de Devon, sul da Inglaterra, em que, assumindo a posição de outros sócios, escreveu que ‘depois de várias reclamações sobre suas contínuas flatulências, pedimos que entenda que suas ações são consideradas desagradáveis para os outros freqüentadores do clube’, e aconselhava o sócio flatulento a ‘por favor, saia do clube quando necessário’. O sócio, Maurice, acredita que os demais ‘podem ter reclamado por se dar conta da emissão dos flatos através de seu ruído característico, já que, segundo ele, apesar da sonoridade, suas flatulências não teriam odor forte’ o que, é claro, é questão de opinião. Evento do tipo ocorreu no Palácio da Alvorada, durante reunião entre o Presidente e dois políticos de sua confiança. A reunião, sobre medidas econômicas, seguia tensa, eis que surge um barulho estranho, seguido de um cheiro fétido. Sala fechada e ar condicionado ligado, o cheiro torna-se mais forte, a ponto de ninguém agüentar permanecer no recinto. No dia seguinte, na Câmara Federal, o principal líder da oposição acusou o Presidente de ter soltado a flatulência para impedir o andamento da reunião e prejudicar os oposicionistas. Enquanto a discussão prosseguia no Congresso Nacional, até com ameaça de abertura de uma CPI, nos principais jornais aparecia, em ‘off’, depoimentos de pessoas próximas ao Presidente, afirmando que, naquele dia, no almoço, teria comido batata doce e ovo, combinação que produz, segundo os especialistas, resultados catastróficos. A imprensa chegou a mencionar a CPI do Peido que, afinal, tendo o cheiro evanescido, como tudo nesse país, foi deixada de lado. Mas, de outro lado – ou do mesmo lado, se me perdoam – há quem goste, ao menos do som, e pretenda guardá-los, para voltar a ouvi-los de quando em quando. Para isso – êta mundo tecnológico – existe o Fart-a-phone que, por US$ 6,99, grava suas flatulências para serem exibidas quando e onde seu proprietário desejar. Ainda sob o aspecto tecnológico, há uma empresa, a under tec, que está comercializando cuecas com filtro. O produto, designado por ‘Gas Eater’, tem elástico na cintura e nas pernas, tornando-as estanques e, em seu interior, convenientemente localizado (clique aqui), encontra-se um filtro multicamada com um núcleo em carbono que neutraliza os maus odores. Os filtros são renováveis e as cuecas podem ser lavadas na máquina, como outra roupa qualquer. O problema está, ao menos quanto aos seres humanos, no cheiro, quando há enxofre – coisa até de Lúcifer – porque um vulgar traque poderá ser disfarçado com o barulho ambiente ou, então, com uma hábil e sincronizada tossidela, o que dependerá da prática do emissor. Ainda bem que o problema dessas emissões, de parte dos seres humanos, é apenas social. Isso porque, não bastasse terem sido as vacas acusadas de, com suas flatulências, aumentar o buraco na camada de ozônio, há quem acredite que foi a flatulência dos dinossauros que, afinal, causou o cataclisma que acabou por extingui-los. Mas, também, um flato jurássico, produzido por um dinossauro, pelo amor de Deus. A decisão do TRT de São Paulo tem tudo para iniciar uma série de decisões que culminarão com o estabelecimento de pacífica jurisprudência acerca do direito de emitir flatulências, até ser sumulada pelo STF e apaziguar os ânimos mais exaltados, principalmente no que toca ao estabelecimento de culpa nos elevadores."

Envie sua Migalha