Jus Besteirandi

3/3/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Até a última sexta-feira eu estava entre os que pensavam que dizer besteira era livre, que qualquer um podia dizer quando e onde quisesse. Só então, quando vi o presidente irado, vermelho, desgrenhado, dedo em riste, aos gritos, explicando que não era bem assim é que compreendi: para dizer besteira é necessário concorrer e ganhar as eleições para um cargo. Ele não esclarece se só vale para o cargo de presidente, ou serve um cargo público qualquer. O que ele disse, referindo-se ao Ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do STF, que não foi eleito para o cargo, mas indicado, textualmente, foi: 'Se ele quiser ser político, renuncie lá e se candidate a um cargo para falar as bobagens que quiser, na hora em que quiser'. É isso, então, o que significa ser político. É por isso que há tanta luta pelos cargos políticos. É por isso – agora se entende – esse festival de bobagens e besteiras que os políticos vivem falando. É direito deles. Foram eleitos para ter esse sagrado direito! Já vi – e temos visto – muita gente falar, e até cantar sobre os políticos e suas mazelas, e pelo tão baixo apreço que o povo em geral tem pela classe política, mas até agora, penso, ninguém tinha, em tão poucas palavras, definido tão bem, e tão claramente, o que faz um político. E explicar, de maneira tão cristalina, político que é, seus próprios discursos, principalmente os lamentáveis improvisos, como esse, aliás. Artistas, gente de menor expressão, tem tentado explicar a mesma coisa, com outras palavras, que tem caído no olvido. Por exemplo, na 'Música Urbana 3', da Legião Urbana, que se refere a 'deputados corruptos ganham eleições nas praças de Brasília'. Ou Vinícius de Moraes, em 'Sob o Trópico de Câncer', que pondera que 'Câncer não dá em deputado'. O velho Bezerra da Silva, em 'É ladrão que não acaba mais', creio que desencantado com o voto, dizia que 'E também se votar pra deputado... você é roubado'. Até mesmo Rita Lee, na sua música 'Tudo Vira Bosta', alertava que isso aconteceria também com 'Prostituta e deputado, esse governo e o passado'. Chico Buarque, em 'Homenagem ao Malandro', falava do 'Malandro candidato a malandro federal', e Gabriel Pensador pergunta, em 'Pega Ladrão', se 'você presta atenção no que o candidato diz?'. Não, a verdade é que ninguém presta mais atenção, pois é tudo bobagem, é tudo besteira. Mas, uma coisa é certa: é direito deles, que se candidatam e concorrem a cargos exatamente para isso, não importa a opinião que o presidente ou o povo, e nem os artistas, tenham dos políticos. Mas, afinal, acho que o presidente não deve desculpas ao presidente do STF, e nem aos políticos em geral, porque foi só uma bobagem, uma besteira. Mais uma."

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