As calçadas do prefeito

3/3/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Moro no Jardim Paulistano, perto da Avenida Paulista, a mais paulista das avenidas, como dizem. No último domingo, pela manhã, fui passear pela avenida, a pé, para conhecer, de perto, a obra das calçadas do prefeito Kassab, que há muito interrompem o trânsito daquela avenida, onde também se situa o meu escritório. E o fiz por ter visto, nos jornais, reclamações várias, sobre a qualidade do serviço – coisa de muitos milhões de reais, dos nossos, é claro – e porque notei que também em outros bairros, como na Vila Madalena, há uma verdadeira febre de mudança de calçadas, como se disso dependesse o futuro da capital. Bem, as reclamações procedem. Não sei quem ganhou a licitação. Mas acho que, há muito tempo, essa palavra já deveria ter mudado para 'ilicitação', tendo em vista os resultados das concorrências públicas. O que se vê na Av. Paulista, a olho nu é uma verdadeira porcaria. O piso, uma verdadeira casca de ovo, está se soltando em todas as juntas e as próprias juntas estão se soltando em toda a extensão da avenida, onde o serviço – ou desserviço – já está considerado 'pronto'. Em todos os lugares onde há bueiros ou tampas de metal o resultado é o mesmo: as juntas, casquinhas de nata de cimento saem e se espalham pelas calçadas, aumentando de dimensão a cada pisada e a cada chuva. Nem bem se acaba um trecho e os remendos são evidentes, criando uma colcha de retalhos, um trabalho de 'batik' que vai ser, afinal, a característica da avenida, isso se houver um trabalho permanente e constante de tapa-buraco que, após dificultar o trânsito de veículos por meses, passará a atrapalhar os pedestres eternamente. E mais, parece que ninguém pensou no efeito 'chiclete', que todo mundo, deseducadamente, joga no chão e, sob o sol tórrido, solda-se na leve casca de cimento, criando indeléveis manchas escuras que, no futuro, poderão ser analisadas como testes de 'Rohschach' para, talvez, identificar os motivos que levam as pessoas a agirem dessa maneira e nossos prefeitos a contratarem essas péssimas empreiteiras. Onde não há frisos metálicos a dividir os espaços de cimento, para que pretensamente não se quebrem – porque se quebram – há a colocação de cânulas de borracha ou plástico, para suportar a dilatação do solo – e não suportam –, mas as próprias cânulas são expelidas do solo, como estranhas minhocas cinzas, que o público se diverte em puxar do chão, de onde não deveriam ter aparecido. Trata-se de um serviço 'porco', para dizer o mínimo, e que deve ser imediatamente paralisado para uma completa perícia técnica, após o que, verificando o dano ao erário municipal, ser obrigada a empresa que 'ganhou' a 'ilicitação' a devolver os valores indevidamente recebidos. Depois, é só contratar um pedreiro de confiança, com uma pequena equipe – sabe? – o Severino, que vem com o cunhado e alguns amigos e 'pega o serviço'. Se o prefeito designar alguém para 'ficar olhando a obra', é bem capaz de sair 'tudo direitinho'. Como na casa da gente, quando o dinheiro é da gente. E custou a ganhar..."

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