Universidade aprova aluno de oito anos no vestibular

7/3/2008
Ramalho Ortigão

"Oh! que saudades que tenho... Lembro como se fosse hoje do dia em que completei meus oito anos. Suspiro de saudade daquela tenra idade. A manhã estava fria e brumosa exalando o madrugar floral da existência. Era o aniversário mais importante, o mais aguardado. O banquete de minha mocidade. Esperava-o já há três anos. Era momento solene. Já sabia disto, pois assim tinha sido com os que em casa me antecederam. Depois do café, em família, era guiado pela paternal mão - e como é doce esse gesto - ao escritório. Lá, na mesa do desembargador, repousava 'As Primaveras'. A propósito, a mesa tem, sim, nome. Foi do desembargador, e conservava este nome, como uma lembrança reverencial. Sendo de um jurista, a madeira, claro, era de lei. E era lá que principiava a primeira leitura de 'Meus Oito Anos', de Casimiro de Abreu, que a partir daquele momento tornava-se inseparável colega de minha meninice. Depois de entendidos os versos e cantada a poesia, passávamos, meu pai e eu, a decorá-la. Ele já sabia de cor, mas mesmo assim repetia comigo, um a um, os versos. Foi neste dia que ganhei, pra sempre, a imagem da infância, 'a sombra das bananeiras, o despontar da existência e as asas ligeiras das borboletas azuis'. Agora, vendo o caso do imberbe que o pai quer pôr na universidade, lembro-me do meu pai que, nos meus oito anos, me deu para sempre estes versos confeitados de amor. E nesse saudoso torvelinho de reminiscências, pergunto : mudei eu, mudaram os pais, ou mudou a infância querida que os anos não trazem mais ?"

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