Medidas Provisórias

28/3/2008
Pedro José Alves - advogado

"Tenho, com insistência, apregoado as vantagens de um mundo globalizado e, mais que isso, agrilhoado pela Internet e por todos os meios que nos fazem, a um só tempo, estar aqui, agora, e acolá, aqui e agora! Em tal estado de prisão e onipresença, o fato é que o adágio popular de que 'aqui nada se cria e tudo se copia' ganha um novo alento, menos agressivo, pelo qual neste mundo globalizado 'criam os organizados e copiam os desorganizados e os menos organizados'. Em época de reforma constitucional das normas de edição das Medidas Provisórias, vejam vocês que uma alteração no Conseil d'Etat (Conselho de Estado) francês teve o mérito de me inspirar a cometer a ousadia que lhes vou transmitir adiante. Pelo Decreto nº. 2008-225, de 6 de março de 2008, o funcionamento e a organização funcional do referido Conselho foram alterados. O objetivo foi incrementar as funções Consultivas do mencionado Conselho, a fim de '... accroître l'efficacité de l'activité consultative du Conseil d'Etat...' (aumentar a eficácia da atividade consultiva do Conselho de Estado) na expressão do Communiqué de presse da entidade. Ora, mas o que se espera desse aumento de eficácia? Simplesmente, aqueles que pesquisam e buscam a realização dos vetores que constroem a Cidadania e a dignidade humana, descobriram, após muito discutirem o que contribuía para o enfraquecimento da segurança jurídica nos dias correntes, que indiscutivelmente havia desestabilizadores dessa segurança e que tais elementos se podiam traduzir como '...logorrhée legislative et réglementaire...' (verborragia legislativa e regulamentar) e os 'raffinements byzantins' (refinamentos, apuros, bizantinos, de questões insignificantes, sem resultado prático). ou, ainda, um '...droit mou, droit flou, droit à l'etat gazeux...' (a regra que dura pouco, a regra vaga, de falsos valores, e a regra no estado gasoso, sem forma nem propósito). Efetivamente, as normas construídas com as 'qualidades' que acima transcremos são destituídas de legitimidade, até mesmo por que são originadas na insensibilidade de Atores do Poder, tal como pudemos recentemente ouvir e, posteriormente, ler nos jornais, quando o DD. Presidente da República afirmava, do alto de sua arrogância arrostática, que não abria mão das Medidas Provisórias, bandeira suprema do sistema de governo que sempre apelido de MePocracia (governo pelas MPs), que nada mais representa que a negação da República e da Democracia, tal como tinham querido os Constitucionalistas da atual Constituição Federal, pelo artigo 1º. Mas, o DD. Presidente, conforme publicado nos jornais, assim 'lecionou': '...Qualquer deputado e qualquer senador sabe que é humanamente impossível governar se não tiver medida provisória. Porque o tempo e a agilidade com que as coisas precisam acontecer muitas vezes são mais rápidas do que o tempo das discussões democráticas que são necessárias acontecerem no Congresso.' Dirão, talvez, alguns, que o DD. Presidente, mais uma vez, cometeu um paradoxo. Sendo Presidente de uma república democrática, expressão que, na doutrina jurídica, corresponde a um pleonasmo, S. Exa. oniricamente revestiu-se da Magestade MePocrática em que já vive, olvidando que 'as discussões democráticas' existem exata e precisamente para que o Poder que ele representa não tome decisões precipitadas, que resultem na verborragia legislativa, nos refinamentos bizantinos e na regra vaga, que dure pouco. É verdade, porque não é na solidão das paredes palacianas, onde a única segunda voz é aquela do eco da própria voz, que se devem fazer as normas cidadãs e de respeito à dignidade humana num ambiente democrático, que até o DD. Presidente sabe chamar-se Congresso Nacional. O nosso DD. Presidente tem razão quando afirma, em uma de suas inúmeras perorações, que é no Congresso – com todos os defeitos e vícios que possa ter! - que se constrói a democracia da nossa república! Mas, retomando as razões do Conselho de Estado francês, a realidade é que a reforma que foi realizada foi conseqüência da necessidade, que lá eles notaram e buscaram caminhos para otimizar ou reduzir, de melhorar a qualidade das normas, num contexto de inflação normativa, e concorrer para reduzir as pressões crescentes da atividade contenciosa, in verbis : '...concourir à l'amelioration de la qualité de la reglementation dans un contexte d'inflation normative; ensuite, pour préserver l'équilibre entre ses différentes missions face à la pression croissante de l'activité contentieuse.' Daí, ocorrou-me uma indagação: por que não se deixa o nosso DD. Presidente com o único instrumento jurídico que parece lhe dar segurança para continuar a 'governar', mas não se cria um Conselho de Estado, composto por nove representantes, sendo três do Congresso, três do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e três do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, para decidirem, antes da publicação, do atendimento dos requisitos constitucionais do artigo 62, da Constituição, mantidas as demais disposições constitucionais em vigor. Se tal Conselho de Estado decidisse que os requisitos não foram supridos, a Minusta de Medida Provisória seria convertida em Projeto de Lei e remetida, de imediato, ao Congresso Nacional, para seguir o devido processo constitucional. Se fossem supridos os requisitos constitucionais, o DD. Presidente estaria liberado para adotar a minuta como Medida Provisória, com força de lei, seguindo a mesma os trâmites naturais e constitucionais de submissão ao Congresso Nacional, para que se efetivasse o processo democrático de aprovação do Povo, já que o Congresso é a casa que acolhe seus representantes. Como afirmei, pois, inicialmente, a criatividade humana é engenhosa e interessante, mas carece sempre de uma chama que a incendeie. Creio que a idéia aqui exposta é viável, mas deveria receber o debate e a eventual oposição dos que a lessem."

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